Campeão da América
O testemunho de um veterano botafoguense diante do título libertador
Este domingo foi de compromisso sério. Acordei, vesti minha camisa do Botafogo, aquela das listras verticais com a estrela no coração, e saí a flanar pela Vila Buarque, em busca de pão fresco e café quente. Ainda nos primeiros passos, ouvi.
- Dá-lhe campeão!
- É o Rei da América.
- Foi com um a menos, tem que respeitar!
E a recordar o hino, quase na porta da padaria, o homem de cabelos brancos cantou com voz melodiosa e olhos fixos na estrela.
- Botafogo, Botafogo campeão desde 1910...
Não imaginava que apenas por estar com a camisa do meu Glorioso, seria tratado como um campeão. Cá entre nós, já separei as outras da coleção para novas caminhadas nessa semana.
Supersticioso como 99 por cento dos botafoguenses, evitei sair com a camisa do time nesta época de decisões. Assisti aos jogos recolhido em casa e sem a camisa da estrela solitária. Sofri quieto e vibrei sozinho entre quatro paredes.
No sábado, dia da decisão, recusei o convite de dois amigos amados para vermos o jogo juntos. A frase já virou clichê, mas soou como alerta: “Não se mexe em time que está ganhando. “ E o Botafogo vinha numa campanha impecável. Então, me desculpei, e mantive a tática. A solidão foi minha única parceira no tira teima com o Galo Mineiro.
Antes de um minuto de jogo, um de nossos melhores, Gregore, foi expulso. Nenhum time suporta isso, como jogar uma decisão inteira com um a menos? Tão surpreendente quanto a expulsão foi a reação dos jogadores. Em vez de bronca, Gregore ganhou abraços, foi confortado e ouviu uma promessa repetida várias vezes.
- Nós vamos correr por você.
- Nós vamos ganhar e dedicar o título a você.
- Fica calmo! Se cada um der 10% a mais a gente cobre a sua ausência.
Não, não era um time interessado apenas no prêmio ou na fama, era um grupo unido e solidário ao amigo que errou tentando acertar. O jovem Gregore sabia que se o Botafogo perdesse era o fim pra ele. O que ele não imaginava é que a expulsão era apenas o início.
Começava ali a mais inebriante vitória que este calejado botafoguense assistiu.
Um a menos significou muitos a mais. O Botafogo com 10 jogou como nunca e ganhou o título por 3x1. O título de Gregore. O título inédito de melhor da América do Sul.
Quantas vezes nós não fomos um pouco Gregore, ou porque nos precipitamos, erramos a dose e prejudicamos o grupo? No trabalho, num passeio, às vezes num relacionamento. A culpa que vem depois é imensa, até que alguém estende a mão e dá-se um jeito.
É assim no jogo da vida, foi assim no jogo da bola.
Se ganhamos e perdemos juntos, vale a pena jogar.
Nenhum esporte me encanta mais que o futebol. Já troquei de quase tudo na vida, de time sequer pensei.
Quando eu tinha 5 anos minha avó Lili me contou uma história. Entre 1910 e 1920, Lili morava numa vila, vizinha ao estádio do Botafogo, ao pé do morro do Pasmado. Quando o time jogava, a multidão entrava na vila, subia a pequena montanha e lá de cima torcia pelo time do coração sem passar pelas bilheterias do estádio de General Severiano..
Os moradores da vila se assustavam. As crianças eram levadas pra dentro de casa, as galinhas recolhidas, portas e janelas trancadas. Lili gostava da arruaça e passou a torcer pelo Botafogo. Quando ouvi essa aventura de infância de minha avó, o Botafogo era um dos melhores do Brasil.
Durou pouco. Nos anos 1970, o Flamengo tinha Zico; o Fluminense, Rivelino; o Vasco, Roberto Dinamite. Ficamos 21 anos sem títulos.
Padeci com milhares de companheiros de arquibancada e nunca vi meu time campeão no Maracanã. Jamais. Aliás, em nenhum estádio. O jejum só terminou quando eu já tinha mudado para São Paulo.
“Há coisas que só acontecem ao Botafogo”, repetem pelas esquinas e becos torcedores amargurados.
Retruco daqui, com minhas décadas de experiência : “Há coisas maravilhosas que só acontecem ao Botafogo”. Que outro time pode escalar 11 estrelas dessas na arquibancada? Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Clarice Lispector, João Saldanha, Paulo Mendes Campos. Também Bete Carvalho, Zeca Pagodinho, Marina Lima, Anitta, Regina Casé, Agnaldo Timóteo.
Que outro time tem um técnico como Arthur Jorge?
E nossos fantásticos camisas 7? Garrincha, o bailarino de pernas mágicas. Jairzinho, o furacão do Tri. Maurício, que acabou com o jejum de 21 anos. Túlio Maravilha, artilheiro e campeão em 1995, e agora Luiz Henrique. Todos com a camisa 7.
São as coisas do Botafogo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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