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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Eles acusam!

    "A mídia tradicional se enrosca no seguinte dilema: ou ajustam discurso à realidade e desconstroem o 'herói' Moro, ou o preservam", escreve Denise Assis

    Sergio Moro e Lula (Foto: Reuters | Ricardo Stuckert)

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    Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia 

    “Hoje eu estou feliz, a decisão do tribunal da ONU lavou a minha alma. E eu só quero que a imprensa, que divulgou tantas mentiras sobre mim, peça desculpas e admita que foi enganada por Moro e Dallagnol”.

    A felicidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transborda. É genuína. A esperança que menciona, porém, é só um sentimento de quem pensa a vida positivamente. Está a léguas de acontecer. Os que viram o noticiário, hoje (28/04), recheado como sempre de opiniões de comentaristas, constataram que a “narrativa” – ô palavrinha desgastada! – persiste. O mea culpa não virá. 

    A profissão de quem traz notícias nunca teve espaço para erros. Portanto, mesmo os que erram, dão um jeito de não ter que admiti-lo. Afinal, isto compromete a credibilidade. Estou falando, sim, da minha, da nossa profissão.

    Não cabe erros porque, a princípio, tudo deveria ser checado antes de ser levado ao público. E, só então, virar notícia. Não é, porém, o que acontece quando há muito em jogo. Estamos falando de poder. Era isto o que estava na mesa em 2018. O poder nos próximos quatro anos. E ele não poderia, nem de longe, voltar às mãos do PT, apeado a todo custo, de lá, há apenas dois anos (2016). 

    Havia um movimento de guerra híbrida em curso e, neste cenário, a mídia tem um papel fundamental a cumprir, como nos mostra o autor do livro com este título: “Guerra híbrida”, Andrew Korybko. Ele explica que as “revoluções coloridas”, uma das etapas desta guerra, “tratam, antes de mais nada, e sobretudo de disseminar certa mensagem (por exemplo, contra o governo) para um vasto público”. E destaca: “não importa se os acontecimentos ocorreram de verdade ou não. O que importa é como eles são percebidos, retratados e narrados para o público em geral”. 

    Foi a isto que se dedicou durante todos esses anos, a mídia tradicional. Como engatar a marcha ré, agora, de uma hora para outra, e ainda por cima em ano eleitoral, em que Lula lidera as pesquisas? A “orientação” parece ser única. Para cada comentarista que se referiu ao comunicado oficial da ONU, ao falar da vitória de Lula e dos advogados, os incansáveis Cristiano Cristiano Zanin e Waleska Teixeira Martins, todos tinham na ponta da língua o preâmbulo: é preciso deixar claro que os processos foram anulados, mas isto não quer dizer que Lula foi inocentado.

    Um verdadeiro exercício de linguagem, pois se os processos abertos por Sergio Moro (melhor seria chamá-lo de ex-tudo, para poupar espaço) foram anulados por configurarem ausência de objeto - crime configurado - e, só por isto, foi possível atribuir parcialidade a Moro, de onde tiram a “culpa”?  AH! Mas a Lava-Jato... 

    Parecem cachorros correndo atrás do próprio rabo, girando em círculos sobre a “tese” que criaram. Presos na própria teia, não conseguem se desvencilhar do discurso de 2018, tão exaustivamente repetido que passaram a acreditar apenas no que propalaram desde então. 

    Não contem para eles, mas a prática não é nova. Em 1984, quando o alto comando do Exército francês encenou um lance de espionagem contra o capitão Alfred Dreyfus, acusado de vender informações secretas aos alemães, ele recebeu pena de prisão perpétua. O objetivo era desviar a atenção dos inimigos do verdadeiro segredo, um novo canhão, uma superarma de guerra. 

    Quando o capitão de Artilharia, oficial do Estado-Maior do Exército, foi sentenciado a cumprir sua pena na Ilha do Diabo, Guiana Francesa, em 1894, não houve protesto. A opinião pública também o condenou. Quatro anos se passaram até que algumas ilustres personalidades resolvessem denunciar as inúmeras irregularidades do processo. Entre elas estavam os escritores Émile Zola e Anatole France, o poeta Charles Péguy e os compositores Alfred Bruneau e Albèric Magnard. Mas só em julho de 1906 a inocência de Dreyfus foi reconhecida e ele pôde ser reabilitado. 

    Sempre se suspeitou que o capitão fora acusado devido a um erro decorrente de uma perícia apressada. A esse erro se juntou o preconceito: Dreyfus era judeu, de origem burguesa, numa arma do Exército onde predominava uma elite aristocrática. A partir daí, e apoiado no antissemitismo da opinião pública, o Exército teria feito de tudo para condená-lo, sem admitir que prendera o homem errado.

    Tal como a mídia alternativa, que desde a abertura do processo vem a público denunciar a perseguição de Sergio Moro contra o ex-presidente, em carta aberta o escritor Émile Zola tentava sensibilizar governo francês para erros e injustiça das acusações contra o capitão do exército Alfred Dreyfus, provocando a seguinte manchete: “J’Accuse...!”.

    No caso do ex-presidente Lula, a mídia tradicional se enrosca no seguinte dilema: ou ajustam o discurso à realidade e desconstroem o “herói” Moro, ou preservam o discurso em nome de mantê-lo como uma possibilidade cada vez mais inviável de lançá-lo como o nome da tal “terceira via”. Enquanto isto, eles acusam! 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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