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    Lúcia Helena Issa

    Jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro "Quando amanhece na Sicília". Pós- graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma e embaixadora da Paz por uma organização internacional. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio.

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    Escravas sexuais, jornalistas presos, mulheres massacradas: esse é o Bahrein, a ditadura elogiada por Bolsonaro

    A mais recente vergonha brasileira em um pequeno país ditatorial hoje famoso pelo extremismo religioso, pelo tráfico de mulheres e pelo petróleo ocorreu há poucos dias durante a inauguração da embaixada brasileira no Bahrein

    Mulheres protestam no Bahrein (Foto: Hamad Mohammed/Reuters)

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    Publicado originalmente no site Monitor do Oriente

    Como se todas as cenas dantescas que temos testemunhado no Brasil não fossem suficientes, depois de décadas como uma potência diplomática, admirado no exterior por sua capacidade de conciliação e diálogo, o Brasil que protagonizou a criação dos BRICS, que acolheu milhares de refugiados palestinos em 2005 e 2006, que foi capa da revista The Ecomonist retratado como um foguete que decolava se tornou um pária mundial. Depois de ser ignorado em Roma, de não conseguir agendar reuniões bilaterais para novos investimentos, depois de nem sequer participar da foto oficial do evento na Fontana de Trevi, depois de centenas de perguntas da imprensa mundial sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, para as quais não deu nenhuma resposta, Bolsonaro completou o novo círculo do Inferno de Dante, decidindo não ir à COP26. A grande ironia e o que me deixa ainda mais triste ao constatar o isolamento de meu país, é que Jair Bolsonaro se veja como um “grande representante do cristianismo e dos valores democráticos ocidentais”.  Mas  Bolsonaro jamais representou de fato o cristianismo e jamais foi visto sequer como um líder pelos maiores líderes ocidentais.

    A imensa ironia é que, jamais tendo sido visto como um “representante do cristianismo ocidental" por líderes como Merkel ou Macron, o atual presidente brasileiro tornou-se o “cristão” que é recebido apenas por ditadores do Golfo, por extremistas judeus ou muçulmanos e por líderes do regime de Apartheid de Israel.

    A mais recente vergonha brasileira em um pequeno país ditatorial hoje famoso pelo extremismo religioso, pelo tráfico de mulheres e pelo petróleo ocorreu há poucos dias durante a inauguração da embaixada brasileira no Bahrein.

    O presidente do Brasil provocava náuseas em milhões de brasileiros, enquanto, na capital do Bahrein, fazia uma série de elogios ao ditador árabe do país onde nem sequer existem eleições, um país dominado há décadas por uma única família de ditadores, um país onde o monarca, Hamad bin Issa al-Khalifa, determina quem irá morrer, quem irá viver, quem será preso injustamente, quem irá ocupar o cargo de primeiro-ministro, um país onde o primeiro-ministro foi, por quase quatro décadas o tio do monarca, o senhor Hamad bin Salman al-Khalifa, que morreu no ano passado e onde o filho do rei agora ocupará o cargo.

    Bolsonaro só é recebido oficialmente hoje por países como o Bahrein, teocracias ou ditaduras que conseguem ser piores do que regimes ou países em dificuldades situados aqui pertinho de nós. Nos dados internacionais sobre liberdade de imprensa, publicados pela respeitada organização “Repórteres Sem Fronteiras”, o Bahrein está na 168º colocação, muito atrás de países como Venezuela e Cuba.

    É profundamente triste o que acontece ali: todas as redes de TV pertencem à ditadura dos Al-Khalifa, não existem jornais independentes e os poucos que existiam foram proibidos pelo ditador do país em 2017. Como se isso não bastasse, o ditador do Bahrein colocou recentemente na prisão, isolados e sem direito a um julgamento justo, dezenas de jornalistas e defensores de direitos humanos bahreinitas.

    Segundo a Human Rights Watch, as mulheres do Bahrein possuem muito menos direitos, se comparadas a outros países árabes, no que se refere ao divórcio e herança, desrespeitando até mesmo o que disse o Profeta do islã sobre o direito das mulheres à herança de seus pais e a um divórcio justo.

    Com muitas semelhanças com sua vizinha do Golfo, a Arábia Saudita, o Bahrein envergonha milhares de árabes no mundo com os quais tenho conversado, pois o país se transformou, assim como uma parte do Líbano, numa das capitais mundiais da prostituição e do tráfico de mulheres, um imenso bordel frequentado  por milhares para milhares de homens sauditas, americanos da base dos EUA no país, e agora também por milhares de homens israelenses que viajam apenas por turismo sexual para Manama e Dubai, depois da normalização das relações de Israel com os países do Golfo.

    Um desses homens sauditas eu tive o horror de conhecer no Líbano, pois fui assediada por quase meia hora durante uma caminhada pela avenida à beira-mar. Um saudita do ramo do petróleo que só parou de me seguir com seu carro e me fazer convites sexuais, como se eu e todas as mulheres do mundo estivessem à venda, quando eu disse que chamaria a polícia caso ele não parasse de me assediar.

    O Líbano hoje vive um dos momentos mais difíceis de sua história e o cenário da prostituição em bares e do tráfico de mulheres se desloca cada vez mais  para o Bahrein e para os Emirados Árabes, que hoje recebem milhares de homens israelenses e americanos em busca de meninas traficadas para lá, ou mulheres  estrangeiras prostituídas pela máfia israelense, e levadas para os países do Golfo, depois que a entrada de israelenses foi permitida no país há quase dois anos.

    Segundo dados da ONU, há cerca de 18.000 mulheres estrangeiras prostituídas no país. A imensa prostituição ( que teoricamente seria ilegal no país) e o tráfico de mulheres para o Bahrein voltou aos jornais norte-americanos  depois que  o Departamento de Estado dos EUA descobriu o envolvimento de norte-americanos da base naval no país com o tráfico sexual de mulheres tailandesas.

    No seu relatório anual, de 25 de junho de 2020, os EUA afirmaram que o Bahrein está hoje no topo da lista dos países para onde mais se traficam mulheres e seres humanos em geral, e um dos países que menos tem combatido o tráfico de pessoas no mundo. O relatório também detalha como agiam os marinheiros norte-americanos que traficaram facilmente mulheres para o Bahrein, colocaram-nas em apartamentos, confiscaram seus documentos, usaram extrema violência física e as obrigaram a se prostituir no país do Golfo, escravizando-as para obter lucros financeiros com elas. Não foi o primeiro caso de americanos envolvidos no tráfico de mulheres no Bahrein e os EUA agora acusam a monarquia do Golfo de não combater a escravização sexual de mulheres, de não investigar os muitos casos e de fechar os olhos para o que acontece no país. “ Ao invés de punir os norte-americanos e os bahreinitas envolvidos no tráfico de mulheres, os juízes do Bahrein puniram as mulheres estrangeiras. O Bahrein não tem feito esforços suficientes para colocar um fim à exploração de pessoas vulneráveis no país”, afirma um dos trechos finais do relatório”.

    O mais inacreditável hoje é pensar que Bolsonaro, imitando seu ídolo, Donald Trump, sempre atacou os refugiados muçulmanos e os países muçulmanos mais abertos e mais laicos como a Síria ou o Iraque, países que não se curvaram aos EUA, países que, mesmo tendo tantos outros problemas, jamais foram teocráticos e sempre protegeram os cristãos e as minorias religiosas!

    Bolsonaro faz parcerias hoje com as mais hipócritas e imorais teocracias do mundo, países onde é PROIBIDO construir uma igreja cristã e mas é bem fácil construir um prostíbulo, como o Bahrein elogiado por Bolsonaro. Uma ditadura teocrática, onde faltam eleições, faltam direitos para as mulheres, mas sobram hipocrisias, escravas sexuais compradas por americanos, e outros crimes horrendos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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