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    Pierpaolo Cruz Bottini

    Advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

    12 artigos

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    Gilmar Mendes: duas décadas na trincheira da legalidade

    "Em seus 20 anos de corte, exerceu a jurisdição honrando a independência do cargo ocupado", escreve Pierpaolo Cruz Bottini

    Ministro Gilmar Mendes, do STF (Foto: Fellipe Sampaio /STF)

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    (Originalmente publicado no Conjur)

    Das complexas relações entre os três poderes da República, o Judiciário emerge como força contramajoritária. Libertos do escrutínio eleitoral e dos humores da opinião pública, capazes de exercer suas funções sem preocupações com aplausos ou vaias,  magistrados têm na lei — e não na aprovação popular — o esteio que garante a legitimidade de sua atuação.

    Essa condição peculiar permite ao Judiciário — em especial ao Supremo Tribunal Federal — o enfrentamento de modismos ou furores midiáticos. É bem verdade que a isenção impõe custos. Salvaguardar decisões de borrascas supõe suportar sua violência, composta de hostilidades públicas e cobranças privadas.

    Mas, como dizia Evandro Lins e Silva, "o juiz tem que enfrentar mesmo as borrascas, as tempestades, as dificuldades políticas da ocasião e proferir sua decisão com a mais absoluta serenidade, para impedir que a pessoa seja vítima de um terrorismo publicitário, seja vítima de uma acusação em que a opinião pública é mobilizada, mas depois se verifica o erro da opinião pública".

    Nesse contexto, não passa despercebia a figura do ministro Gilmar Mendes. Em seus 20 anos de corte, exerceu a jurisdição honrando a independência do cargo ocupado. Preservou a toga da subserviência aos clamores públicos, muitas vezes inebriados com vinditas incensadas pela mídia, ou encantados com heroísmos judiciais, que encobriam tacanhos usos da função pública para a construção de futuras candidaturas políticas.

    Recebeu as esperadas críticas e os ataques, físicos e virtuais, desferidos contra aqueles que ousam refutar linchamentos políticos. Mas conferiu à cadeira que ocupa a dignidade merecida.

    Não o fez passivamente. Em defesa da legalidade, perante investidas daqueles que entendem que o Estado de Direito é um obstáculo a uma Justiça primária e imatura, de rogado não se fez. Apartou votos e sustentou posições com firmeza, em inúmeras oportunidades, ensinando que a luta pelo direito não se faz apenas por estudos dogmáticos, livros ou grandes conferências, mas no cotidiano, em cada sessão, debate, nas vírgulas sobre as quais se podem construir, pouco a pouco, perigosas armadilhas para a presunção de inocência, o devido processo legal, e tantos outros princípios e garantias salvaguardados, a muito custo, em nossa Carta Maior.

    Foi assim que obstou as conduções coercitivas, instrumento largamente usado para intimidar e submeter investigados em inquéritos policiais (ADPFs 395 e 444); garantiu que delatores devem ser os primeiros a se manifestar em processos penais, assegurando que os demais réus possam exercer sua defesa conhecendo a narrativa daquele que assiste à acusação (HC 157.627); restringiu a anacrônica prisão temporária, reconhecendo a ilegalidade desse resquício da prisão para averiguação, e garantindo que qualquer limitação ao direito de ir e vir deve estar fundada na obstrução ao processo ou na existência de indícios de futura não observância da determinação judicial (ADIs 4.109 e 3.360).

    À frente do Conselho Nacional de Justiça, não se limitou às pautas corporativas, que por vezes ocupam todo o tempo da instituição. Sensível à questão carcerária, criou mutirões para corrigir prisões com excesso de prazo, exigir que lacunas fossem supridas, e fazer com que o Estado cumprisse com o seu dever básico de não restringir a liberdade de qualquer cidadão por mais tempo do que aquele previsto em lei ou em sentença judicial. Como bem afirmou Toron, Gilmar Mendes "desenvolveu o maior programa de direitos humanos que o país conheceu na questão do encarceramento" [1].

    Não se faz Justiça sem percalços. Não se assegura o Estado de Direito ou a democracia em uma única contenda, mas no esforço cotidiano para consolidar instituições, para preservar seus contornos diante dos mais criativos ataques. E nessas trincheiras indispensáveis, em que a eterna vigilância é um dever, por duas décadas o ministro Gilmar Mendes tem sido um constante parceiro da Constituição e de todos aqueles que almejam construir uma nação com segurança jurídica e respeito aos direitos fundamentais.

    Obrigado, ministro, e que os próximos muitos anos o encontrem com saúde e disposição necessária para seguir cumprindo com o juramento feito em sua posse: defender o Estado de Direito e a Constituição.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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