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    Joaquim de Carvalho

    Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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    Delgatti, Assange e o direito da sociedade saber o que os poderosos tramam

    A decisão de extraditar Assange é uma violência contra a democracia assim como uma eventual condenação de Delgatti no Brasil

    Assange com a filha na Embaixada em Londres; Delgatti com a filha em Araraquara (Foto: Reprodução da TV e arquivo pessoal)

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    A decisão da Justiça da Inglaterra de extraditar Julian Assange para os EUA é uma violência não apenas contra ele, mas também contra o direito da sociedade de ser informada sobre assuntos de interesse público, que autoridades de Estado querem manter em segredo.

    Graças a Assange, o mundo soube que as forças armadas dos Estados Unidos haviam matado cidadãos inocentes no Iraque e no Afeganistão, e também conseguiu fazer cessar torturas de prisioneiros.

    Os vazamentos realizados pelo site que criou, o WikiLeaks, também foram importantes para que os brasileiros soubessem que Sergio Moro colaborou com agentes norte-americanos, ao participar de evento realizado pelo Departamento de Estado e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em solo brasileiro.

    Relatórios da Embaixada dos EUA a seus superiores em Washington deram conta de que no evento de que Moro participou, em 2008, foi sugerida a criação de força-tarefa para investigar lavagem de dinheiro.

    O pretexto era o combate ao terrorismo, mas se sabe que a força-tarefa criada em Curitiba em 2014 seria decisiva para desestabilizar o governo democrático de Dilma Rousseff e abrir caminho para a ascensão da extrema direita no País, que chegou ao poder com Bolsonaro.

    Assange se tornou ativista político importante depois de se declarar culpado em um processo em que era acusado de hackear informações de uma instituição da Austrália, em meados da década de 90.

    Ele nunca escondeu a defesa que fez da atividade hacker, embora seus fãs mais ardorosos — que muitas vezes mais atrapalham do que ajudam — rejeitem esse fato de sua biografia.

    Sem hackeamento, seria muito difícil conhecer a verdade, nos EUA como no Brasil, que deve ao hacker Walter Delgatti Neto o conhecimento sobre a natureza política da Lava Jato.

    Quando se aprofunda o olhar sobre Assange, impossível não enxergar semelhanças com o hacker brasileiro, a começar pela tragédia pessoal que viveram, crescidos em famílias desconjuntadas.

    Os dois também enfrentaram acusações por crime sexual, embora as evidências, tanto num caso como em outro, sejam de relação consensual com suas acusadoras.

    Na Inglaterra, Assange ocupou o noticiário quando revelou que teve filhas com uma advogada, da qual se tornou noivo, enquanto vivia asilado na Embaixada do Equador em Londres.

    No Brasil, revelei que Delgatti havia se tornado pai, ao reconhecer como filha uma criança que foi fruto de seu relacionamento com Isabel, uma jovem que mora em Ribeirão Preto.

    Mas os veículos de imprensa, mesmo os que se dizem de esquerda, ignoraram a notícia — embora, positivamente, agitem as bandeiras de Assange e seus atos de natureza privada que têm repercussão pública. Complexo de vira-lata?

    Depois da notícia publicada no 247, Delgatti teve o primeiro encontro com a filha, que se chama Helena, tem quase três anos de idade e já demonstra inteligência bem acima da média.

    Publico o nome e a foto dela, com autorização de Delgatti e também da mãe, Isabel. Delgatti não pode deixar Araraquara por decisão judicial. Nem para visitar a filha em Ribeirão Preto, onde ela mora.

    Depois do artigo do 247, Isabel levou a filha para ver Delgatti, em Araraquara, onde ele vive com a avó. Delgatti e Helena tiveram um fim de semana típico de pai e filha.

    "Comprei presentes para ela, brinquedos, fraldas, tudo. Ela está feliz da vida”, contou a um amigo com quem converso. Delgatti deu presentes à filha embora sejam públicas as informações sobre sua dificuldade financeira.

    Delgatti também tem mudado sua atuação, depois de dizer a esse amigo que deixou a atividade hacker para trás.

    Mas ele conhece os labirintos da internet e garante que gostaria de usá-lo, "de maneira lícita", para combater a extrema direita no Brasil.

    Pelos relatos que recebe, com prints, percebeu que Sergio Moro está usando robôs, em sua pré-campanha a presidente, a mesma estratégia que Bolsonaro utilizou para chegar ao Palácio do Planalto.

    Delgatti também tem auxiliado um escritório de advocacia, com os conhecimentos que tem de direito, pois cursou até o terceiro ano. Só não voltou a estudar ainda porque não pode acessar a internet, por decisão judicial, e fica impedido do receber ensino à distância.

    O processo em que Delgatti é acusado por invasão de celular e organização criminosa tramita na 10a. Vara da Justiça Federal em Brasília.

    Recentemente, Delgatti teve êxito em uma medida judicial de cuja elaboração participou em causa própria.

    Ele ajudou a escrever a peça processual que levou o juiz a concordar com a retirada de sua tornozeleira eletrônica, que estava com defeito havia muitos meses.

    Se atender à denúncia do Ministério Público contra Delgatti, o juiz poderá condená-lo a uma pena superior a 200 anos de prisão.

    Absolutamente desproporcional, e injusta se se considerar que o hacker brasileiro contribuiu decisivamente para expor os abusos da Lava Jato.

    Para o criminalista Fernando Fernandes, nem crime houve, já que Delgatti acessou arquivos hospedados nas nuvens, por falha da segurança do Telegram.

    O criminalista também comparou a ação de Delgatti à de uma pessoa que invade um domicílio e constata que ali é praticada tortura.

    Ele obtém as provas desses abusos e revela à sociedade. Um cidadão desses pode ser punido? Para o criminalista Fernandes, não.

    Delgatti e Assange descobriram graves violações e tornaram a descoberta pública. Apenas aqueles que defendem a continuidade da violência praticada pelo Estado pode querer a punição de ambos.

    Não há diferença entre o caso do ativista e ex-hacker australiano, e o hacker brasileiro. Ambos devem ser defendidos por aqueles que amam a verdadeira democracia.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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