Chegou a censura
O jornalista Marcelo Auler afirma que o objetivo dos delegados é constranger os jornalistas que denunciam os excessos verificados na Operação Lava Jato. Outro delegado, o Doutor Igor Romário de Paula, também ingressou com uma ação contra o jornalista Luís Nassif, editor do Jornal GGN
“a palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto”. (Rui Barbosa)
Chegou a censura prévia à imprensa e ela vem do mesmo lugar em que se reinstituiu uma espécie de Tribunal da Santa Inquisição.
Explicando: a Constituição de 1988 prevê em seu artigo 5º que
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...):”
e o inciso IX comanda que
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
A advogada Aline Martins Rospa lembra, num belo artigo, que a liberdade de expressão é direito de suprema importância para que a sociedade possa conhecer e se defender de possíveis arbitrariedades cometidas pelo poder público, sendo ela condição primordial para que o Estado seja caracterizado como sendo democrático.
Os direitos fundamentais possuem íntima vinculação com as noções de Estado de Direito e Constituição, uma vez que juntamente com a definição da forma de Estado, sistema de governo e organização do poder, integram a essência do Estado Constitucional. Por esta razão, estes direitos exercem papel mais amplo que a simples limitação do poder estatal, tornando-se critério de legitimação da ordem constitucional.
Nessa linha a liberdade de imprensa garante um ambiente no qual, sem censura ou medo, a liberdade de expressão, a multiplicidade de opiniões e ideologias possam ser manifestadas e contrapostas, ensejando um processo dialético de formação do pensamento livre.
Por isso não caberia na nossa democracia qualquer forma de censura.
Entretanto, decisões proferidas respectivamente em 30 de março e 05 de maio desse ano os Juízes do 8º e o 12º Juizados Especiais Cíveis de Curitiba - atendendo pedido dos delegados federais Erika Mialik Marena e Mauricio Moscardi Grillo, do Departamento de Polícia Federal no Paraná - determinaram a suspensão de dez reportagens publicadas no blog do jornalista Marcelo Auler, reportagens cujo conteúdo seria ofensivo aos autores da ação.
Ora, essa ordem judicial induvidosamente caracteriza censura. Mas o abuso não parou por ai.
A juíza do 8º Juizado Especial, Vanessa Bassani, foi além e proibiu o jornalista de “divulgar novas matérias em seu blog com o conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante”, verdadeira censura prévia.
A determinação judicial incorre em cerceamento nítido da liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal. De maneira clara e acintosa o blog do jornalista está sendo alvo de censura, inclusive na odiosa modalidade de censura prévia, quando juízes proíbem a publicação de novas matérias, vulnerando a liberdade de imprensa.
O jornalista Marcelo Auler afirma que o objetivo dos delegados é constranger os jornalistas que denunciam os excessos verificados na Operação Lava Jato. Outro delegado, o Doutor Igor Romário de Paula, também ingressou com uma ação contra o jornalista Luís Nassif, editor do Jornal GGN.
As três ações foram ajuizadas pelos três delegados representados pela advogada Márcia Eveline Mialik Marena, irmã da delegada Érika Mialik Marena e buscam também indenizações pecuniárias.
Onde vamos parar?
Juristas sérios concordam que no plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo fossem tão relativizadas.
O Juiz Sérgio Moro relativiza a presunção de inocência e o direito de defesa e, além disso tudo, não se observaria a garantia da imparcialidade da jurisdição e o princípio do juiz natural foi ignorado. Grandes criminalistas afirmam que há ainda o desvirtuamento do uso da prisão provisória, vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com conseqüências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira e agora chegou a censura prévia à imprensa.
Esses abusos têm de ser denunciados e banidos do nosso tempo, pois se nada fizermos chegará o dia que nada poderá ser feito.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Pedro Benedito Maciel Neto, 52, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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