Black is beautiful
Tristes e raciais trópicos. Seguem fazendo muita falta Tim Maia, Billie Holiday, Moraes Moreira, Aldir Blanc, Eliz Regina, Linda Lovelace, o Pastor Martin Luther King, Johnn Lennon, Meu amado Pai, Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário, Charles Chaplin, além de tanta gente que bem sabia que a pele não se cria na cor, mas sim na emoção que desperta na pele alheia...
Leio no Conjur que uma juíza estadual da comarca de Curitiba, ao sentenciar um cidadão, considerou na ocasião da fixação da pena a raça do réu, estabelecendo o seguinte raciocínio: ‘sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante de grupo criminoso, em razão de sua raça...’ Como diria meu outro neurônio: precisamos descobrir de onde vem essa gente e ir lá fechar a porta...
Noves fora, o que leva uma magistrada a pensar e agir assim? Seriam anos e anos de preconceito e racismo – as vezes velado, outras nem tanto, em algumas ocasiões explícito, como deixa evidente a sentença? Deveras, qualquer sentença que leve em consideração a raça do réu enquanto motivo de fixação da pena, encerra a visão bucólica do brasileiro enquanto homem generoso, puro de espírito e altruísta, suposto que a genealogia racial levada à cabo em um julgamento de conduta não resiste a qualquer juízo dogmático, ainda que espelhe o mal que ora se esparrama no brasil (e isso não é de hoje) por uma parcela de brasileiros que pensam exatamente igual a juíza parnanguara. O desvalor dogmático da asseveração empregada na sentença, forte em destacar a cor da pele (raça) do sentenciado em ordem a concluir por sua ‘participação certa em grupo criminoso’, é tão aviltante que sai do lugar comum que o recepciona, reverberando na origem do preconceito criminoso em que resulta, além de banalizar o mal que espraia...
Nesta medida, a matriz (estúpida e racista) do pensamento esgrimido para valorar a conduta do cidadão então julgado, diz mais sobre a titular da jurisdição do que do próprio jurisdicionado em polo de conflito com o julgamento então ultimado.
Além disso o pensamento, por infame que se revele, ultrapassa o mundo desesperado, fútil e ignorante da juíza, potencializando o preconceito que desagua no desmerecimento do Poder judiciário feito um todo, uma vez que ela, a juíza, para poder julgar um semelhante, antes venceu longa e muito complexa etapa concursal, onde foi (deveria ter sido) submetida a provas escritas, sabatinas, além de investigação sigilosa sobre a sua pessoa, tudo em ordem a demonstrar sua aptidão para julgar condutas... Fato é que ao julgar a conduta para a qual o concurso da magistratura lhe garantia a aptidão, a juíza não conseguiu vencer o preconceito comezinho que, antes, lhe conduzira a formação do caráter, desviando-se da condição de juíza da causa e abraçando livremente a paixão preconceituosa de sua formação esquálida. Não foi jurisdição o que ela entregou (que a jurisdição é imparcial e dogmática) e sim a medida de sua relação com o mundo, desenhada na medição da própria história.
Por isso não lhe bastou condenar o réu negro: precisou destacar que a cor de sua pele constitui elemento de convicção valorável em provimento judicial, em ordem a estabelecer um vínculo entre negros e criminalidade. Essa associação livre que a juíza parnanguara estabeleceu entre negros e criminalidade (‘grupo criminoso’), apartada de qualquer elemento sensível matriculado em estudo sobre o tema (Lombroso não foi tão longe), merece um capítulo sociológico à parte, centrado na formação do caráter da magistrada e na ausência de legitimidade do juiz que se desvia do prumo, para julgar condutas de seus alvos de preconceito e/ou interesse. Há um entendimento equívoco de nossa sociedade em favor do conceito de que a corrupção é de índole e caráter eminentemente financeiros. Ledo engano.
Corrupção não é exclusividade da seara econômica, suposto que cede, muitas vezes, a outros encantos, de natureza diversa e variada, como muito bem assentou o Deputado Federal Glauber, do PSOL do Rio de Janeiro, ao se referir ao mais afamado dos juízes parnaguaras, hoje duble de político e golden boy dos marinho...
Deveras, o juiz que ao julgar seu semelhante, centra esforços na pessoa que julga (de qual raça é; qual a sua ideologia; a qual partido político pertence; se é homem ou mulher; para qual time torce, se é homo ou se é hétero; se vai concorrer à Presidência da república...) e não na conduta denunciada (fulano fez isso, cicrano fez aquilo, beltrano fez outra coisa), não é juiz.
Ser juiz é merecer a toga, não apenas usá-la. Já disse isso neste 247 e sobre o tema penso que a juíza, ao valorar a cor da pele para concluir em desfavor do cidadão réu, autoriza sua releitura, na medida em que a imensa maioria dos magistrados brasileiros refletem verdadeiros compêndios humanísticos, não pactuando do entendimento que ora lhes apequena a todos...
Sim a todos, na medida em que não se pode confiar na imparcialidade do magistrado que convoca o seu preconceito para julgar. Perguntem a Cristhiano Zannin se é possível contar com a isenção e a imparcialidade do julgador que projeta, antes do sujeito do processo (réu), as próprias convicções e interesses...
Mas uma coisa se deve dizer em favor da juíza que julgou a raça negra: ela não quis parecer boa moça, nem se preocupou com a própria imagem, quiçá com sua história. Ela deu o que tinha para dar – e isso nos diminui a todos, enquanto raça e espécie...
Ainda assim, ao não atrelar a própria repulsa a qualquer narrativa anterior que porventura se estabelecera, a juíza racista ofende profundamente o tecido social, expondo a bolha da exploração dos povos. É, todavia, muito menos nociva ao estado democrático de direito do que o juiz fascista, que vende a jurisdição pelo implemento e sustento de uma narrativa que lhe viabilize os próprios anseios políticos.
Vai mal o judiciário. Pior ainda o parnanguara (bem salvas as grandiosas e reconhecidas exceções, conquanto há juízes extraordinários tanto em Berlin quanto no Paraná), pelo que estamos vendo e lendo dia a pós dia – e olhe que não estamos a falar da vaza jato, que seria demasiada vergonha para um texto que se pretendia enxuto...
Tristes e raciais trópicos. Seguem fazendo muita falta Tim Maia, Billie Holiday, Moraes Moreira, Aldir Blanc, Eliz Regina, Linda Lovelace, o Pastor Martin Luther King, Johnn Lennon, Meu amado Pai, Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário, Charles Chaplin, além de tanta gente que bem sabia que a pele não se cria na cor, mas sim na emoção que desperta na pele alheia...
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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