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    Luis Cosme Pinto

    Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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    Guerra sinistra

    Mais de 150 anos depois, a hostilidade resiste num preconceito inexplicável

    Guerra do Paraguai

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    Cuidado! Você pode ficar em recuperação e até não passar de ano. Por isso, estude sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. É matéria obrigatória nas aulas de História. Serve pra você, filhos, netos.

    Já a principal guerra que nosso país se envolveu, a mais longa, a mais sangrenta e com mais prejuízos, está sepultada como seus quase 400 mil mortos – pelo menos nas escolas. Pouco lembramos do conflito com o Paraguai, na segunda metade do século XIX.

    No livro Guerra Sem Fim, Um Romance sobre a Guerra do Paraguai, o escritor Mauro Silveira, conta como uma briga política no Uruguai causou o conflito que uniu Brasil, Argentina e Uruguai contra os paraguaios.

    Em pouco mais de 300 páginas o escritor revela que a Guerra não terminava porque do lado de lá Solano López não se entregava; do lado de cá, o imperador Pedro II só admitia a paz com o ditador paraguaio preso.

    O que levaria 5 meses se arrastou por 6 anos. Na maior guerra da América do Sul, o Paraguai perdeu mais da metade da população e o Brasil entrou numa dívida colossal.

    Décadas depois dos últimos golpes de baioneta, o Paraguai descobriu que tinha se tornado vítima de um preconceito internacional. História sinistra, em que um dos países mais pobres do continente, passou a ser ofendido pelo maior e mais rico.

    Fomos nós, os brasileiros, que passamos a chamar situações vexatórias ou produtos ruins de “paraguaios”. Inventamos um adjetivo, que ofende nossos vizinhos de forma ampla, geral e irrestrita.

    Se o uísque é ruim ou falsificado, passa a ser chamado de “uísque paraguaio”. Ora, ora até na Escócia, pátria do puro malte, se você procurar encontrará a bebida falsificada. O mesmo serve para a salsicha alemã ou o vinho da França.

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    Capa do livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luís Cosme Pinto(Photo: Reprodução)

    Como jornalista, fiz mais de uma reportagem sobre destilarias clandestinas em São Paulo e nunca ouvi dizer que a pinga ou a vodka envenenada era “brasileira” ou “paulista”. Ainda bem.

    Difícil entender porque “paraguaio” virou sinônimo de pirata, vagabundo, clandestino. Sabemos que turistas de muitas partes do mundo – os sacoleiros brasileiros estão entre os primeiros da lista – vão ao país vizinho comprar artigos importados mais baratos. Existem produtos legais com Nota Fiscal e outros de procedência duvidosa. É assim também em Nova York, Tóquio ou Campinas. O contrabando é globalizado.

    É comum em São Paulo a polícia fazer grandes apreensões de cigarro adulterado. Mesmo sem saber quem são os criminosos há sempre um gaiato a colar o rótulo: é “cigarro paraguaio”. De novo, se esse tipo de crime acontece mundo afora, porque só o Paraguai paga a conta?

    Será que se os políticos corruptos de outros países passassem a ser apelidados de brasileiros, ou se estupradores ou traficantes de qualquer parte do planeta fossem chamados de brazucas, a gente gostaria?

    Há ainda outra expressão vergonhosa: “cavalo paraguaio”. Teria nascido nos hipódromos brasileiros para apelidar o puro sangue que larga veloz na frente e no fim da corrida entrega os pontos.

    Levamos a expressão ao futebol. No último campeonato brasileiro, meu amado Botafogo abriu larga vantagem. Na metade do torneio, a imprensa já dizia que podia encomendar as faixas de campeão. Porém, no segundo turno, o Botafogo perdeu e perdeu tanto que o título “garantido” escapou. Logo alguém provocou e a multidão de Maria Vai Com as Outras repetiu; é “cavalo paraguaio”. Que relação pode ter um cavalo, ou mais ainda, o povo paraguaio, com o fracasso de um time que perde um título ganho?

    Fui uma vez ao Paraguai e voltaria com prazer. Gostei da hospitalidade, das guarânias, da cerveja e de ouvir o guarani; comprei um relógio e usei por dez anos. Parou uma vez porque esqueci de dar corda.

    Aqui em São Paulo, paraguaios aceitam o trabalho rejeitado pelos brasileiros nas confecções escuras e abafadas da região central. Exploração escancarada que de vez em quando vira notícia.

    Do outro lado da ponte da Amizade, o Congresso paraguaio exige uma reparação do governo brasileiro. Quer desculpas formais e muitos bilhões de reais pelo que chama de conflito criminoso e abusivo.

    154 anos depois, a guerra sinistra não acabou.

    *Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, livro de crônicas que será lançado sexta-feira, 07/06, na livraria Quixote, em BH.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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