Café com leite
Na democracia direta, de participação, mesmo o café com leite pode deixar de sê-lo e passar a sujeito de sua cidadania
Em 1930, Getúlio Vargas rompe com a política do Café com Leite, da combinação das oligarquias paulista e mineira para sucessão presidencial. Até hoje a expressão café com leite é de quem entra inocente num jogo, de favor, veste a camisa mas não joga, é isolado sutilmente pelo grupo, “deixa, ele é café com leite!”.
Com Getúlio no poder houve maior participação popular e direitos, inclusive os trabalhistas, veio o voto feminino e secreto, mas não se conseguiu o voto do analfabeto, que somente se deu em 1985, com a Constituição atual.
Bertold Brecht desce à cena cotidiana do nazismo alemão, afirma que o pior analfabeto de sua época é o analfabeto político, o qual se orgulha e estufa o peito dizendo “detesto política”. Entretanto, na linha de Brecht, dessa sua ignorância política é que nascem a prostituição de menores e o menor vulnerável e, o pior de todos, dessa alienação surge o político corrupto e o puxa-saco de oportunistas e devassadores dos bens públicos. Pois, o preço da sola do sapato, do aluguel, do feijão, do peixe, da farinha, do remédio e o alto custo de vida do pobre dependem das decisões políticas.
O café com leite é uma versão do analfabetismo político, que não se mistura e teme risco de misturar leite com manga, nem mancha o colarinho branco com chocolate. O eleitor café com leite não vota em partido, mas “na pessoa”. Essa “pessoa” faz parte de algum partido ou legenda, mas esse eleitor não se preocupa nem sabe qual seu histórico. Na democracia de representação, usam-se os chavões, as gírias de campanha com seus superlativos, frases de efeitos e muita semiótica.
As eleições e governantes passam, a cidade e o café com leite fica com suas enchentes, bueiros entupidos, canos estourados nas calçadas, escolas sem verbas, postos de saúde sem médicos, esparadrapos e remédios, coleta de recicláveis mal feita, falta de transporte em áreas distantes ou rush na área concentrada, pavimento de avenidas craquelando, má preservação ambiental, contas de água exorbitantes e sem canal para reclamar, mananciais contaminados, esgoto a céu aberto, proliferação de dengue e afins, belezas e tristezas de onde vive o povo com suas flores baldias.
Os políticos eleitos estarão sob fogo cruzado de quem bancou os altos custos de sua eleição. Os bancos, as empresas de todos os setores, as entidades, fazem sua política para não pagar impostos mas obter financiamentos baratos, igrejas têm a imunidade tributária, não pagam impostos e, essa gente toda ainda critica a concessão de auxílios sociais aos pobres... o povo não tem lobby!
Políticos passam, mas a política pode ser uma paixão amorosa e sentido da vida nos espaços e lugar de fala, através do Orçamento Participativo, Conselhos Municipais, Conferências Municipais e outros meios. Na democracia direta, de participação, mesmo o café com leite pode deixar de sê-lo e passar a sujeito de sua cidadania.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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