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    Luis Cosme Pinto

    Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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    Intruso

    O invasor aterrorizou Débora. Assombrada, ela não percebeu que estava bem protegida

    Rato (Foto: Pixabay Free)

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    São Paulo tem bairros que parecem cidades, de tão grandes. E tem também os que levam cidade no nome. A zona leste tem várias “cidades”: a Tiradentes é uma delas. Na zona sul são mais duas: Cidade Dutra e Cidade Ademar.

    A jornalista Débora, vamos chamá-la assim, não esquece o dia em que conheceu Cidade Ademar, quase no limite com Diadema.

    Um morador telefonou para a TV Cultura e pediu que o jornal 60 minutos fizesse uma reportagem sobre a infestação de ratos na região. Débora não tem certeza se foi na favela do Levanta Saia ou do Buraco Quente. Talvez tenha sido nas duas.

    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto
    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto(Photo: Reprodução)Reprodução

    Esquecidas pelas autoridades, as comunidades, de córregos poluídos e praticamente sem coleta de lixo, atraíam os bichos pela sujeira e mau cheiro.

    Minha amiga Débora ainda comenta o susto que levou ao entrar na casa pequena de madeira, em que a família de sete pessoas dividia um cômodo e um banheiro. Em cima da tampa do vaso sanitário, um paralelepípedo impedia que as ratazanas, depois de escalar o cano, abrissem a privada com o corpo avantajado e assombrassem a casa.

    Débora ouviu os moradores, cobrou a prefeitura e entrevistou um pesquisador de roedores. Com a voz baixa e o olhar tímido, o estudioso assustou quem acompanhava a reportagem em plena hora do almoço.

    - São Paulo tem ratos em todos os bairros. A bicharada vive nos subterrâneos e sai de vez em quando.

    - Dá para fazer um cálculo de quantos são? Débora quis saber.

    - Para cada morador da cidade existem 10 ratos. Como somos 12 milhões, são cerca de  120 milhões de camundongos, ratazanas e ratos de telhado.

    “Uau! 120 milhões de ratos!” Gritaram, estarrecidos, os jornalistas que assistiam a reportagem na redação.

    Débora já se aposentou, mas é certo que os ratos continuam na ativa nas incontáveis favelas da cidade, do país, do mundo. Os moradores se defendem e, às vezes, também atacam com armadilhas e ratoeiras.

    Bem misturados, açúcar, farinha e bicarbonato de sódio atraem e liquidam o bicho; outra mistura fatal é gesso espalhado em requeijão ou em queijo ralado. Na falta de veneno uma cebola cortada é receita infalível para afastar os comilões.  

    Débora, que continua em contato com o pesquisador de roedores, me contou tudo isso no último apagão em São Paulo. De início não entendi a relação da falta de energia com os roedores.

    - Tá tudo aceso aqui, o problema é que a tempestade estourou canos e um rato entrou no meu apartamento, que fica no primeiro andar. Até já chorei de desespero.

    Ficamos meio minuto em silêncio. Eu porque não sabia o que dizer. Ela porque não conseguia falar.  

    - Ele atacou as frutas, devorou o bombom que ganhei de presente, mordeu o pão de fermentação natural, fez sujeira e está escondido fazendo a digestão sei lá onde. Tenho medo, raiva e asco de rato!  

    Antes que ela me pedisse qualquer prova de coragem, encontrei na internet uma empresa especializada em combater o intruso. Aí, parti pra lá. Cheguei junto com Josimar e sua moto. Ex-porteiro, ex-entregador, ex-manobrista, o cearense Josimar agora é um caçador.

    Ele deu as ordens. “Todos os alimentos guardados na geladeira, armários fechados, portas vedadas.” Pela área de serviço e cozinha, espalhou os tabletes do veneno, inofensivo para pessoas e animais domésticos.

    Josimar vasculhou embaixo do fogão, atrás da geladeira, quase desmontou a máquina de lavar. Nada. Apontou a lanterna para todos os cantos. O resultado foi o mesmo.

    O homem se despediu com a confiança dos vencedores. “Dona Débora, fique tranquila, ou o intruso morre ou foge. Nosso serviço não falha.”

    Só no dia seguinte, depois da aflição de uma noite de insônia e dos 400 reais que pagou a Josimar, Débora lembrou que tinha a melhor das vigilantes: Bethânia, a gatona peluda e de olhos cinzentos. Naquela manhã, a bichana pulou da cama e rondou incessantemente a porta da cozinha. Agora sim, tava tudo dominado.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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