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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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Barroso é um imbecil? - mas por quê?

Esse xingamento ao ministro Roberto Barroso (STF) não é meu. Quem ofendeu o magistrado que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi Jair Bolsonaro, Chefe do Estado Brasileiro

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Esse xingamento ao ministro Roberto Barroso (STF) não é meu. Quem ofendeu o magistrado que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi Jair Bolsonaro, Chefe do Estado Brasileiro. 

Todavia, o objetivo deste texto é bem outro. Queremos analisar a estratégia discursiva de Bolsonaro. De partida, deixo claro: as entrelinhas nunca foram tão fundamentais para a República quanto têm sido no Governo desse déspota tupiniquim. 

Na síntese – para que nossos leitores compreendam o que estou tentando demonstrar – o ocorrido se deu no último dia 9 de julho. Naquele tradicional espaço de bravatas e humilhações diárias: o cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada, onde o Presidente faz mais discursos oficiais que nos espaços realmente oficiais, ele, Bolsonaro, resolveu atacar Barroso ao retomar o tema do voto impresso[1]. Durante sua fala, Bolsonaro não apenas emitiu uma opinião em contrário ao discurso oficial do presidente do TSE, todavia, partiu para a baixaria e xingou (de idiota e imbecil) uma autoridade da República de forma gratuita e desnecessária. 

Mas vamos ao que interessa. Primeiramente, não posso concordar com Bolsonaro que Barroso seja imbecil. Tenho outros adjetivos – republicanos – para dizer que não gosto da postura do ministro da Suprema Corte. Acho que ele responde naquela Casa a um comportamento neocolonial, fazendo de seus votos e discursos meros instrumentos de proteção de castas ricas e sistemas arcaicos os quais brotam do tempo da Colônia. (Contudo, também não vou tomar o tempo dos leitores com este tema hoje).  

Na verdade, o ponto de análise deste texto é a estratégia discursiva de Bolsonaro. Nem mesmo seus eleitores conseguiriam “lhe ouvir” não fossem estas “armadilhas” implícitas no falar do Chefe da Nação. 

Bolsonaro somente consegue chancelar seu discurso para um povo gadificado[2]. E não é simples de fazê-lo. Talvez não conseguisse se, usando de uma inteligência particular, não tivessem em seu discurso gatilhos para que uma cognição desavisada pudesse “captar” sensorialmente o “lugar de fala”. Percebamos.  

O núcleo deste discurso (no vídeo que analiso) é a volta do “voto impresso”. A justificativa: “certeza por parte do Presidente quanto à existência de fraudes eleitorais com o sistema de urnas eletrônicas”. Entretanto, isso interessa tão pouco, mesmo para gente ignorante, ou ingênua, ou fascista que apoia Bolsonaro. Nem eles se atrairiam para a militância deste assunto se outros eventos discursivos não surgissem espalhados no imbróglio que Bolsonaro apresenta adicionalmente (é como um “presente” extra aos ouvidos destes zurros que o escutam).  

Senão, vejamos. O receptor da mensagem é seu público: cerca de 30% do eleitorado brasileiro (na maioria, evangélicos, militares e outros, distribuídos em segmentos/categorias diversas – espalhados por todos os rincões do Brasil). Embora falando sobre o ministro Roberto Barroso, Bolsonaro não faz o discurso para o TSE, ou STF, ou ainda a quaisquer instituições da República (não é a Accountability ou o Establishment – grosso modo, termos que denotam comportamentos destes Estados liberais modernos – os seus agentes –  cuja ação seria buscar “as coisas corretas” no agir estatal; não é o que interessa ao Presidente, mas a retórica).  

Seu discurso, portanto, é um flerte. Busca elementos de rebeldia localizada. Busca justificação para recrudescimento de parcela da população. Quer apenas incendiar algumas “multidões” (ainda bem, muito desorganizadas politicamente).  

Para conquistar essas tais “multidões” - repito: que pouco se importam[3] se o voto é impresso ou eletrônico, realmente -, Bolsonaro opta por seduzir os ouvidos moucos, engravidar as cognições frágeis, conseguir atenção, falando sobre outros temas, estes que de fato interessam à gente que o segue: i) combater a legalização do aborto (os não-tipificados); ii) combater a legalização das drogas (quais? como?); iii) combater os terroristas (pseudos); iv) e o estupro de vulneráveis (hããã?). Estes tópicos “tomam” o centro do discurso como o conteúdo de descredenciamento e até mesmo reivindicação de um necessário linchamento ao “inimigo” da vez, Roberto Barroso que, diametralmente contrário ao Presidente, defende o uso da urna eletrônica como evento de segurança ao sufrágio presidencial[4]. 

Portanto, a potência do fatídico discurso de Bolsonaro (dia 9) está no minuto 3’, segundo 03” do vídeo que indicamos link abaixo[5]. Vamos observar as falas e perceber estas conexões. 

Transcrevo o momento em que Bolsonaro se refere à Barroso e seu posto no STF/TSE dessa forma: “Uma vergonha um cara desses tá lá! Não é porque ele defende aborto, não! Porque ele quer defender a redução da maioridade [obs.: corte de ideia nesse ponto] pra estupro de vulneráveis. Pra ele – péra aí, pessoal – com 12 anos de idade, uma menina fazer sexo com 12 anos; eu tenho uma de 10 em casa. Isso não é estupro. Pode ser consentido. Segundo a cabeça dele. Um cara que quer liberar as drogas! Um cara que defendeu um terrorista-assassino italiano: o Cesare Battisti. Este é o perfil de Barroso! Que tá na frente das eleições.” 

É neste ponto que o serviço de inteligência das Ciências Sociais e Humanas precisa se debruçar para entender e enfrentar Bolsonaro. Para efetivar sua narrativa sem pé, nem cabeça, o Chefe de Governo, usando de seu acesso gradiente à microfones, descredencia (o lado humano e a autoridade de) seu oponente, o ministro Barroso; destrói sua reputação perante um público conservador específico; aplica-lhe um porrete, avocando transversalidades temáticas – sem qualquer contexto – para finalmente justificar: a) que Barroso erra ao defender as urnas eletrônicas; e b) que, por isso, Bolsonaro terá o direito de insultar Barroso, afinal, estará enxovalhando alguém com “essas credenciais” e que (olhem o final desta fala acima) não é digno de coordenar as eleições brasileiras.  

Penso que podemos fazer uma parada tática aqui neste texto. Essa pausa é para analisar corretamente vários outros trechos do discurso de pouco mais de 5 minutos, mas que oferece tantas informações à República[6].  

O certo é que Bolsonaro vai passar; entretanto, seu discurso, a essência cultural-social de seu discurso não, a menos que façamos algo que ressignifique a mentalidade de nosso povo, os 30% “dele” e os 70% de outros lados discursivos-civilizatórios brasileiro. Pensemos... 

......................... 

 [1] Deixemos claro aos leitores que esse lance de voto impresso é tão somente a nova cortina de fumaça, uma narrativa falaciosa que Bolsonaro está produzindo para dois motivos ultra-temporais: 

i) Bolsonaro está acuado neste momento (pelos seus crimes que vão sendo provados na CPI; crimes das rachadinhas que começam a brotar de sua época como deputado; e pela “fatura” que começa a ser cobrada das milhares de vítimas da COVID-19 que morreram por sua culpa direta). Portanto, ele precisa fabricar fatos para encobrir outros fatos; e 

ii) Bolsonaro caminha para perder nas urnas a reeleição. As pesquisas, todas, mostram que o ex-Presidente Lula derrotará Bolsonaro. Ele não aceita a derrota (porque vive de poder e também porque corre o risco de sair preso) e tenta justificar um possível Golpe caso seja derrotado. 

[2] Neologismo para me referir à formação dos seguidores de Bolsonaro, sua cognição política: tornam-se “rebanho”, e como “gado”, vão seguindo orientações dentro de sua bolha ideológica sem qualquer questionamento verossímil das coisas. 

Ver esse termo em: https://www.brasil247.com/blog/o-meta-golpe-a-guerra-civil-e-o-blefe-de-bolsonaro-nao-caiamos. 

[3] Embora não se importem, são hipnotizados a tal ponto que passam a espalhar pelas redes sociais, memes e vídeos mentirosos sobre a relevância do tal voto impresso.

Porém, deixemos claro, nem mesmo sabem o que fazem. Operam em outra cognição: a que agrada seu caráter conservador-retrógrado e racionalmente cheio de mofo.  

[4] Aliás, até Bolsonaro acredita na segurança das nossas urnas. Não fosse isso, ele e seus asseclas filhos não teriam, somando, perto de 20 mandatos eleitorais realizados por este tipo de equipamento.

Na verdade, esse ser de boca porca busca mudar o foco do olhar nacional porque já sabe que não será reeleito e, para piorar, deve sair da Casa de Vidro do Sol Reluzente para ir para a Casa de Ferro do Sol Quadrado. 

[5] Assista a fala de Bolsonaro – que aqui analisamos – por este link: https://www.youtube.com/watch?v=CegH2eUPC5M&t=196s. 

Ah, o trecho em que o Presidente chama Barroso de imbecil está no minuto 4’42’’ deste vídeo. 

[6] Entre alguns trechos da fala, um que chama bastante atenção é a forma com que Bolsonaro se refere ao sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Por duas vezes o credencia como o “nove dedos”, fazendo alusão – de forma vulgar – à deficiência do ex-Presidente.  

Isso dá mais pistas do caráter falacioso e cruel de Bolsonaro (não captado por seus eleitores). Ora, ele, ao tomar posse como Presidente do Brasil, fez questão de convocar sua esposa para proferir um discurso em Libras, fazendo referência a um novo tempo, com inclusão, com acesso às pessoas vulnerabilizadas na sociedade. Isso ficou “bem na fita”. Passou uma linda mensagem. Todavia, o tempo vai dizer que seria mais uma hipocrisia.  

Bolsonaro nunca quis pobre, preto, mulher, gay ou pessoa com deficiência dentro de sua agenda civilizatória. Trata-se de meros espaços discursivos. Quando a câmera desliga, Bolsonaro cospe no chão...

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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