Carta aberta ao meu sobrinho e aos trabalhadores
A partir de nossa conversa áspera e sem chances ao razoável, me deparei com trabalhadores de todos os ramos na defesa da eleição do miliciano. Assustador
Amado sobrinho DBR
Lembro-me, como se fosse hoje, daquele dia em 2017 quando nos falamos sobre a foto de Jair Bolsonaro no perfil em teu celular.
Ora, meu sobrinho querido, conheço-te, a teu irmão e à tua irmã desde antes de vocês nascerem. Alíás, vocês foram os sobrinhos com quem mais convivi.
Sei bem de perto das raízes de classe trabalhadora que os fazem especiais. Como família de caminhoneiros teu pai e tua mãe, minha irmã, viajaram por todo o nosso continente transportando riquezas. Numa certa vez viajei num enorme caminhão com teu pai, de Uruguaiana à Santa Maria. Ele me concedeu a direção daquele verdadeiro trem que se alongava para trás da cabine, que eu via pelo retrovisor na janela que me acolheu como motorista por quilômetros.
Sei de tua paixão herdada de teu pai para conduzir estas poderosas máquinas de transportar tratores, patrolas, ônibus, gêneros, óleo diesel, gasolina, querosene, etanol etc.
O transporte rodoviário de cargas é imprescindível em nosso país. Mas ele não aconteceria sem os trabalhadores e as trabalhadoras caminhoneiro@s, como é teu caso.
Porém, é preciso que nos lembremos sempre de que os caminhoneiros foram usados na América Latina como buchas de canhão para golpes terríveis contra seus país. Assim aconteceu no Chile quando os Estados Unidos manipularam os caminhoneiros e, com isso, levaram a população do desespero ao sangrento golpe militar que culminou na ditadura nazista de Augusto Pinochet. Assim aconteceu no Brasil com a manobra dos caminhoneiros contra o país, chegando ao golpe que derrubou a Presidenta Dila Rousseff e, depois, com a eleição do capiroto Jair Bolsonaro, que também se apropriou dos caminhoneiros como cabos eleitorais , aportando na desgraça deste governo.
Mas foi dentro de uma cabine de caminhão sofreste acidente terrível. Mesmo à distância acompanhei via celular teu calvário em um hospital em Curitiba, passando por longos dias em coma e, depois, de recuperação dolorosa e dura das imensas fraturas que um acidente, que quase te matou, deu-te como sacrifício a um trabalhador jovem.
És um trabalhador, és um operário, meu querido sobrinho. Desta honra nunca te afastaste. O teu destino foi traçado antes de ti, o de seguires o teu pai e a tua mãe como membro da classe trabalhadora.
Isto é motivo de orgulho para mim. Sou tio de operários. Porém, precisamos conversar sobre essa nobre condição.
Creio que abordar o tema equívoco das eleições não o farei somente contigo, meu sobrinho D, mas com milhões de outros trabalhadores.
Em 2017 quando te abordei sobre a foto do capiroto Jair Bolsonaro em teu perfil do celular eu já objetivava tratar da pauta desta carta contigo. Porém, tua resposta enfática e eivada de autoritarismo me travou. A trava me barrou e impossibilitou de uma conversa afetiva e respeitosa.
Naquele dia me assustei e senti o chão mover-se sob meus pés. Disseste-me: “tio, política e religião cada um tem a sua e não se discute”.
Conseguiste postar política e religião na prisão da inanição do debate, da análise, da reflexão e, desgraçadamente a favor da visão burguesa, amarrada ao individualismo cego, surdo e de consciência de classe sequestrada.
Pela raiva com que rapidamente me falaste percebi o que os fatos posteriores confirmaram, sem que, na verdade, fossem a teu favor e do Brasil: a redução de política e religião à questão de opinião e de propriedade privada, negando a essência de ambas.
A partir de nossa conversa áspera e sem chances ao razoável, me deparei com porteiros, balconistas nas farmácias, caixas de supermercados, porteiros do prédio onde moro, trabalhadores de todos os ramos etc na defesa da eleição do miliciano como presidente. Assustador. Todos agressivos e intolerantes!
O que ocorreu com a política é que esse maravilhoso fenômeno foi roubado, humilhado e reduzido a maldades contra nossa classe trabalhadora, contra ti, por tanto. O que o milicianismo proto fascista sob o capetão Bolsonaro fez foi, primeiro, despolitizar a classe trabalhadora, puxando-a ao campo do fanatismo, das crendices de que os bens da vida seriam doados pelo “messias” e que política deveria ser exercida por uma minoria de ladrões, golpistas e corruptos sob o estima de “orçamento secreto”. Segundo, a tal religião que “cada um tem a sua” é afirmação fake news, porque religião é exatamente o contrário de individualismo, de assassinato do sentido coletivo da experiência do fenômeno religioso. Na verdade esse de “cada um tem a sua”, referindo-se à religião, é afirmação inconsciente que remete à propriedade das consciências de fé das pessoas, principalmente dos trabalhadores.
Por essa privatização da religião o que se vê são empresários da fé alheia, cada vez mais ricos, apoiadores da exploração dos trabalhadores, da anemia de sua consciência de classe e do conflito entre capital e trabalho. Pastores e padres que defendem o capital fazem das igrejas e religiões rebanhos sem fé, sem razão e sem revolta, verdadeiros cordeiros encaminhados ao matadouro da barbárie neoliberal e fascista, como a que ocorreu contigo naquela estrada do Paraná. A marca desses poderosos chefões é a do charlatanismo.
Escolher Bolsonaro é trair tua sagrada origem e condição de classe, pois o compromisso desse candidato é com a classe dominante, a mesma parasita que vive à custa da exploração do trabalho alheio, como o teu.
Pior, Bolsonaro mostrou o terror quando minimizou a pandemia e os seus efeitos letais sobre a maioria de nosso povo. Os deboches dele são a expressão da barbaridade da exploração da classe que ele representa e das políticas econômicas que aplica no favorecimento de mais roubo dos direitos dos trabalhadores.
Senti muita dor por tua opção pela candidatura do capiroto naquelas eleições. Espero, sinceramente, que nestas consigas ser fiel à tua essência como classe trabalhadora. Trabalhadores votarem em Bolsonaro é tão esdrúxulo quanto a contradição de pessoas que escapam da morte e de destruições causadas por terroristas sanguinários pedirem que os mesmos continuem nas práticas mais violentas das mesmas atrocidades contra suas vítimas. Trabalho e trabalhadores não guardam a mínima relação com o que Paulo Guedes e Jair Bolsonaro fazem contra quem produz.
Não existem politica e religião particulares, meu amado sobrinho. Política é da essência humana e privilégio da classe trabalhadora. E isso nada tem a ver com a corrente ideológica do terror encabeçado por Jair Bolsonaro. A religiosidade é experiência rica com a vida coletiva. Como sei que abraças o caminho do Evangelho é evidente que o projeto que te anima é o de Jesus de Nazare, totalmente comprometido com os trabalhadores e pobres da época dele. A “religião” de Michele e Bolsonaro é a dos negócios, das rachadinhas, dos pastores, pastoras e bispos ricos, que torcem por mais miséria e doenças em cima das quais vendem charlatanismos, mentiras, mas que lhes servem como fontes de riquezas e associação com os crimes neoliberais.
Espero que tua decisão neste segundo turno, juntamente com milhões de trabalhadores e de trabalhadoras, seja pela abertura de caminhos politizantes e coletivas representada por Luiz Inácio Lula da Silva.
Será por Lula ou nos rebentaremos em mais barbárie, sem nos esquecermos de tudo o que já nos acontece, que não é pouco.
Com muito carinho e respeito, abraços proféticos e revolucionários,
Dom Orvandil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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