Intransigências marcam a negociação na UERJ: estudantes continuam na luta por seus direitos
A questão ainda está longe de uma solução
Por Maria Eduarda Honório, Arthur Doring, João Pedro de Oliveira Lima, Luna Cordeiro e Felipe Abreu - As negociações entre a reitoria da UERJ e os estudantes têm sido marcadas por um ambiente de tensão e pouca capacidade real de diálogo. Em reuniões convocadas pela reitora, que frequentemente não comparece, o vice-reitor tem liderado as conversas, mas suas ações apenas inflamam o conflito, demonstrando pouca tolerância para o contraditório e paciência para mediação. Como exemplo recente em que se apresentou dados orçamentários que os estudantes rapidamente identificam questionáveis, os mesmos foram tratados como mentirosos, mesmo quando estes o confrontaram com informações oficiais extraídas do Diário Oficial do Estado.
É importante frisar que a universidade passou nos últimos anos por uma série de mudanças internas no seu âmbito institucional, como a criação da Pró-reitoria de Políticas e Assistência Estudantis – PR4 – estabelecida em 2020 através da resolução nº 04 de 2020 do CONSUN e estruturada pelo AEDA nº 17 de 2020, como parte da estrutura superior da UERJ. A PR4 foi responsável pela ampliação das políticas públicas de permanência estudantil, aumentando as bolsas permanências e as estendendo aos alunos da Pós-graduação stricto sensu e aos estudantes que ingressaram em ampla concorrência e que se encontravam em vulnerabilidade social.
A criação do auxílio-alimentação, auxílio-transporte, auxílio-creche e auxílio-material didático durante a crise sanitária da COVID-19 foi central para a permanência de milhares de estudantes da universidade, que dependiam diretamente das políticas públicas de assistência estudantil da universidade para sobreviver durante o isolamento social. É importante lembrar que a UERJ é pioneira em políticas públicas para populações vulnerabilizadas: Foi a primeira universidade do país a adotar o sistema de cotas, em 2003. Para a comunidade universitária, defender o bem-estar de seu corpo discente e os programas de permanência estudantil é honrar o legado que a universidade tem para com os racializados e vulneráveis.
Dessa forma, no dia 26 de julho de 2024, recebemos com surpresa a edição do Aeda 38/24, que anunciava uma reformulação nos critérios para a concessão de auxílios estudantis, resultando no corte do auxílio-alimentação no campus Maracanã e na imposição de novos critérios que reduzem significativamente o número de bolsas e auxílios destinados à assistência estudantil. Essas mudanças impactam diretamente milhares de estudantes da UERJ que dependem desses recursos para continuar seus estudos e concluir o ensino superior, colocando em risco suas condições de permanência na universidade.
Uma das alterações mais preocupantes do novo Aeda é a redução da vulnerabilidade social apta para receber auxílios, que passaram de um salário mínimo e meio para meio salário mínimo de renda familiar per capita –um valor de R$706 – representando um corte brutal e inesperado na renda de inúmeros estudantes que dependem dessas políticas para estudar e sobreviver.
Pelos estudantes, o Ato Executivo de Decisão Administrativa ficou conhecido como o “Aeda da Fome”, que corta 46,17% da Assistência Estudantil na universidade; 17,69% no auxílio transporte; 54,13% nas bolsas de pós-graduação e 75,82% no auxílio alimentação. De acordo com a própria reitoria, 1,2 mil estudantes deixam de se enquadrar nas exigências para recebimento de bolsas. A atual reitoria tinha se comprometido, no início do ano, a prorrogar bolsas e auxílios até o fim de 2024. A amarga notícia, anunciada durante o recesso letivo, foi recebida com revolta pela comunidade. Em particular, pelo período de esvaziamento de férias e pela falta de comunicação da reitoria resumida a informes, não resta dúvidas sobre a tentativa de desmobilização do movimento estudantil para reagir a algo que já era planejado, sobre o corte na parte mais vulnerável da universidade.
A recente proposta de substituição do “Aeda da Fome” não trouxe avanços concretos. O descontentamento cresce diante da percepção de que, embora a UERJ tenha recebido uma suplementação de R$ 165 milhões – recurso conquistado pelas lutas estudantis –, esse montante não está sendo destinado à permanência estudantil, mas a outras prioridades estruturais que não eximem a necessidade dos auxílios. Isso mantém intactas as restrições impostas pelo Aeda, não trazendo nenhum avanço em relação ao que já havia sido rejeitado pelos estudantes semanas antes.
Diante da negação dos estudantes em aceitar a proposta que não pareceu justa, o vice-reitor, ao invés de estar aberto ao debate, ameaçou desocupar o campus à força caso não houvesse um acordo até a próxima quarta-feira, data prevista para ser a última reunião de negociação.
Foi a segunda vez, em dois dias, que a reitoria apresentou informações imprecisas sobre o orçamento da UERJ. No dia 29, durante o Fórum de Diretores, foi apresentada uma tabela que indicava que o orçamento aprovado pela LOA para 2024 era de R$ 1.760.640.129,00. No entanto, um professor presente corrigiu a informação, apontando que o valor verdadeiro publicado no Diário Oficial é de R$ 1.950.868.400,00. A diferença de R$ 190.228.271,00 deve-se à não contabilização de recursos próprios, que representam uma parcela significativa do orçamento.
Essa exclusão poderia ser vista como um erro metodológico, caso a mesma tabela não tivesse incluído esses recursos no orçamento de 2023. Mesmo após a correção feita com base nos dados do Diário Oficial, a reitoria não alterou sua posição.
Ainda que se pudesse admitir que, no calor do momento e sem assessoria adequada, o erro não tenha sido corrigido, a reitoria repetiu os mesmos números incorretos no dia seguinte, com auxílio de um slide, em reunião com as representações estudantis. Neste ponto, não se pode mais atribuir o problema a um simples equívoco.
Os R$ 190 milhões omitidos não são um detalhe; representam mais do que a economia que a reitoria pretende alcançar com o Aeda da Fome. Essa apresentação distorcida parece uma tentativa de convencer que os recursos disponíveis são menores do que na gestão anterior, quando, na verdade, há R$ 270 milhões a mais no orçamento, que resulta no maior orçamento da história da UERJ.
Com intimidações ao invés de boa vontade para as negociações, a questão ainda está longe de uma solução, e os estudantes seguem firmes na luta por seus direitos.
Maria Eduarda Honório é historiadora e parte do Centro Acadêmico de História da Uerj-FFP, Arthur Doring é ex-aluno da Uerj e mestre em Ciências Sociais, João Pedro de Oliveira Lima é historiador e parte do Centro Acadêmico de História da Uerj-FFP, Luna Cordeiro é parte do Centro Acadêmico de Pedagogia da Uerj, Felipe Abreu é parte do Centro Acadêmico de Comunicação Social da Uerj.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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