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    Moisés Mendes

    Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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    Gregório Duvivier é o Pasternak do humor-Wikipédia

    É o grande momento de um influencer que copia os métodos da direita, amplifica controvérsias e até consegue direcionar o debate nas esquerdas

    Gregório Duvivier (Foto: Reprodução/YouTube/HBO Brasil)

    As esquerdas brasileiras vêm há anos perdendo a chance de debater o que pretendem ser na velhice precoce que as atormenta. O vácuo foi ocupado por influencers, e o mais astuto deles é com certeza Gregório Duvivier.

    Seguidores e adoradores de Duvivier o apresentam como alguém com lugar de fala, porque não seria um bezerro do gado lulista, mas um legítimo novo homem da esquerda. Se for mesmo, eu sou o mais perigoso anarquista que Alegrete já teve.

    Se Duvivier é de esquerda com armas para dizer como Lula deve preencher a próxima vaga no Supremo, não como palpite, mas como imposição quase religiosa, Reinaldo Azevedo não é apenas um boi careca do novo rebanho petista, mas um comunista a ser vigiado.

    Se Duvivier é um antilulista da esquerda do século 21, William Waack adora negros americanos, o homem-mosca Diogo Mainardi ama pobres e os garimpeiros vão salvar a Amazônia.

    Se Gregório Duvivier é parte de um campo da esquerda dado a discordâncias, se ataca Lula para alargar e reafirmar esse campo crítico e lúcido e se ao mesmo tempo patrocina piadas racistas com Iemanjás negras, está tudo bem?

    Não deveria estar. Entre outras barbeiragens éticas, o Porta dos Fundos de Duvivier lida mal com os negros. E Duvivier diz querer uma mulher negra no Supremo, para que as mulheres tenham força.

    Todos que não militam no bolsonarismo querem mais mulheres poderosas, em todas as áreas, e essa não é uma demanda identitária.

    Mas é possível suspeitar, no humor do vale tudo, pelos antecedentes, que Duvivier esteja querendo uma mulher negra no Supremo para dispor de material novo para o humor racista do seu Porta dos Fundos.

    Tão racista que já produziu vídeo em que uma Iemanjá negra e prestativa tenta entender as demandas dos homens e se dispõe a chupar um branquela, porque é assim, segundo o Porta dos Fundos, que uma verdadeira Iemanjá submissa trabalha.

    Está no vídeo ‘Amarelo’ no Youtube. É mais do que a sexualização de Iemanjá, é a depreciação de uma representação religiosa e cultural, com seus poderosos significados para a afirmação dos negros.

    Fábio Porchat, um dos fundadores do grupo e amigo de Duvivier, é o roteirista do filme da Iemanjá chupadora. Porchat já disse que o humor não tem limites, ao defender as piadas de um certo Leo Lins sobre escravidão e crianças com autismo.

    Se o Porta dos Fundos imagina uma Iemanjá negra que presta serviços sexuais a brancos, imaginemos o que Duvivier pode imaginar de uma ministra negra no Supremo.

    Se o Porto dos Fundos de Duvivier se diverte depreciando a mulher negra, sua cultura e sua religião, o que o seu humor não faria com uma negra em posição de destaque na mais alta Corte da Justiça? Ou com o poder não se mexe?

    O que o Porta dos Fundos fez no vídeo de Iemanjá já foi definido pela escritora e militante feminista Stephanie Ribeiro, na revista Marie Claire, como mais uma obra do racismo recreativo.

    Ah, dirão, o vídeo é de 2019. Mas ainda está no YouTube. E o que Duvivier tem com isso, se o humor é livre e solto como um líder bolsonarista?

    O escalador de ministras negras é a figura do humor de influencer que melhor aproveita o filão antifascista. É um nicho imenso e em expansão depois da vitória de Lula.

    Gregório é o iconoclasta de gravata, o Mangabeira Unger do humor anti-Lula, é o Pasternak do humor de lacração que parte da esquerda também cultua por ser científico e de fácil assimilação.

    Mas, para repetir, essa não é uma questão de lugar de fala. Muitos com fala no lugar certo já tentaram provocar PT e esquerdas para além das questões pontuais e bombásticas.

    Olívio Dutra, Tarso Genro, Luiz Eduardo Soares e José Genoíno, para citar apenas quatro, já ofereceram luzes a questões relacionadas com os limites das coalizões e as más companhias, os impasses da comunicação horizontal em tempos de esgotamento das falas e das lideranças verticais, as provocações não assimiladas do identitarismo que imobiliza as esquerdas e o adiamento eterno do enfrentamento do poder militar.

    Ninguém dá atenção ao que eles repetem, porque pensar é tão cansativo quanto agir diante de impasses complexos. Não há uma réplica com alguma consistência.

    É desse vazio que se ocupam os influencers lacradores, com questões pontuais e relevantes de fácil assimilação (queremos uma negra no STF) ou pregações genéricas à moda da extrema direita (não tenho um governo de estimação).

    Duvivier faz o humor-Wikipédia, em que toda piada tem o lustro de uma estatística ou de um dado histórico ou de uma citação. Tudo na base do como dizia Napoleão.

    Há um superdimensionamento do que ele diz e deve, claro, continuar dizendo, sempre com o risco da invertida, porque temos um influencer em cada esquina das redes sociais.

    Duvivier, se continuar se esforçando, pode ser o Diogo Mainardi do humor de internet e daqui a pouco chamar Lula de anta. Sempre com uma claque fiel e irritadiça.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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