Bolsonaro está em busca de uma cruz
"Jair Bolsonaro deseja, se ficar de fora da eleição, ser transformado em mártir. Ele precisa se reafirmar como vítima do sistema, por achar que assim poderá espernear e sobreviver", analisa o jornalista Moisés Mendes
Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia
A turba esperava que Bolsonaro anunciasse, em Brasília e na Paulista, os próximos passos em direção ao poder absoluto. E o que o sujeito ofereceu ao seu povo foi de novo o medo de ser preso.
Preocupam-se os democratas com o discurso com um tom um pouco acima do usual. Mas saem frustrados os que foram às ruas certos de que o Dia da Independência seria o começo de alguma coisa maior.
Não houve quase nada além do previsto, mas o discurso requentado das ameaças e das agressões. Tudo o que Bolsonaro gritou em Brasília e na Paulista já havia sido dito antes.
As advertências aos ministros do Supremo, a apresentação das três hipóteses (ser preso, morrer ou ser vitorioso), a insinuação do golpe como coisa que deve ser decidida logo e a conversa chata do voto impresso.
A novidade, porque explicitou o que vinha sendo sugerido, foi o anúncio de que não cumprirá mais “qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes”.
Mas há um detalhe. Bolsonaro disse que “esse presidente” não cumprirá as decisões. E os filhos, envolvidos em dois inquéritos, das fake news e dos atos pró-golpe, poderão cumprir? Moraes preside os dois casos.
É possível que Bolsonaro tenha insinuado que os filhos também estão protegidos pela sua decisão de afrontar as decisões do ministro do Supremo? E se um dos garotos receber ordem de prisão?
Bolsonaro requentou, com amplificação, o que já diz nas falas do cercadinho do Alvorada e nas lives de quinta-feira.
Ficou a sensação de que não soube aproveitar a chance de avançar. Ganhou dois palcos gigantescos, diante de plateias que nunca havia reunido, e apresentou mais do mesmo.
Bolsonaro não tem repertório para grandes públicos e não entregou o que estava prometendo. O bolsonarista incondicional, que fez longa viagem de ônibus para ver Bolsonaro, em Brasília ou São Paulo, não teve o que esperava.
O público não queria mais um aquecimento para o golpe. Esperava o sinal tão esperado da deflagração do golpe.
Bolsonaro acovardou-se e agora mergulha numa ressaca profunda, se não conseguir inventar a próxima etapa. Será preciso retomar o roteiro, se é que existe, depois do que aconteceu nessa terça.
Bolsonaro pode ter ficado à espera do imponderável, do fato surpreendente que acionasse o caos. Poderia ser uma briga gigante de militantes dos dois lados e, quem sabe, até uma morte. A invasão do Supremo?
O sujeito aguardava algo que paralisasse a política e as instituições, acionasse mecanismos de exceção e lhe assegurasse, mesmo que provisoriamente, o poder absoluto.
Vem agora a depressão pós-sete de setembro. Bolsonaro não quer a eleição. Ser humilhado por Lula é o pesadelo do genocida. Tudo o que Bolsonaro deseja é um evento qualquer que interrompa o processo até a eleição do ano que vem.
O ideal seria o golpe. Mas pode ser a cassação da chapa, que levaria seu inimigo Hamilton Mourão junto. E pode até ser o impeachment. Tudo, menos a eleição.
Essa é a armadilha para as esquerdas. Bolsonaro deseja, se ficar de fora da eleição, ser transformado em mártir. Ele precisa se reafirmar como vítima do sistema, por achar que assim poderá espernear e sobreviver.
Mas sabe que não sobreviverá a uma derrota avassaladora para Lula. Bolsonaro está, em desespero, em busca de uma cruz.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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