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Francisco Attié

Escritor e jornalista. Seus textos e fotos são publicados na revista GQ e no jornal Gothamist em Nova Iorque

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Formigas do futuro, formigas do passado

"Não somos formigas. Somos só eleitores"

(Foto: Sandeep Handa/Pixabay)

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Tive um professor de matemática que tinha um blog chamado “formigas incomodam gado.” Na época me vinha a imagem de sua sala de aula sendo violentada por formigas que se alojaram em todas as pequenas fendas e buraquinhos da sala.

Lembro de entrar uma vez no blog quando estava bem interessado em matemática, entendendo que se tratava de um blog de matemática, e encontrar uma porrada de opiniões políticas das mais variadas fontes. Não tinha nada com nada. Era um pouco conspiratório, um pouco de direita, um pouco de esquerda. Uma vez chegou a escrever que se casou com a esposa porque na faculdade ela discursava muito bem, e naquela época adorava ouvi-la discursar. Usou de ponto de partida para falar do momento atual da esquerda brasileira, e porque agora (na época) buscava um divórcio dela. Da esquerda, no caso. Jurava de amores à mulher.

Agora me pego pensando sobre as formigas. Que que tinha a ver as formigas? Seriam elas de esquerda? De direita? Nas suas mais cruas sociedades, será que as formigas têm diferentes propostas de governo? Será que ficam ressentidas as formigas que são forçadas a seguir a ideia de outras? O meu professor era um cara bem condescendente. Aceitava todas as decisões que vinham da diretoria. Buscava impor seus gostos sobre os alunos, mas não tentava educar além de sua matéria, isto é, não buscava criar alunos com senso crítico, assim como tantos outros professores também não o fazem quando se sentem inócuos e chochos fora da escola. Lembrando só que tudo isso são suposições minhas, tá? Mas imagino que ele fosse assim. Um cara meio ressentido, mas além de tudo acomodado. Que buscava as pequenas virtudes da sua vida onde podia, mas também não se lixava de buscar além do seu jardinzinho. Ou blog, no caso. E se um dia as formigas por fim roessem todas as fundações da sua casa, como há tanto já haviam destruído a sala que eu imaginara, não buscaria se mudar. Não se importaria tanto. Veria aquele acontecimento hediondo por um lado positivo. Ali nas ruínas, encontraria temas para seu blog. Encontraria culpados, e pequenos pedaços de terra carregados de vidas passadas, dos quais levantaria um novo morrinho para suas formigas, de tal sorte que nunca o abandonassem. Assim seria feliz de novo. Ou no máximo contente.

Acho que o mais triste é que não compreendia as formigas. Dava a elas traços humanos. Desconhecia sua natureza. Impregnava-as com seu mundo caduco. Mundo aquele que adorava por pior que ficasse. Não buscava melhorá-lo. Até porque melhorar o mundo muitas vezes implica abandonar o mundo passado. Que é aquilo que mais teme um bom ser que não é nem de direita nem de esquerda: mudança.

Não sei se ainda dá aula na escola. Ano que vem vai fazer 10 anos da minha formatura. Se estiver lá ainda, espero que esteja bem. Espero que tenha deixado de lado as formiguinhas que perambulavam seus pensamentos. Espero que tenha enfim tomado uma posição, mais ou menos madura, mas que pelo menos tenha escolhido um futuro. E não aquele futuro trágico do habitual “está bom, só não deixa ficar pior.” Por que com esse sentimento, é capaz de acatar todos os mais variados assassinatos culturais em prol desse mundo medroso, e escutar de peito aberto aquele que busca ser ditador, que quer continuar passando a boiada, que quer deixar o mundo como está.

Não escrevi isso se não para tirar da minha cabeça. Achei engraçada a imagem das formigas mobilizando o formigueiro com seus palanques e promessas de campanha. E um blog intrépido noticiando tudo, buscando sempre o ideal jornalístico falido de não dar nome aos bois, de apenas noticiá-los. Apresentando candidata formiga A, e candidata formiga B. Listando as promessas de candidata formiga C, que é estelionatária. Ou as de D, que nunca saiu da escola e faz campanha como se fosse pra grêmio estudantil. Candidata E busca re-eleição, chama candidata A de comunista. B, então, se sente esquecida, chama E e C de criminosas e redescobre sua personagem. E o blog escreve sobre tudo. Se sente desbravando aquele meio político. Mas infelizmente não entende de nada. Coloca no mesmo patamar todas as candidatas, como se fossem realmente todas iguais. Seres mitológicos que buscam governar o povão. E, de novo, não compreende as formigas. Normaliza candidatas desonestas, dá a entender que desonestos somos todos. Faz um baita desserviço ao eleitorado. É, como sempre, omisso, porque na omissão as coisas ficam sempre iguais. E se estão iguais, é mais fácil comentá-las. É mais fácil repudiar. É mais fácil recomendar. É mais fácil clamar a volta de uma época boa, de que todos pouco se recordam, e nem sabem nomear. É o blog da nostalgia! É a eleição do passado!

Fica para nós então trabalharmos de mãos dadas, como boas formigas, em prol do defunto e da memória…. Quatro anos atrás elegemos um prefeito com o pé na cova. (Deus me perdoe a expressão.) Dessa vez podemos escolher entre um coveiro, um pilantra, um apresentador sensacionalista, uma deputada que tanto não agrada quanto desagrada ninguém, e um professor. Mas diferente daquele meu saudoso professor de matemática, é um professor que trata além de seu formigueiro, que pensa além do passado. Que busca a melhora por meio da mudança, que pensa no futuro. Que se fosse formiga, se fôssemos todos formigas, o seguiríamos sem delongas. Afinal, movidas pela evolução, não buscaríamos as opções que continuam o desmonte do ser vivo.

Mas não somos formigas. Somos só eleitores. E como bons eleitores, educados por jornais e professores, fazemos escolhas muito difíceis, e sempre pelo menos pior. Já dizia o pateta: “Deus tenha misericórdia dessa nação, [Mickey].”

Tive um outro professor que também fomentava um blog. Era professor de história e seu blog era sobre futebol. Diferente do professor de matemática, os alunos tinham opiniões fortes sobre ele. Alguns gostavam, outros detestavam. Muito se deu por conta da primeira aula que teve com a nossa turma, na qual nos apresentou a revolução francesa como uma revolução machista. Engendrou brigas com pais de direita, que se sentiam ofendidos em ver os filhos entrando em contanto com feminismo, e pais de esquerda, que foram criados sob a ideia de que tudo que há de bom na política nasce na França do século XVIII. Os alunos filhos dos pais de esquerda então sempre tiveram um pé atrás com ele, e os filhos de pais de direita o viam como um grande criador de problemas, ideólogo que buscava corromper seus filhos pro lado escuro da força.

Encontrei seu blog não pelo interesse em história, esse sempre tive, mas pelo interesse em futebol. Achei legal, mas confesso que também um pouco insosso. Na época me emocionava mais saber sobre os grandes times do futebol internacional, e ele buscava escrever e fotografar times pequenos do interior de São Paulo. Nunca disse a nenhum dos dois que tinha lido seus blogs. Nunca mais vi o professor de matemática, mas esbarrei no professor de história junto com alguns amigos da escola em uma manifestação em 2023, contra os atos golpistas do 8 de janeiro. Ficou feliz de nos encontrar, embora, pelo que me lembre, nunca tenha sido muito meu fã (discordava muito dele). Já não era mais professor da escola. Tinha sido demitido. Mas por fim, viu que suas aulas tinham comovido alguns poucos alunos. Que é o sonho de todo professor.

O terceiro professor, o candidato, busca agora o apoio de muitos. E já tem o voto de vários. Anda numa corda bamba entre o professor de história e o de matemática. Anima tanto amor quanto ódio, e para ser eleito, vai ter de passar a imagem de condescendência para muitos outros. Seu grande problema é o de incomodar a elite. E incomoda bastante, e por mais que tente se adequar a todos os gostos, vai sempre ser uma pedra, ou uma formiga, no sapato daqueles que não querem mudança.

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