Cidades (in)seguras
Não há como tratar de segurança na Região Metropolitana de São Paulo sem considerar seu processo de urbanização e metropolização
Por Clóvis Girardi, Gustavo Matheus de Morais e João Henrique Muniz - O tema da Segurança Pública tomou conta dos noticiários, das reuniões familiares e, principalmente, das escolas nas últimas semanas devido aos terríveis acontecimentos violentos em ambientes que deveriam ser acolhedores e emancipadores. As discussões sobre o que fazer para tornar ambientes públicos mais seguros quase sempre seguem três aspectos: ampliação do policiamento, implantação de câmeras de videomonitoramento e diminuição dos espaços de uso compartilhado. É verdade que são condições importantes, mas esta abordagem exclui uma série de possibilidades e medidas que contribuem para diminuição da insegurança.
Não há como tratar de segurança na Região Metropolitana de São Paulo sem considerar seu processo de urbanização e metropolização, marcadamente ‘carrocentrista’, desordenado e profundas desigualdades espaciais, sociais, econômicas, raciais e de gênero. A combinação de um modelo de desenvolvimento urbano que privilegia o automóvel como meio de transporte nas infraestruturas viárias com territórios segregados e desiguais tem como uma das consequências a insegurança.
Na impossibilidade de voltar no tempo e fazer escolhas melhores, as políticas de Segurança promovidas por municípios e também pelo estado trabalham pouco no sentido de transformações estruturais e mais na visibilidade momentânea de uma resposta rápida à sociedade. Em um momento de crise, como no caso das escolas, por exemplo, é mais fácil pensar em efetivo policial nas escolas do que em um trabalho mais complexo e matricial de educação e saúde pública, desenvolvimento urbano, habitação e igualdade social e econômica.
Outra medida de segurança que vem se popularizando entre gestores - sobretudo municipais - é o videomonitoramento. Centros de operação, dezenas, centenas de pontos de imagem e a busca incessante por perceber delitos no momento em que acontecem ou na resolução de ocorrências. Tem se popularizado também a política de ‘Muralha de segurança inteligente’, como no caso de Santo André, com softwares voltados especificamente aos automóveis com o intuito de encontrar os roubados e os que têm algum tipo de pendência de tributos - e não de encontrar pessoas que precisem de algum tipo de atendimento.
Evidentemente as medidas são importantes. Tanto o videomonitoramento quanto o efetivo das guardas municipais e das polícias em grande medida inibe a ação violenta, mas pouco contribuem para a transformação social estrutural. A violência segue presente, a insegurança também.
Não há como uma política de segurança ser eficaz sem ter como objetivo a plenitude do Direito à Cidade. É preciso uma política de segurança voltada à promoção de uma abordagem cidadã, mais abrangente e integrada, que considere a adoção de políticas urbanísticas e sociais que abordem as desigualdades socioespaciais. Alterações nas legislações urbanísticas têm sua importância subestimada, mas podem ter grande impacto em áreas como mobilidade urbana sustentável, em que priorizem o transporte público de qualidade (e gratuito), a implantação de ciclovias e calçadas largas, e a criação de espaços públicos inclusivos e acessíveis que promovam a convivência e o uso seguro do espaço urbano pela população.
Também é fundamental pautar as políticas de uso e ocupação do solo na perspectiva de tornar os espaços públicos mais seguros com o incentivo à fachada ativa, aos usos concomitantes de moradia e atividade econômica (sobretudo as de baixo impacto de poluição sonora) como forma de promover maior circulação de pessoas pelas ruas. A sensação de insegurança está também atrelada à falta de iluminação, aos grandes muros que cercam as propriedades e, fundamentalmente, ao baixo fluxo de pessoas.
Propomos a você, que nos lê, um exercício. Imagine-se à noite, andando a pé, em duas das mais importantes avenidas da região metropolitana: em primeiro lugar, a Avenida Paulista; em seguida, a Avenida dos Estados. Repare nas diferenças do perfil construtivo, das atividades que acontecem ali, da quantidade de automóveis, ônibus, bicicletas e pessoas circulando, da iluminação e do mobiliário urbano. A proposta, evidentemente, não se trata de transformar todas as avenidas da cidade em “avenidas paulistas”, mas demonstrar rapidamente que a sensação de segurança está invariavelmente atrelada às questões urbanísticas.
O direito à cidade precisa ser central se quisermos uma cultura de paz. Políticas de trabalho e renda, habitação, educação, saúde, cultura, esporte e lazer precisam promover a inclusão social e o fortalecimento dos vínculos comunitários, coletivos e antirracistas. O combate à desigualdade e à exclusão social é uma estratégia fundamental na promoção de uma segurança cidadã mais justa e efetiva.
Outra ação relevante é a promoção da participação cidadã nas decisões relacionadas à segurança urbana, por meio de fóruns, consultas públicas e parcerias entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada. É fundamental que todos os agentes do território possam ser ouvidos e incluídos nas políticas e ações voltadas para a segurança cidadã.
Em síntese, é fundamental adotar uma abordagem integrada e participativa que promova a equidade e a inclusão social para enfrentar os desafios de tornar as cidades mais seguras. É importante considerar as necessidades da população e implementar políticas urbanísticas e sociais que atuem nas causas estruturais da criminalidade visando garantir o acesso igualitário e seguro aos espaços públicos e promovendo a participação ativa da comunidade na construção de uma cidade mais justa e segura. Além disso, é necessário investir em medidas de prevenção à violência, respeitar os direitos humanos e promover a participação cidadã, buscando transformações estruturais nos territórios. Somente assim será possível criar ambientes urbanos acolhedores, emancipadores e seguros para toda a população.
*Clóvis Girardi é Bacharel em Ciências e Humanidades e em Planejamento Territorial e mestrando em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC.
**Gustavo Matheus de Morais é Tecnólogo em Processos Gerenciais e Bacharel em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC.
***João Henrique Muniz é Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Planejamento Territorial e Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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