Bolsonaro precisa fazer o PowerPoint do golpe
"Qual seria o nível de engajamento da base civil num momento de ruptura e como isso se traduziria para a sustentação do golpe?", questiona Moisés Mendes
Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia
Bolsonaro retomou, mais por desespero do que por método, o blefe do golpe. A escolha de Braga Netto para vice e as festas para o 31 de março o inspiraram a fazer declarações em que os militares aparecem de novo como possíveis atores da política, se a extrema direita for derrotada na eleição.
Mas, por mais impulsivas e irracionais que sejam suas falas e atitudes, em algum momento alguém terá de chamá-lo para uma conversa sobre pelo menos cinco pontos. Bolsonaro terá de olhar possíveis cenários com alguma racionalidade.
Mesmo que seja incapaz de assimilar e compreender os resultados de uma avaliação de riscos, as seguintes questões, elementares para alunos da 5ª Série da política, deverão ser levadas em conta.
1 - Qual é sua influência real e sua capacidade de mobilização de setores que podem viabilizar um golpe impondo terror, medo e “ordem” já nos primeiros dias?
Que liderança Bolsonaro tem de fato entre comandos de cima e de níveis intermediários das três armas e entre policiais militares, mesmo que esses estejam sob as ordens dos governadores?
Bolsonaro tem mesmo milícias organizadas à espera do golpe?
2 - Que tamanho teria hoje sua base social, considerando-se que a maioria das estimativas calcula esse lastro em no máximo 20% da população?
Qual seria o nível de engajamento da base civil num momento de ruptura e como isso se traduziria em contribuição para a sustentação do golpe?
O contingente bolsonarista, considerado mais feroz do que o lastro civil de 64, está pronto para as sequelas de um golpe num país com famílias divididas desde 2016?
3 – Os militares estão mesmo incondicionalmente com Bolsonaro? Consagrou-se, muito antes do golpe de 64, que militares podem dormir governistas ou legalistas e acordar golpistas.
Mas nesse caso o raciocínio leva em conta eventuais golpes contra quem está no poder, como aconteceu em 64.
Bolsonaro daria um golpe como perdedor, porque como eventual vencedor apenas aprofundaria o golpe cotidiano que vem sendo dado desde o início do governo.
Os militares cometeriam gestos de radicalidade para ficar ao lado de um sujeito que nunca liderou nada na vida e que só se impõe no governo pelo próprio suporte militar e pelos negócios com o centrão, e não pela capacidade de liderar? E os militares legalistas que se negariam a entrar na aventura?
4 - Qual seria a capacidade de enfrentamento de um golpe por parte das instituições – Congresso, Supremo, TSE e outros pilares da democracia?
O Supremo, hoje acossado até por milicianos e robôs do mundo digital, teria força institucional que o Congresso não tem há muito tempo, no caso de um golpe? Em 64, o STF foi logo amordaçado.
Como o STF poderia expressar sua força hoje, se nunca foi contestada com vigor a tese segundo a qual um jipe com um cabo e um soldado (ou os soldados sem jipe mesmo) seria suficiente para fechar suas portas?
5 - Que poder de organização e reação teria a sociedade civil, ao lado dos vitoriosos na eleição e com as trincheiras das instituições da democracia – partidos, universidades e sindicatos (mesmo que fragilizados), OAB, entidades de defesa das liberdades, associações?
Um país resignado, que em seis anos desde o golpe de 2016 se mostrou incapaz de reagir ao avanço do fascismo, que vê jovens e estudantes sem força, teria como reagir só com seus veteranos de outras guerras a um golpe? E a imprensa sempre golpista, como se iria se comportar?
Golpes, guerras, tapas na cara e jogos de futebol têm desdobramentos imprevisíveis. Mas Bolsonaro terá de lidar com alguma previsibilidade, se quiser seguir em frente.
E deve pensar que todos esses cenários, com ou sem PowerPoint, contariam com um protagonista chamado Luiz Inácio Lula da Silva.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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