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    Daniele Barbosa Bezerra

    Doutora em Educação (UFC), professora, pesquisadora de gêneros biográficos e memorialísticos, contista e cronista.

    35 artigos

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    Do confinamento ao autoconhecimento

    Sei que vai parecer conversa de masoquista ou lunático falar que nesses dias em que seremos obrigados a parar, à revelia, possam nos trazer autoconhecimento e enriquecimento interior

    Viajantes usam máscaras no aeroporto de Guarulhos. (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)

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    Sei que vai parecer conversa de masoquista ou lunático falar que nesses dias em que seremos obrigados a parar, à revelia, possam nos trazer autoconhecimento e  enriquecimento interior. Certamente que não estou tratando daquelas criaturas que sequer percebem a gravidade do que está acontecendo no Brasil e no mundo: os neófitos do coisa ruim. Esses, como seres acéfalos, gosmentos e fétidos do esgoto que são, sequer se reconhecem como seres humanos ou têm empatia por quem quer que seja.  A esperança que me cabe é nos seres, ainda humanos, que refletem sobre a vida e dela fazem uma limonada com os limões do viver, aqueles resilientes de alma. Mesmo os que têm uma sensibilidade ainda embrionária conseguem tal proeza. Esses sim, sairão da quarentena- que é quinzena - bem melhores. 

    Nos primeiros dias, nosso corpo ainda automatizado e entorpecido pelo horário de acordar,  pelos trabalhos a fazer, pelo deslocamento nos engarrafamentos sem fim, pelo estresse de quem vive a correr, vai se ressentir. Vai sofrer, se angustiar, rodar feito barata tonta e sem asas nos seus espaços, vai  se empanturrar com guloseimas calóricas (como eu fiz agora e já estou arrependida) para suportar essa desaceleração, mas é a partir daí que existe a possibilidade do reencontro tão íntimo, quanto necessário, conosco. 

    É o momento de soltar aquele ser escondido há muito tempo dentro de  nós, devido aos excessos de obrigações, para que ele saia da caverna e volte a procurar a sua essência. A essência do menino feliz que foi; a essência da criança esperançosa, engraçada e falante que se calou; a essência da menina que sonhava em ganhar o mundo fazendo arte e que, timidamente, nunca expôs seu talento; a essência do moleque que mesmo vivendo modestamente, sonhava em SER; a essência daquele  que correu a vida toda atrás do ganha pão e se descobriu sem pão e sem nada. 

    É o instante de estarmos com as nossa crianças, que vivem de um lado a outro conosco e que subsistem ao nosso cotidiano, tal qual não fumantes que aspiram a fumaça tóxica da escolha do vizinho. Elas, apenas, nos querem mais perto.  É a hora de esticarmos a mão aos nossos velhos que, como nossos pequenos, assistem a tudo em meio ao desamparo afetivo. É o tempo da metamorfose humana, mas não sem dor, como toda metamorfose.

    Agora, reconheço que aqueles que nunca pararam consigo, irão sofrer. Pois nos reencontrarmos custa caro, dói, desassossega, nos deprime, nos tira da zona de conforto, sobretudo quando a causa do ensimesmamento é uma pandemia gravíssima como o Covid-19, entretanto não esqueçamos dos tais “limões e da limonada”, como meta a se cumprir nesses dias. A pandemia por que passamos exerce um papel relevante para compreendermos que, anônimos ou não, Marias ou Josés, ricos ou pobres, somos peça fundamental no controle e na extinção do coronavírus. Como somos importantes! Mas não sozinhos! Obviamente que se faz  necessário um governo responsável e disposto a estar ao lado da população, o que infelizmente não é o nosso caso. 

    Assim, tão necessário como nos enxergarmos interiormente é lutarmos pelos outros, bem mais vulneráveis socialmente ; os que não têm emprego e não podem se reencontrar intimamente ou estar em casa com as crianças; os que não têm como alimentar os filhos, pois a maioria da alimentação dos pequenos é feita na escola e as instituições escolares estão em quarentena; os que não têm lugar para ser atendido caso seja infectado; os que moram nas ruas e correm riscos, dos mais variados, permanentemente; e aquele que já arfando, assiste a tudo isso e roga a deus para que o leve dessa para melhor. Por tudo isso e por todos esses, fiquemos em casa. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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