Bolsonaro e Guedes: aonde eles querem chegar?
"A não ser que tenham outros objetivos, o que andam fazendo sabota a criação das condições econômicas e políticas para que o governo deslanche no seu segundo ano, fazendo cessar os ruídos políticos que atrapalham o andamento da agenda de reformas neoliberais, com as quais são comprometidos junto ao capital financeiro e o tal andar de cima", escreve a jornalista Tereza Cruvinel
Bolsonaro militariza o governo e Guedes vem dando repetidos tiros, com sua língua incontida, na própria agenda reformista, vale dizer, tiros nos pés. Estão numa rota tão irracional que devemos nos perguntar: onde mesmo eles querem chegar. Guedes não tem superego, aquele censor interno que Freud nos revelou. Diz o que sente e pensa. Com esta de que o dólar alto é bom porque até as domésticas estavam indo para a Disney. Revelou o tamanho de seu preconceito contra os pobres, ecoando aquele incômodo de certa classe média que se julga elite, e da própria elite, na era Lula-Dilma, com os pobres que começaram a andar de avião, frequentar shoppings e mandar filhos para as faculdades particulares através do Prouni. Mas disso já se falou tanto. Importante é decifrar se o que os move é a inaptidão para seus papeis ou uma segunda intenção.
Estarão ambos sofrendo de uma vertigem do poder, que pode levar a tombos, ou querem chegar a algum outro lugar que não sabemos? Ou estamos mesmo, como disse Chico Buarque, sendo governados por loucos? A não ser que tenham outros objetivos, o que andam fazendo sabota a criação das condições econômicas e políticas para que o governo deslanche no seu segundo ano, fazendo cessar os ruídos políticos que atrapalham o andamento da agenda de reformas neoliberais, com as quais são comprometidos junto ao capital financeiro e o tal andar de cima.
Começando por Bolsonaro. Quando ele militariza completamente o Planalto, coração do governo (que não tem coração no sentido metafórico-afetivo, apenas punhos e língua ferina), quando coloca o general Braga Neto na Casa Civil, está explicitando seu desinteresse pela melhor relação com o Congresso, que até aqui não foi exatamente um aliado, mas um companheiro de viagem nos trechos coincidentes da estrada. Reforma previdenciária, por exemplo. Braga Neto pode ajudá-lo na coordenação gerencial do governo mas não fará coordenação política, assim como general Ramos não faz. Ele atende parlamentares, que é outra coisa.
Circulei esta semana pelo Congresso, conversei com uns e com outros, e o que se pode perceber é que existe ali um compasso de espera. A semana demonstrou isso. O acordo firmado com Alcolumbre e Maia sobre os vetos ao orçamento foi um sinal. Se o governo não tivesse cedido, aceitando a execução impositiva das emendas parlamentares (só ganhou a exclusão do prazo de 90 dias), o Congresso teria passado a foice nos vetos de Bolsonaro.
As perspectivas para a agenda que interessa ao governo são assim. A reforma administrativa, se o governo não enviar mesmo sua proposta, ou não sai ou sai um arremedo. No entorno de Bolsonaro diz-se que o desastre provocado por Guedes foi tão grande, ao chamar os servidores de parasitas, que agora seria preciso esperar uns três meses para evitar seus efeitos sobre a tramitação. Mas aí os deputados já estarão envolvidos até o pescoço com eleições e não vão querer posar de algozes de funcionários, que afinal são eleitores. Guedes acha que Bolsonaro o está sabotando para ficar bem com os servidores.
No pacotaço fiscal de Guedes, diz a presidente da CCJ, senadora Simonte Tebet - que não é nenhuma oposicionista progressista - o governo pode ter no máximo “meia vitória”. Nada de extinção de municípios, nada de redução de jornada e salários de funcionários, e não haverá extinção no atacado dos fundos não-constitucionais, para que o governo use seus milhões no pagamento da dívida pública, para citar poucas das medidas propostas.
A reforma tributária pode sair mas como o Congresso quiser, sem deixar de negociar com os governadores. Afinal, congressistas vivem e fazem política é nos estados. O governo, ora Guedes, ora Bolsonaro, vem confrontando os governadores, esgarçando perigosamente as relações federativas. Depois de tentar empurrar-lhes o ônus pelo custo da gasolina, Bolsonaro excluiu os governadores da Amazônia do Conselho criado para cuidar da região e de sua floresta. Sem falar nas piadas grosseiras contra nordestinos, “todos paraíbas”.
E assim, vai surgindo um cheiro de queimado no ar. O que não sabemos é se o tal mercado o está sentindo. Certamente, pois o dólar sobe não apenas por conta de coronavirus e outros fatores externos. Há também uma fuga de investidores mais cautelosos, que com os juros aqui a 4,25%, vão se refugiar em países mais seguros, ainda que com juros também baixos.
Mas onde Bolsonaro e Guedes esperam chegar com os desatinos? Se não há cálculo, há riscos para eles mesmos. Riscos junto ao Congresso, que significarão riscos junto ao aliado mercado.
Um desarranjo geral, entretanto, também pode interessar a quem flerta com o autoritarismo e com o AI-5. Não houve manifestações e protestos à la Chile, que justificassem recrudescimento autoritário, como eles temeram. Mas a desinteria econômica e política também pode ser pretexto. Para ceder à tentação autoritária, poderiam culpar o Congresso, os políticos, o tal sistema contra o qual, apesar de fazer parte dele, Bolsonaro disse ter sido eleito.
Os militares não estão interessados em segurar nenhuma batata quente. Nunca desejaram a saída de Bolsonaro porque não querem o general Mourão virando presidente. Ainda nem se livraram da maldição da ditadura. Mas com a militarização palaciana, querendo ou não eles agora são mais sócios do governo e de seu destino, seja qual for.
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