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    Raphael Machado

    Politólogo, Bacharel em Direito, colaborador da RT, Radio Sputnik e TeleSur

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    Avaliação preliminar do ataque ao Hospital Al-Ahli em Gaza

    Tudo permanece, ainda, nebuloso pelas circunstâncias calamitosas do ataque israelense a Gaza

    Ataque de Israel a hospital de Gaza matou cerca de 500 pessoas (Foto: Reprodução)

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    O que vou comentar aqui vai além das posições políticas e geopolíticas sobre quem está certo e quem está errado no conflito Israel-Palestina.

    O resumo para quem não quiser ler tudo é: as evidências apontam que Israel realizou um ataque aéreo com uma JDAM (acoplada provavelmente a uma bomba MK-84, com fusível de proximidade) contra a entrada do Hospital Anglicano em Gaza, também chamado de "Hospital Árabe Al-Ahli", e o número de vítimas foi um pouco inflado pelo Hamas.

    Quanto ao ataque em si, em primeiro lugar, esse não seria o primeiro hospital atacado por Israel nesse conflito. Até ontem, pelo que pude ver, Israel havia atacado 10 hospitais palestinos (em outras palavras, não seria algo sem precedentes para Israel nos últimos 10 dias), matando dezenas de pessoas no total desses ataques.

    Os hospitais visados (ou cujas operações foram afetadas por bombardeios nas proximidades) foram: o Hospital Infantil de Durrah, o Hospital de Campo Jordaniano, o Hospital Abu Yousef al-Najjar, o Hospital Al-Quds, o Hospital Al-Awdah, o Hospital Al-Shifa, o Hospital al-Wafa, o Hospital Al-Rantisi, o Hospital Beit Hanoun e o Hospital Árabe Al-Ahli (sim, o mesmo hospital de ontem, que já havia sido visado em 14 de outubro, quando 5 pessoas ficaram feridas)[1].

    Observação importante: Israel não negou nenhum desses ataques. Todos foram "justificados". O hospital Abu Yousef al-Najjar ficou inutilizado.

    Além disso, Israel ordenou a evacuação de outros hospitais, com avisos de que eles seriam atacados: Hospital Kamal Adwan, Hospital Al-Kuwaiti.

    Em outras palavras, o ato em si não é novidade. Israel já atacou hospitais e não nega que tenha atacado hospitais. O próprio Hospital Árabe Al-Ahli já foi atacado antes e estava sob aviso de evacuação.

    *

    Quanto ao fato de haver ou não um número excessivo de pessoas no hospital: os 22 hospitais de Gaza (agora são 20...) estão acima da capacidade, e não apenas porque há muitos feridos, mas porque, em uma cidade bombardeada, as pessoas têm a ilusão de que os hospitais são espaços seguros (e deveriam sê-lo) e se refugiam neles.

    É por isso que o Hospital Árabe Al-Ahli estava lotado, não apenas em seus quartos, mas também nos corredores, especialmente no corredor de entrada e na própria entrada do hospital, ao lado do estacionamento.

    É importante ressaltar que o The Guardian[2] relata que o hospital pegou fogo após o bombardeio, portanto, mais uma vez, não vejo muito motivo para surpresa no que concerne o alto número de vítimas. Era um hospital lotado, cheio de pessoas na entrada e pegou fogo.

    De acordo com um dos médicos, o teto de uma das salas de cirurgia desabou. Portanto, o hospital ainda está de pé, mas sofreu danos estruturais e algum grau de colapso interno parcial. Para quem duvidar da informação, o hospital é administrado pela Igreja Anglicana (anteriormente, ele foi relatado como batista, mas mudou de batista para anglicano no final da década de 1980), portanto, a Igreja Anglicana está envolvida no caso e confirmará o estado concreto do hospital[3].

    No entanto, no que diz respeito às fotos dos corpos já coletados ontem, é possível um pouco mais de 100 pessoas apenas com as fotos. A esses devem ser adicionados os corpos incinerados ou destruídos além da possibilidade de coleta, os que ainda estão dentro do hospital (soterrados?), bem como os mortos e feridos terminais transferidos para o hospital Al-Shifa.

    Assim, as informações preliminares, permitem deduzir um número de baixas em torno de 500 mortos, mas muitas dessas mortes também se devem ao fato de que há poucas condições de receber e tratar os feridos, mesmo nos hospitais que ainda estão funcionando.

    Nesse sentido, ainda é prudente desconfiar da informação de que teria havido 1.000 mortes ou mais, como informam algumas fontes do Hamas. Mas tudo permanece, ainda, nebuloso pelas circunstâncias calamitosas do ataque israelense a Gaza. A cifra de aproximadamente 500, porém, se alinha com os primeiros números divulgados, incluindo os oferecidos pela defesa civil de Gaza, que é independente e não é controlada pelo Hamas.

    *

    Mas será que houve realmente um ataque israelense e quais são as evidências que confirmam (ou refutam?) isso?

    Quanto às evidências, vamos analisá-las uma a uma:

    Primeiro, como de costume inclusive em outros ataques israelenses a hospitais, o ataque ao Hospital Al-Ahli foi confirmado por um dos porta-vozes oficiais do governo israelense, Hananya Naftali, que saudou o ataque, justificando-o como necessário porque abrigava combatentes do Hamas.

    A publicação na mídia social foi posteriormente excluída.

    Prova: https://twitter.com/jacksonhinklle/status/1714358349607682270

    Outros funcionários do governo israelense também comemoraram o ataque e, pouco tempo depois, excluíram suas publicações nas redes sociais.

    É importante observar que Hananya Naftali não é um mero "influenciador virtual", como afirmam alguns divulgadores de notícias falsas. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteve em seu casamento em janeiro deste ano e até comentou, na ocasião, que Naftali trabalhava pessoalmente com ele.

    Prova: https://twitter.com/HananyaNaftali/status/1617879346152374274

    A esse respeito, o porta-voz parece ter tratado o ataque como um ataque israelense "padrão" a hospitais palestinos e emitiu o discurso apologético típico. Até que se tornou público que o número de vítimas era muito maior do que o normal, momento em que teve início uma operação híbrida de controle de danos e desinformação, técnicas nas quais Israel possui longa experiência e expertise.

    Um vídeo mostra que ontem, por volta das 20h, horário de Jerusalém, enquanto o Hamas realizava um ataque de artilharia contra Israel, uma aeronave israelense sobrevoou a área e supostamente disparou um dispositivo que atingiu a entrada do hospital, causando duas explosões.

    Vídeo: https://twitter.com/MyLordBebo/status/1714646537555337529

    O mesmo hospital, repito, havia sido atacado anteriormente.

    Os outros vídeos, apresentados por Israel, são de 2022, um é do momento errado e outro foi editado para não mostrar o avião israelense e mostrar apenas o ataque do Hamas.

    Evidência : https://twitter.com/jacksonhinklle/status/1714364851026383292

    Quanto ao áudio capturado, sinto muito, mas a fonte original é a mesma dos 40 bebês decapitados, uma informação bastante duvidosa que ainda não foi verificada. Além disso, um dos "terroristas" do Hamas fala um árabe terrível e parece estar lendo um texto. Seus sinais de voz também estão separados à esquerda e à direita, o que só é possível em estéreo, enquanto a conversa gravada só poderia estar em captura mono.

    Análise: https://twitter.com/CensoredMen/status/1714602704054452443

    Os "militantes do Hamas" do áudio também afirmam que o míssil veio do cemitério próximo ao hospital, mas essa afirmação não corresponde aos outros vídeos por causa do próprio Israel, da distância, da trajetória etc.

    Essa é, francamente, a evidência mais fraca.

    As alegações sobre a "pequena cratera", "como tantas pessoas morreram se a bomba caiu no estacionamento", etc., acho que já resolvi nos comentários anteriores: havia muita gente na região da entrada do hospital, como refugiados dos ataques.

    A questão remete à arma utilizada o que podemos desenvolver um pouco: a JDAM (Joint Direct Attack Munition), já apontada, é um tipo de dispositivo que permite transformar bombas comuns em munições guiadas inteligentes. A principal candidata a ter recebido esse dispositivo é a bomba MK-84, da época da Guerra do Vietnã, que tem um alto poder de deslocamento de ar, além de um alto aumento de temperatura na zona de detonação. A cratera seria pequena porque a bomba teria detonado no ar, devido ao fusível de proximidade.

    O tipo de bomba corresponde à descrição da cena (apresentada como prova de que não foi Israel): pequena cratera, muitos carros queimados, prédio com danos típicos de incêndio, janelas quebradas.

    Em suma, foi um ataque atroz, que atingiu um hospital de refugiados de guerra, cheio até o teto, que já estava danificado (o ataque anterior, há 4 dias, teria destruído pelo menos um andar do hospital) e que foi incendiado pelo ataque, e cujas vítimas foram de fato capitalizadas pelo Hamas e outros porta-vozes para fins de propaganda de guerra, o que é extremamente comum nesse contexto.

    Esse não é o primeiro hospital a ser atacado por Israel e, imagino, não será o último.

    Notas

    [1] https://reliefweb.int/report/occupied-palestinian-territory/attacks-health-care-israel-and-occupied-palestinian-territories-12-15-october-2023

    [2] https://www.theguardian.com/world/2023/oct/18/they-believed-it-was-safe-death-toll-rising-blast-gaza-hospital

    [3] https://anglicanchurchsa.org/anglicans-in-jerusalem-respond-to-airstrike-on-gaza-hospital/

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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