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    Jorge Luiz Souto Maior

    Professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Dano moral nas relações de emprego (estúdio editores)

    20 artigos

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    Festa da democracia?

    "É importante tratar do direito ao não trabalho nos dias de eleição, para defender e garantir o direito de voto e a cidadania", escreve Jorge Luiz Souto Maior

    (Foto: ABR)

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    Por Jorge Luiz Souto Maior 

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    Informa-se que é bem maior a abstenção nas eleições dos “pobres” e entre estes, considerando, sobretudo, as políticas recessivas e regressivas de direitos sociais dos últimos anos, estão certamente os trabalhadores e trabalhadoras integrados a relações de emprego formal e “informal”.[1]

    Argumenta-se que a situação em questão se dá por conta da maior dificuldade que estas pessoas têm para ir até os locais de votação. Ocorre que se as seções de votação respeitam, em princípio, a proximidade com a residência do eleitor, a dificuldade mais objetiva para o exercício do voto se verifica quando trabalhadores/trabalhadoras são obrigadas(os) a se direcionar ao local de trabalho, que, quase sempre, são distantes das residências e respectivas seções de votação destas cidadãs e cidadãos.

    É, portanto, extremamente importante tratar do direito ao não trabalho nos dias de eleição, tema este, inclusive, que vem sendo há muito neglicenciado pela prática trabalhista, tanto na esfera acadêmica e jurisdicional, quanto no campo da atuação sindical.

    Desde as eleições de 2002, tenho insistido sobre a relevância desta questão, que entendo essencial tanto para o processo democrático, quanto para garantir cidadania a trabalhadores e trabalhadoras.

    Nestes termos, peço licença para reproduzir abaixo parte dos argumentos lançados em texto publicado à época:

    “Os dias da eleição para Presidente da República foram definidos no artigo 77 da Constituição Federal, como sendo, o primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo do mesmo mês, em segundo turno.

    A Lei n. 9.504 de 1997 acrescentou que seriam realizadas simultaneamente as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital (parágrafo único, inciso I).

    Nos dias das eleições, a sociedade brasileira, como se costuma dizer, vivencia a ‘festa da democracia’.

    Entretanto, o que se tem verificado é que boa parte dos trabalhadores, especialmente, de grandes fábricas e das grandes redes de supermercados não tem sido convidada para esta festa. Para eles, o dia das eleições é um dia de trabalho como qualquer outro, acrescido do ‘fardo’ de ainda ter que votar, ou justificar o voto.

    ‘Festa da democracia’, sim, mas para os privilegiados que não precisaram trabalhar, pois para os trabalhadores que já se acostumaram a ser alijados do processo democrático, tudo talvez se passe como se não tivesse havido. Isto sem considerar, é claro, a situação ainda mais desesperadora daqueles que estão sem trabalho.

    E há fundamentos jurídicos, para negar o trabalho subordinado no dia das eleições? Sim há, e muitos.

    Aliás, os embasamentos jurídicos para se chegar à conclusão de que exigir o trabalho de empregados, em atividades que não são essenciais, como as que se apresentam no comércio em geral, no dia crucial da democracia, estão como fratura exposta na Constituição.

    O Estado democrático de direito foi definido no artigo 1o da Constituição Federal. Este Estado se fundamenta na cidadania (inciso II) e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV). Ora, só se exerce efetiva cidadania com o livre exercício do voto. O voto, aliás, configura-se como a forma de preservação da ‘soberania popular’ (art. 14, da CF).

    Além disso, nos termos dos dispositivos citados, a livre iniciativa deve preservar valores sociais e o exercício da cidadania, evidentemente, é um deles.

    Nem se diga que há interesse econômico, inclusive dos trabalhadores, com a abertura do comércio em tal dia, para aumento de rendimento salarial e aumento de postos de trabalho. Mesmo respeitando os argumentos aduzidos, pois que a democracia se faz com a convivência com os contrários, o fato é que há uma certa confusão de situações. O fechamento do comércio em um dia (ou dois) a cada quatro anos não pode gerar, em hipótese alguma, o efeito aludido.

    Aliás, sob este mesmo prisma, postas as perspectivas econômicas e política na mesma balança, e atendido outro princípio constitucional, o da proporcionalidade, não se pode deixar de reconhecer que a dificuldade criada para o exercício do voto, com a exigência de trabalho no dia da eleição, causa muito mais prejuízo à democracia do que o fechamento do comércio, em tal dia, causa à saúde da economia do país.

    Costuma-se sustentar que o trabalho em feriado foi permitido por interpretação analógica da Lei n. 10.101/00 (art. 6o.). Ainda que tal analogia fosse possível, o que não se acredita pois não se pode confundir domingo (de que trata a lei) com feriado, até por uma razão matemática, pois enquanto existem 52 domingos no ano, feriados são muito mais raros, o fato é que o foco da questão está desviado, pois não se está falando de um simples ‘feriado’, mas do dia em que, a cada quatro anos, os desígnios da nação são decididos pela soberania popular (‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’ – parágrafo único, art. 1o., CF).

    Não se trata, ademais, de propugnar o fechamento do comércio, mas da impossibilidade de utilização de empregados, como forma restrita de garantir a estes cidadãos o livre exercício de seu voto, preservando, também, de certa maneira, a sua dignidade (inciso III, art. 1o., CF) e a sua vida privada (inciso X, art. 5o., CF).

    Não há de se cogitar, igualmente, que um sistema de trabalho especialmente previsto para tal dia possa, de alguma forma, garantir o direito ao voto, seja permitindo que o trabalhador se retire do serviço para votar, retornando posteriormente, seja fixando jornadas de trabalho que lhe possibilitem votar antes ou depois do exercício do trabalho.

    Isto, efetivamente, pouco importa, pois o que está em jogo é um valor muito alto para a soberania popular, qual seja, o voto, que não pode ser restringido sob qualquer pretexto.

    De forma concreta, mesmo com a adoção de tais cuidados (se seguidos fossem, efetivamente, o que aqui não se põe em discussão, mas que sob um ponto de vista mais aprofundado até poderia, pois não são raras as reclamações trabalhistas em que se pleiteiam remuneração não paga de feriados trabalhados e de horas extras não quitadas), o que se pode razoavelmente supor é que o exercício de trabalho no dia da eleição gera uma dificuldade ao exercício do voto que pode se configurar como insuperável em diversas situações.

    Não são poucos, por exemplo, os trabalhadores que exercem sua atividade em uma cidade e votam em outra; os trabalhadores que votam em local distante do local de trabalho, já que o local de votação está ligado à residência; os trabalhadores que não possuem meios próprios de locomoção etc.

    O voto, assim, ainda que possa ser exercido, deixa de ser o instrumento de integração da pessoa ao Estado de direito e passa a ser mais um instrumento de opressão, ofuscando e até mesmo anulando a cidadania.

    Aliás, no caso concreto das últimas eleições nacionais do dia 06 de outubro de 2002, talvez por ironia ou por azar, não foram poucos os casos de atraso nas votações, com a formação de longas filas e grande tempo de espera”.[2]

    Fato é que a todos que defendem a democracia cumpre, igualmente, defender e garantir o direito de voto e a cidadania das trabalhadoras e dos trabalhadores!

    Notas

    [1] https://exame.com/brasil/eleicoes-indice-de-abstencao-e-maior-entre-pobres-e-mobiliza-campanha-de-lula/

    [2] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Trabalho no dia das eleições nacionais. Revista da Amatra II. Associação dos Magistrados Trabalhistas da 2a Região, v. 3, n. 7, p. 52-54, 2002.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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