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    João Antonio

    João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito e atualmente preside o Tribunal de Contas do município de São Paulo

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    Borba Gato, genocídio e narrativas históricas

    "A estátua do Borba Gato pegando fogo foi um acontecimento simbólico importante para a sociedade brasileira, em ritmo acentuado de polarização política nos últimos anos", escreve o presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, João Antonio da Silva Filho

    (Foto: Reprodução)

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    *Publicado originalmente na Folha de S. Paulo

    Falar da estátua de um bandeirante paulista em chamas numa das avenidas de São Paulo pode representar nada ou pode dizer muito. Esse cuidado no olhar é o que diferencia as interpretações que se tenta dar ao fato que, nos últimos dias, foram impulsionadas discussões sobre a história da exploração de riquezas e as narrativas acerca do genocídio de povos originários e escravizados nos tempos de Brasil colônia.

    O fogo aos pés da representação simbólica do "desbravador" Borba Gato reacendeu seu passado, como não poderia deixar de ser: um ambicioso desmedido, que viu no ouro e nas pedras preciosas seu futuro e sua razão de viver, ao custo do sangue de grupos que atravessaram seu caminho e o de tantos outros ditos “exploradores dos sertões” —responsáveis por alargar as fronteiras coloniais e garantir a supremacia portuguesa sobre uma vasta região “inexplorada” do Brasil de então.

    Como todas as figuras históricas marcadas pela ambição, o bandeirante se viu num jogo de poder que lhe custou uma parte, ainda que pequena, do que comporia seu cabedal: segundo relatos históricos, Borba Gato, acusado de homicídio, viu-se compelido a passar 17 anos foragido.

    O processo se encerrou com a descoberta de veios de ouro por uma de suas bandeiras na região de Sabará, nas Minas Gerais. Para se livrar da perseguição que sofria e do processo, ele teria “entregado o ouro” pelo fim da condenação, numa das clássicas trapaças jurídicas da Coroa, que o transformou em autoridade judicial na região mineira até vir a falecer, aos 69 anos.

    O que hoje se chama vulgarmente de "capivara" de um criminoso é o que compõe a extensa ficha criminal de Borba Gato e dos seus companheiros de empreitada sertões adentro: perseguições, assassinatos, violências sexuais, escravização, aprisionamento de índios e execuções a sangue frio.

    Compreender a história requer a sua contextualização que, independentemente de ideologias e posturas pessoais, deve ser levada ao público. Nesse ponto, a estátua passa a ser menos relevante do que muitos supõem na construção da narrativa acerca deste e de tantos outros personagens.

    Símbolos retratam fatos históricos, e estes não podem ser escondidos. Devem ser desnudados no seu todo. Era como se alguém resolvesse impor o fim das estátuas ou representações de Lênin, de Mao ou de Lincoln, por exemplo, sob o pretexto de “combater” o que representaram. 

    Ao esconder esses símbolos, certamente se prestaria um desserviço à interpretação completa da história e ao público. O que caberia, talvez no campo da racionalidade, seria produzir “ressignificações” dessas figuras —no caso brasileiro, dos bandeirantes e de outras figuras.

    Sabe-se que o Paraguai tem um exemplo de releitura histórica feita com a estátua de Alfredo Stroessner, um dos ditadores mais longevos e sanguinários daquele país: ele acabou sendo “esmagado” pela estrutura de granito na reconstrução simbólica de monumento outrora em sua homenagem.

    Não se deve negar, todavia, que a estátua do Borba Gato pegando fogo foi um acontecimento simbólico importante para a sociedade brasileira, em ritmo acentuado de polarização política nos últimos anos.

    Expor ao público o papel do bandeirante fez toda a diferença, mas aqui cabe uma pergunta: o simples ato de se retirar a estátua dele apagaria sua participação no tempo ao qual pertenceu?

    No meu entendimento, a história precisa ser contada como ela foi, e não como se quer, sem o endeusamento de figuras de passado nefasto. E, no caso, não se trata de um herói, e sim de um opressor que precisa ser marcado como tal, seja publicamente, seja nos livros, nos museus ou nas ruas.

    A despeito disso, a sociedade não pode viver refém de construções sem fim de narrativas, pois é preciso construir o novo —e este certamente não está preso a um mero jogo de representações, mas aos fatos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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