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    Paulo Loiola

    Sócio-fundador da BaseLab e fundador do PerifaLab. Autor de dois livros de marketing político: "Construindo Campanhas o Caminho para a Eleição", em parceria com a RAPS, e "Marketing Político", para a Uninter

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    Conceitos e aplicação de uma educação antifascista

    Como fazer com que milhões de pessoas que foram manipuladas por um líder por anos possam enxergar a verdade?

    (Foto: Reprodução)

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    Como esse texto se dedicará a destrinchar a ideia de uma educação antifascista, seria impossível inicia-lo sem citar e fazer as devidas homenagens ao nome de Walter Benjamin. Nascido em uma próspera família judia alemã, o filósofo sempre se dedicou à aprendizagem e à crítica ao sistema educacional. O início de sua carreira intelectual se confunde com o próprio tema, já que seus primeiros escritos são publicados no final da adolescência, nos quais o autor promove uma visão idealista de um “despertar de consciência na juventude”.

    Como boa parte dos intelectuais de sua época, Walter tentou servir na Primeira Guerra Mundial, sendo rejeitado pelo Exército. Apesar de à partir do fim da Guerra, o autor ter se dedicado à outros temas (publicando ensaios sobre educação e infância pontualmente), suas ideias sobre educação mostram-se absolutamente vanguardistas: a ideia de ensinar, não como pura transmissão de conhecimento, mas como um 'pensar-junto' de aluno, professor e objeto de conhecimento por meio de diferentes mídias. Se uma teoria ou filosofia da educação pode ser extraída da obra de Benjamin sempre foi debatido, mas seu legado para a construção de uma educação crítica e antifascista é inegável. Um século depois da publicação de suas primeiras obras vemos o ressurgimento do fascismo, que preservando sua tradição histórica, não tolera qualquer tipo de educação e pensamento crítico. Seguindo essa tendência, nos últimos anos houve um aumento de interesse no pensamento de Benjamin sobre educação e pedagogia. Mas afinal como seria aplicada a educação antifascista de Benjamin?

    Em “educação antifascista de Walter Benjamin”, o Professor Tyson E. Lewis (University of North Texas) assume essa tarefa. Lewis traça os pensamentos de Benjamin sobre educação através de vários textos, mídia e práticas culturais fora das próprias escolas e universidades, como rádio e teatro infantil. Analisando o próprio formato das fontes, podemos ver o quão importante são as formas não-convencionais de ensino. Indo além da teoria de personalidade autoritária, a compreensão de Benjamin sobre o fascismo surge na intersecção do corpo e da sociedade, entre a psicologia individual e o subconsciente coletivo. Essa compreensão do fascismo torna possível conectar as dimensões subjetiva e objetiva da experiência vivida. 

    A abordagem de Benjamin é definida então como "muito mais focada no corpo, nas práticas corporais, na percepção e em uma nova noção de conectividade com os outros". Portanto, se Adorno e demais adeptos da Teoria da Personalidade Autoritária defendiam o pensamento crítico como maneira de combater o fascismo, Benjamin defendia uma abordagem mais corporal: ao invés de pensar até abandonar o fascismo, o indivíduo deve sentir até abandonar o fascismo. Ora, se o fascismo é a estetização da política, o antifascismo também deve se tornar estético. Se regimes totalitários utilizam arte, literatura, dança, música e demais manifestações culturais como arma de propaganda, também devem os democratas. Se o fanatismo é um fenômeno irracional, onde um grupo de indivíduos é manipulado através de suas emoções, é difícil crer que a única saída seja o pensamento crítico per si. 

    Outro ponto importante a ser destacado é o papel do prazer, nesse texto utilizaremos por “prazer” a definição de Spinoza, algo como “a habilidade do corpo de sentir e gerar afeto”. Novamente utilizando a linguagem corporal, o autor argumenta como o fascismo é um ataque ao prazer: o objetivo do fascismo é gerar apatia em seus adversários para que percam sua energia de mobilização. O fenômeno pode ser observado em experiências históricas onde o conservadorismo se tornou hegemônico e muitos movimentos progressistas simplesmente se desmobilizaram. Outro motivo que leva as lideranças fascistas a atacar o prazer é a facilidade na qual eles manipulam sentimentos negativos. Ódio, revanchismo, frustração, ausência de sentido, todos esses sentimentos são férteis para que um líder autoritário convença pessoas normais a serem seus adeptos. Em suma: O fascismo é a total repressão dos impulsos, intelectuais e corporais. 

    Como resposta a isso, Benjamin propõe o extremo oposto: desde a primeira infância a criança deve ser livre para sentir e extravasar seus impulsos. A educação deve trabalhar em cima disso, visando transmitir conhecimento baseado em emoções e estímulos, indo além dos ambientes de ensino, e buscando desconstruir a imagem do educador como figura de autoridade. Contra a dureza do fascismo, essa abordagem educacional não busca ir contra as formas de comunicação afetiva e pode ser considerada o núcleo da ideia do filósofo. Citando o autor: “Se o fascismo, em sua base, é uma tentativa de manter-se adormecido, perdido em um sonho, então a educação antifascista diz respeito a despertares corporais e afetivos para potencialidades, contra esse mesmo sonho”. 

    Agora que compreendemos o conceito de antifascismo na educação infanto-juvenil, o eixo do debate se move em direção à parte mais complexa: Como reeducar adultos e em especial, como reeducar fascistas? Como fazer com que milhões de pessoas que foram manipuladas por um líder por anos possam enxergar a verdade? Como abrir os olhos de pessoas que sequer percebem os danos causados por suas ideias? 

    Esses questionamentos ocuparam a mente de interventores aliados, que ocuparam a Alemanha e demais países do Eixo após a Segunda Guerra Mundial. As diferenças de nacionalidade, ideologia e formação dos interventores levaram a diferentes abordagens sobre o questionamento, aos quais serão destrinchados ao longo dessa segunda parte do texto. À princípio, as populações dos países aliados demandam que todos os alemães sejam punidos pelo nazismo. Entretanto, tal feito mostra-se impraticável e os interventores distribuem questionários para a população, buscando medir a afinidade de cada um com o defunto III Reich. Pessoas que mostrassem alta simpatia ao regime não poderiam assumir nenhum cargo público e poderiam exercer apenas profissões de uma seleta lista, afinal, entregar poder novamente a esses indivíduos repetiria a tragédia da guerra. Todos os  alemães nascidos depois de 1918 foram perdoados por terem sidos manipulados pelos nazistas, afinal eles já nasceram em meio à lavagem cerebral. Aqueles que se filiaram ao partido antes de 1933 (ano da tomada do poder) foram considerados extremistas incuráveis e tiveram seu convívio social drasticamente reduzido. As lideranças, por sua vez, pagaram pelos crimes que cometeram em tribunais europeus e israelenses. 

    A população comum alemã teve suas fontes de informação controladas, para que a propaganda nazista não voltasse a circular. Também foram alvos de peças reeducativas como anúncios, músicas e filmes que estimulam o pensamento crítico e a tolerância. Acima de tudo, é introduzido na Alemanha o conceito de "responsabilidade coletiva”, onde todos os alemães possuíam parte da culpa dos crimes nazistas. Somado a essas ações, os governos alemão e americano, fizeram diversas pesquisas entre a população, buscando coletar resultados do programa. Os dados mostraram uma grande queda na extrema-direita alemã, porém quase uma década após o fim da guerra, uma pequena parcela da população ainda apoiava o nacionalismo e a necessidade de um líder forte. Isso mostrou para a população alemã a necessidade da educação antifascista enquanto política de Estado, afinal, como dizia o autor anti-nazista Tony Judt: “O mal ronda a Terra”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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