Auditoria X democracia
Dar credibilidade a postagens da internet, levando-as à apreciação do Tribunal Superior Eleitoral, contribui para tirar ou para aumentar as dúvidas da população? Isso beneficia ou enfraquece a democracia?
Uma frase famosa, atribuída a um ex-presidente do Corinthians, Vicente Matheus, explica que "o jogo só acaba quando termina". Pois bem. As eleições presidenciais de 2014 terminaram, mas será que o jogo acabou?
Depois da grande comoção gerada pelo resultado, quando as coisas pareciam se acalmar, veio a notícia bombástica de que o PSDB ingressou na quinta-feira passada, dia 30 de outubro, com uma petição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) requerendo uma auditoria na votação de 2º turno da eleição presidencial , mediante uma análise do sistema que apura e faz a contagem dos votos.
Mas qual o (gravíssimo, muito provavelmente) motivo para a tomada dessa iniciativa? Segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, a representação foi motivada por "desconfianças propagadas pelas pessoas nas redes sociais". Ou seja, uma meia dúzia de pessoas, como acontece todos os dias, publica alguma besteira no Facebook (que é replicada de forma irresponsável por quem adora ver o circo pegando fogo) e, sem qualquer checagem prévia, isso se torna motivo para se auditar as eleições presidenciais.
Procurado pela imprensa, o coordenador jurídico do partido, deputado Carlos Sampaio, ainda esclareceu que não questiona o resultado e nem pede recontagem de votos, mas o seu objetivo foi, simplesmente, evitar que o sentimento de fraude continuasse sendo alimentado na internet, ou seja, tirar as dúvidas da população e beneficiar a democracia brasileira.
Eu não duvido e acredito que a maioria das pessoas não tem qualquer dúvida das melhores intenções do PSDB em contribuir para a democracia. A imensa ficha de serviços prestados à nação brasileira é a garantia dos melhores propósitos desse partido. Agora, francamente, será que uma iniciativa dessa natureza, tomando como base a boataria que se propaga de forma irresponsável nas redes sociais, não se equipara a jogar gasolina na fogueira? Dar credibilidade a postagens da internet, levando-as à apreciação do Tribunal Superior Eleitoral, contribui para tirar ou para aumentar as dúvidas da população? Isso beneficia ou enfraquece a democracia? O fato é que, não se sabe se motivadas ou não por esse pedido de auditoria protocolado pelo PSDB, muitas pessoas foram para as ruas no sábado para protestar contra suposta fraude eleitoral e (pasmem!) pedir intervenção militar.
Francamente. Tudo tem limite. Será que todos que fizeram protestos pela volta do regime militar têm a exata noção do que representou isso para a democracia brasileira? Seria muito bom que alguns desavisados, antes de ir para a rua, dessem uma passada em alguma biblioteca e pesquisassem o tema em algum livro de História do Brasil. Os livros, com absoluta certeza, contêm melhores informações do que as postagens do Facebook.
A internet é uma ferramenta poderosa para transmissão de um dos bens mais valiosos da atualidade, que é a informação. Mas, a exemplo do mundo real, o mundo virtual está repleto de pessoas desinformadas (o que é ruim) e mal intencionadas (o que é pior) que propagam mentiras e besteiras como se fossem verdades absolutas. Pouquíssimas pessoas procuram se inteirar sobre aquilo que lêem ou escrevem pelas redes sociais. As fontes de consulta geralmente são frases de efeito cunhadas em letras coloridas em uma apresentação de PowerPoint. O sujeito escreve alguma asneira, muitas vezes sem ter noção alguma do que falou, faz uma arte e, pronto, posta a "obra-prima" e aguarda as curtidas e compartilhamentos como se isso representasse alguma vantagem.
Quem fez a denúncia de fraude nas urnas eletrônicas ou no sistema de apuração de votos? Qual o nome, CPF, endereço? No que consistiram, objetivamente, tais fraudes? Com base em quais provas a fraude foi constatada? Por que alguém postou isso na internet em vez de fazer denúncia formal no Ministério Público eleitoral ou na Polícia Federal?
Ora bolas! Quem tem história, credibilidade e importância no cenário político tem que tomar as devidas cautelas para, mesmo sem querer, não jogar uma cortina de fumaça sobre uma coisa tão séria que é a decisão soberana tomada pelo povo brasileiro e, pior, também sem querer, não dar crédito e munição para discursos sectários e intolerantes que não combinam em nada com o jogo democrático. A Justiça Eleitoral e, principalmente, a democracia brasileira não merecem isso!
O desconforto foi muito grande entre os ministros do TSE. O pedido será examinado na próxima semana, mas recados já foram dados. O corregedor eleitoral, ministro João Otávio de Noronha, chegou a dizer na sexta-feira que o pedido do PSDB seria "prejudicial" à democracia. Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, palavras como "desserviço" e "antidemocrático" também ecoaram pelos corredores da corte.
Enganam-se os que pensam que o PSDB saiu derrotado das eleições de 2014. Embora o seu candidato tenha realmente perdido, o PSDB se consolidou ainda mais como principal partido de oposição e como alternativa ao projeto hoje em curso. Assim, para o bem de todos, é preciso que o partido esqueça essa história de auditoria fundada em postagens de redes sociais, de forma a virar a página das eleições de 2014. Sigamos em frente, pois o jogo acabou! A democracia brasileira agradece.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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