Fim do mistério
A crônica de hoje desvenda um enigma tão velho quanto o surgimento das galinhas
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Não, este não é mais um cronista sem assunto. Sofro desse mal, mas não agora.
Tenho a resposta para esse mistério dos tempos dos primeiros ovos, pintos e frangas.
Escrevo e assino embaixo, com firma reconhecida e papel passado: a galinha chegou primeiro! Pelo menos aqui na Vila Buarque.
Pago aluguel e IPTU nesse pedaço de São Paulo tem seis anos. Bem antes disso, lá estava ela, peito forte, coxas roliças, corpo reluzente. Ela? Ela é a galinha vendida na loja da dona Reyko. A imigrante japonesa encomenda numa granja perto de Sorocaba, tempera com capricho e atende mais de 100 pessoas por semana.
A história de prosperidade já faz parte da gastronomia do bairro.
A galinha é assada naquela máquina, chamada por alguns de tv de cachorro. O aroma vagueia vadio, ginga nas esquinas, invade moradias pelas frestas de janelas, se infiltra em carros blindados e para até o mais apressado dos entregadores.
Depois de seduzir as narinas, o perfume mergulha e cutuca estômagos desertos. O povo responde ao convite, às vezes até de pijama e pantufa. A esses se juntam os que vêm de outros bairros.
Senhoras e senhores, com chuva ou sol, frio ou calor, outono ou primavera, todo mundo se aperta na calçada e ninguém reclama do preço, 40 reais.
- Eu quero aquele ali, nem claro demais nem escuro.
- Prefiro o mais moreno.
- O terceiro, de lá pra cá.
Bira, braço direito e esquerdo de dona Reyko, corta em pedaços e acrescenta farofa e vinagrete. Arruma com cuidado e bota a fila pra andar.
- Próximo.
À uma da tarde do último domingo eram pelo menos 30 famintos à espera do pitéu.
As lojas vizinhas pegam carona e não só elas. Dia desses, Dora, uma garçonete desempregada, vendeu quinze panos de prato pra quem aguardava.
Mesmo sem botar ovos, a galinha da Vila Buarque gera empregos e distribui a riqueza do bairro.
Contei essa história há mais de ano na crônica “O Herói de Boituva”. Pois agora, temos mais um protagonista: é o “Jumbo de Marília”.
O ovo robusto vem do oeste paulista. Um campeão de vendas.
Orlando chega antes do sol. Todo domingo encosta a caminhonete na rua das Palmeiras e arruma as caixas de ovos na mesa improvisada. Não está só, a mulher e dois sobrinhos fazem parte da equipe. Todos da Colômbia.
- O Jumbo é selecionado e tem a gema amarelo ouro, garante Orlando, em límpido português.
Em vez da dúzia, os colombianos vendem 30 ovos em embalagens de papelão bem amarradas com barbante.
A fama do “Jumbo de Marília” também atrai camelôs. Adeílson oferece alho e cebola, Eduardo traz mandioca de Embu das Artes. Os dois não trocam “o ponto do ovo” por nada.
A caixa, a 25 reais, com o tipo Jumbo, acaba rápido. Orlando não se aperta, também tem os médios “Verdadeiro Caipira”, de casca marrom a 22 reais, e o “Extra Classe”, a 18.
A família vende mais de 100 caixas. Não sobra nada. Enfim, relaxam depois de 14 horas de trabalho. Saboreiam cerveja gelada e conversam em espanhol, tudo ali na calçada.
Até domingo que vem, a freguesia tem estoque de claras e gemas para seus omeletes, doces, maionese caseira. Sem falar dos ovos fritos.
Como já dizia o sábio Stanislaw Ponte Preta, “qualquer prato melhora com dois ovos em cima”.
Se aqui na Vila Buarque não há dúvida de que a galinha chegou primeiro que o ovo, também há outra certeza: produto bom, com preço justo e fruto de trabalho honesto, tem preferência. Seja brasileiro, colombiano ou japonês.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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