Cheiro de armação: Delator tentou envolver Gilmar Mendes com hacker de Araraquara
Na época em que Moro era ministro da Justiça, PF colheu depoimento em que jovem diz que ministro do STF, crítico da Lava Jato, prometeu dinheiro a Delgatti
Um trecho do vídeo da delação de um dos denunciados como hacker na Operação Spoofing reapareceu e pode complicar a vida de policiais federais, procuradores da república e do juiz que a homologou, Vallisney de Souza Oliveira, da 10a. Vara Federal em Brasília.
É que o trecho cita o ministro Gilmar Mendes, do STF, como a pessoa que teria estimulado Walter Delgatti Neto a divulgar as mensagens acessadas no Telegram de Deltan Dallagnol, em troca de dinheiro.
Esse conjunto de mensagens acessadas por Delgatti, que ficou conhecido como Vaza Jato, mostra que a operação do Ministério Público Federal em Curitiba foi criminosa, destinada a perseguir alvos políticos, principalmente Lula.
O líder da operação era o então juiz Sergio Moro, como ele próprio já admitiu em entrevista.
Na prática, segundo a delação, Gilmar Mendes teria incentivado Walter Delgatti a cometer um crime. Mas esse trecho não tinha sido juntado ao processo em que seis jovens são acusados de crimes digitais e organização criminosa.
A 10a. Vara Federal alegava que o trecho da mídia com o depoimento estava tecnicamente corrompido, e não mencionava o seu conteúdo. Mas ele reapareceu em consequência de um habeas corpus impetrado em favor de Thiago Eliezer Martins Santos, um dos jovens processados.
Thiago, apontado como a pessoa com mais conhecimentos técnicos do grupo, queria acesso à delação e a possibilidade de voltar a usar a internet, para estudar.
O Tribunal Regional Federal da 1a. Região negou o pedido quanto ao uso da internet, mas oficiou o juiz para saber por que a íntegra da delação não tinha sido colocada à disposição dos acusados.
Em resposta, o juiz disse que tinha dado acesso, e disponibilizou o vídeo, desta vez com a versão íntegra do trecho que a 10a. Vara tinha dito estar corrompido. Advogados baixaram o vídeo.
Nele o delator, Luiz Henrique Molição, é inquirido pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, em novembro de 2019. “Walter queria ganhar dinheiro”, diz o delator. O delegado pergunta: “Mas como ele queria ganhar dinheiro?”
Molição se vira para o advogado e afirma. “Doutor, eu vou falar”. O advogado concorda e Molição declara:
“Ele estava falando com o Gilmar Mendes, e o Gilmar estava vindo de Portugal. Aí o Walter disse assim: ‘Vou mandar esses documentos ao Gilmar’. Gilmar: 'Foi muito bom que você mandou, mas faça o seu dinheiro. Depois eu vejo os doadores'. Isso o Walter falando com o Gilmar.”
No vídeo, Zampronha pergunta se tem algum registro no celular sobre essa conversa. “Tem no celular eles falando sobre isso."
O advogado pergunta ao cliente: “Você sabe de qual telefone o Walter falou com o Gilmar?”
Molição responde: “Foi pelo Telegram.” E acrescenta: "O Walter falou que o Gilmar bloqueou ele, mas ele achou outro número do Gilmar”.
Zampronha comenta. “Isso que o Walter falou, né? Você chegou a ver alguma mensagem?” Molição responde que sim.
Mas, mesmo com a apreensão de celulares e de notebooks de Delgatti, a perícia da Polícia Federal nunca encontrou nenhuma referência a essas conversas.
Assim mesmo, o juiz homologou a delação de Molição, que permitiu ao Ministério Público Federal, omitindo a citação sobre Gilmar Mendes, enquadrar Delgatti por organização criminosa.
Um funcionário da secretaria da 10a. Vara Federal atestou que o trecho em que Gilmar é citado não foi juntado ao processo por estar supostamente corrompido.
Reapareceu agora, quando o juiz atendeu a um ofício do Tribunal Regional Federal da 1a. Região sobre o habeas corpus do acusado Thiago.
O problema para as policiais federais que fizeram o acordo de delação premiada é que ele deveria ter sido remetido para o Supremo Tribunal Federal, por citar um ministro da corte, com prerrogativa de foro.
O juiz também deveria ter tomado a mesma providência, na hipótese de que tenha visto o vídeo na íntegra ou sido informado.
O servidor que certificou que uma parte da mídia estava corrompida terá de responder por que fez isso.
Os policiais federais não podem alegar que não sabiam da citação sobre Gilmar Mendes, já que a ouviram de Molição, independentemente do registro eletrônico.
Uma hipótese bastante plausível é que Gilmar Mendes tenha sido alvo de uma armação.
Na época, ele já era bastante crítico da Lava Jato e envolvê-lo na trama poderia gerar escândalo e arranhar a sua imagem.
Mas, ao verificar que a acusação era furada, as autoridades envolvidas na investigação podem ter preferido manter a delação com omissões a jogá-lo no lixo.
O descarte da delação de Molição inviabilizaria a denúncia por organização criminosa, coerente com a narrativa de Moro e demais lavajatistas de que havia poderosos por trás de Delgatti.
“Fiz tudo sozinho, e não me arrependo”, disse o hacker, em entrevista à TV 247, em março do ano passado.
É bom lembrar que Sergio Moro era na época ministro da Justiça. A Polícia Federal estava subordinada ao ex-juiz, que ainda tinha prestígio.
Moro sempre disse que a subordinação da Polícia Federal era administrativa, mas os cargos mais importantes da corporação policial eram ocupados por delegados que tinham trabalhado em ações conduzidas por ele em Curitiba.
Moro também tinha acesso a juízes, desembargadores e ministros das cortes superiores.
O sistema de justiça precisa investigar mais esse escândalo que indiretamente envolve Moro, e o processo que envolve Delgatti necessita ser anulado.
A exemplo da Lava Jato, a ação exala o mau cheiro de armação, típico de processos que já tiveram Sergio Moro à frente, como mostrou a Vaza Jato.
Procurado, Delgatti informou, por meio de um advogado: “A delação do Molição é fraude pura, cheia de mentiras.”
Molição era colega de Delgatti na faculdade de Direito e nunca foi hacker.
Sua participação no caso se limitou a enviar mensagem para o jornalista Glenn Greenwald, a quem Delgatti havia entregue as mensagens, sem receber nada em troca.
Delgatti confessou que acessou as mensagens de Dallagnol, mas garantiu que fez tudo sozinho, e não há nenhuma prova de que tenha tido a cumplicidade de alguém.
Ainda assim, a 10a. Vara Federal de Brasília o processa por organização criminosa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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