Foguete no Maracanã
Saudade perpétua. Apolinho foi-se embora aos 87 anos
O futebol escolheu o Brasil. Aqui nasceram os melhores. Nossos craques conquistaram o mundo e nos tornamos o país do futebol, tanto pelas Copas que ganhamos quanto pelas que perdemos.
Aprendemos que o jogo é jogado mas também falado. Se não gerasse tanta discussão, o futebol não seria o esporte mais popular do mundo. É aí que entra o jornalista esportivo. A turma da resenha acende a polêmica e arruma assunto pra torcida pelo menos até a próxima rodada.
Temos qualidade e quantidade. Só no Brasil é possível num mesmo dia chorarmos a perda de três craques do microfone como Antero Greco, Silvio Luiz e Washington Rodrigues.
Na semana passada, esses três homens inteligentes, bem humorados e com a sabedoria de entender o momento da piada e da crítica, receberam homenagens justíssimas.
Volto ao assunto porque despedidas precisam de tempo, ainda mais de um ídolo.
O rádio acendeu a faísca do meu encantamento pelo jornalismo. No Rio de Janeiro dos anos 1970 e 80 ouvia-se rádio em todos os lugares e o tempo todo. Entre aquelas vozes, a de Washington Rodrigues era única.
Falava fácil, conversava com o ouvinte. No Show da Madrugada, anunciava assim o repórter que circulava pela boemia carioca: “Vem aí Alberto Brandão o repórter-sabonete. Ele passa em cada lugar...”
Ganhou, ele mesmo, apelido que virou nome: Apolinho. Depois de o homem pisar na lua, a emissora em que Washington trabalhava comprou microfones iguais aos dos astronautas da Apolo 11. Pronto, lá ia o Apolinho como um foguete fazer as entrevistas. Trabalhava na beira do campo, ao lado da geral, o setor popular do antigo Maracanã e logo o torcedor brincava: “Seu Apolinho, entrevista eu.” Ele mesmo achava Washington um nome esquisito, melhor Apolinho. O apelido pegou de vez.
Com o repórter Deni Menezes formou dupla histórica: “Os Trepidantes”. Horas antes do jogo, eles vinham com as entrevistas, a escalação das equipes, a chegada dos times. Depois, atrás do gol, enriqueciam a transmissão com algum detalhe que só eles viam.
Na época, qualquer Fla x Flu passava de 100 mil pessoas e boa parte estava na geral. Ali, pertinho da galera, o Apolinho entrevistava os torcedores, ouvia palpites. Um programa de auditório ao ar livre. Aliás, o maior auditório do mundo.
Quando recebia gente de fora não levava o turista à praia ou ao Pão de Açucar e sim ao estádio. Apolinho e Maracanã eram como a corda e a caçamba.
Aos 11 anos, matou aula no Instituto La-fayette, na Tijuca, para ver o início das obras do estádio.
Sempre andando pelo gramado – o “tapete verde” como chamavam os locutores - criava ou popularizava expressões: “Briga de foice no escuro.” “Tomou um chocolate.” “Mais feliz que pinto no lixo.” “É mole ou quer mais?”
O maior sucesso nasceu quando passou a chamar os torcedores da arquibancada e da geral de Arquibaldos e Geraldinos.
Nos domingos um ingresso valia dois jogos porque tinha partida de aspirantes antes do clássico. Naquela tarde a chuva de verão virou dilúvio e cancelaram o primeiro jogo.
A rádio estava ao vivo, os anunciantes tinham pago, mas jogo mesmo só dali a duas horas. Como preencher o tempo? Os Trepidantes, Washington e Deni, e o comentarista João Saldanha, o João sem Medo, não se intimidaram: explicaram como funcionava a drenagem, qual o tipo de grama do Maracanã; também lembraram de outros jogos cancelados por tempestade e até a chuteira certa para campo encharcado. Uma aula de jornalismo!
Conversa tão envolvente que quase não houve tempo para os reclames das Casas Sendas, Brastel e Impecável Maré Mansa.
Até hoje muitos jornalistas esportivos não revelam o time, Apolinho só faltava trabalhar com a camisa do Flamengo.
Do pai, português e vascaíno, contava história que parecia piada: “meu pai tentou me fazer vascaíno, resisti, e muitas vezes na hora do jogo ele não me deixava ligar o rádio. A justificava?, esse locutor grita demais, pode estragar o aparelho.”
Mudei do Rio, Apolinho já tinha se tornado comentarista e até técnico do Flamengo. Então veio o presente do acaso: viajei com minhas filhas até a Disney e na cidade de Orlando vi meu ídolo a poucos metros. Espantei a timidez e me apresentei. Ele me cumprimentou com a mesma cordialidade do rádio. Conversamos uns 15 minutos. Apolinho quis saber o nome das meninas, se iam bem na escola, em que cidade vivíamos.
Eu, Arquibaldo e Geraldino, na infância e na juventude, guardei o abraço do ídolo. É saudade pra toda a vida.
*Luis Cosme Pinto é autor do livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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