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Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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Israel e a ascensão do fascismo judaico

Levanta-se máscara do estado de apartheid de Israel, expondo a cabeça arreganhada da morte que pressagia obliteração das restrições contra matança de palestinos

Onde há fumaça... (Foto: Mr. Fish)

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Artigo de Chris Hedges originalmente publicado no website do autor em 11.12.22. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247.

O governo de coalização de extremistas judaicos proposto por Benjamin Netanyahu com sionistas fanáticos e intolerantes religiosos representa uma mudança sísmica em Israel, uma que exacerbará o status de pária de Israel, erodirá o apoio externo à Israel, colocará combustível numa terceira insurreição palestina, ou intifada, e criará uma divisão política irreconciliável dentro do estado judaico.

Escrevendo no jornal israelense Haaretz, Alon Pinkas chama o governo de coalizão - que está agendado para assumir o poder dentro de uma ou duas semanas – de “uma caquistocracia extraordinária: um governo da pior e menos adequada coleção de políticos ultranacionalistas, supremacistas judaicos, antidemocratas, racistas, intolerantes, homofóbicos, misóginos, corruptos e políticos alegadamente corruptos. Uma coalizão de 64 legisladores, dos quais 32 são ultraortodoxos ou sionistas religiosos. Certamente não é uma coalizão que Zeev Jabotinsky [fascista judeu treinado por Mussolini], o pai do revisionismo judaico, ou Menachem Begin, o fundador do partido Likud, poderiam jamais imaginar.”

Itamar Bem-Gvir, do partido ultranacionalista Otzma Yehudit, ou “Poder Judaico”, será o novo ministro de segurança interna. O partido Otzma Yehudit é composto por membros do partido Kach, do rabino Meir Kahane – que foi banido de concorrer à Knesset [parlamento israelense] em 1988 por esposar uma “ideologia similar à nazista” que incluía a defesa de uma limpeza étnica de todos os cidadãos palestinos de Israel, bem como de todos os palestinos que vivem sob a ocupação militar israelense. A nomeação de Ben-Gvir, em adição às nomeações de outros ideólogos da extrema direita, incluindo Bezalel Smotrich, para comandar os Territórios Palestinos Ocupados [OPT – Occupied Palestinian Territories], efetivamente alija as hostes de sionistas liberais que costumavam defender Israel como a única democracia no Oriente Médio, que busca um acordo pacífico com os palestinos com uma solução de dois estados, que o extremismo não tem lugar na sociedade israelense e que Israel deve impor formas draconianas de controle sobre os palestinos para evitar o terrorismo.

Ben-Gvir e Smotrich representam a escória da sociedade israelense, uma que promove a “identidade judaica” e o “nacionalismo judaico” numa versão sionista do clamor fascista por sangue e terra. Eles são os equivalentes israelenses de Lauren Boebert e Marjorie Greene [parlamentares fascistas estadunidenses]. O seu bloco sionista religioso agora é o terceiro maior na Knesset.

Bem-Gvir, que foi rejeitado ao serviço militar devido ao seu extremismo, roubou um ornamento do capô do carro de Yitzak Rabin algumas semanas antes do então primeiro-ministro ser assassinado, em 1995, por um extremista judeu, Yigal Amir. Amir, como muitos israelenses da extrema direita - discutivelmente como o próprio Netanyahu – consideravam o apoio de Rabin aos Acordos de Oslo como um ato de traição. “Nós chegamos até o carro dele e nós vamos pegá-lo também”, disse então Ben-Gvir. Ele clama pela deportação de palestinos que confrontam soldados israelenses, dos seguidores do movimento do movimento judaico antissionista ultraortodoxo Neturei Karta, bem como do membro israelense-árabe da Knesset Ayman Odeh e do membro antissionista marxista da Knesset Ofer Cassif, que é judeu.

As velhas narrativas que Israel usava para justificar-se sempre foram mais ficção do que realidade. Há muito tempo, Israel se tornou um estado de apartheid. Através dos seus assentamentos ilegais só para judeus, Israel controla diretamente áreas militares restritas e instalações do exército que cobrem 60% da Cisjordânia e tem controle de facto do resto. Há 65 leis que discriminam direta ou indiretamente os palestinos que são cidadãos israelenses e aqueles que vivem na OPT.

As velhas narrativas estão sendo substituídas por telas digitais cheias de ataques que mostram palestinos e árabes (muçulmanos e cristãos) como elementos contaminantes e uma ameaça existencial para Israel. Este discurso de ódio é acompanhado por uma cruel campanha interna para silenciar “traidores” judeus – especialmente aqueles que são liberais ou esquerdistas e seculares. Uma autocracia operada pela Otzma Yehudit acabará com o debate democrático, eviscerará as proteções da sociedade civil e codificará ais ainda o que tem sido a realidade há tempos – a supremacia judaica e a contínua limpeza étnica dos palestinos da sua própria terra que remonta à fundação de Israel nos anos de 1940.

O que uma vez era impensável, agora é pensável – como a anexação formal de grandes setores da Cisjordânia, incluindo a “Área C”, na qual vivem cerca de 300.000 palestinos. A matança de cerca de 140 palestinos neste ano, incluindo a jornalista palestina-estadunidense Shireen Abu Akleh, é o maior número de mortos desde 2006 (sem incluir as maiores escalações de violência, como os bombardeios israelenses de Gaza). Isso foi acompanhado por ataques palestinos que deixaram 30 israelenses mortos.

O novo governo israelense acelerará estas matanças, juntamente com as demolições de casas e escolas, as expulsões de palestinos de Jerusalém Oriental, o desenraizamento de olivais palestinos, as prisões em massa e a limpeza étnica de palestinos. A totalidade destes crimes qualificam-se como o crime internacional de genocídio, segundo o Centro para os Direitos Constitucionais [Center for Constitutional Rights] de New York explicou em 2016.

Gaza, a maior prisão a céu descoberto do mundo, continuará a ser a área mais frequentemente bombardeada e atingida por mísseis. A sua infraestrutura, incluindo os sistemas de água, eletricidade e esgoto, bem como as suas instalações de armazenagem de combustíveis, serão alvos para obliteração. Os habitantes de Gaza e os palestinos da Cisjordânia serão sujeitos a bloqueios cada vez maiores, reduzindo-os a um nível de subsistência que ficará a um passo da fome. Ao invés de tentar encobrir os assassinatos de palestinos executados por colonos israelenses e pelo exército de Israel, o novo governo celebrará abertamente as atrocidades.

Após a recente execução de um palestino desarmado que recebeu três tiros à queima-roupa de um guarda de fronteira israelense por uma e depois foi alvejado novamente quando estava caído por terra, durante um tumulto que foi gravado em vídeo, Ben-Gvir chamou o militar de “herói”.

Netanyahu, que está indiciado por fraude, quebra de confiança e por aceitar subornos em três casos de corrupção, está determinado a politizar o judiciário. Ele e os seus parceiros de coalizão reduzirão ainda mais os direitos dos cidadãos palestinos de Israel, que são cidadãos de segunda classe. Eles continuarão a empurrar agressivamente por uma guerra com o Irã. Eles apoiarão os esforços para abjudicar a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, que os israelenses judeus chamam de Monte do Templo, o suposto lugar do Segundo Templo, destruído pelos romanos no ano 70 DC. Os extremistas judeus há muito conclamam que a mesquita Al-Aqsa, o terceiro santuário mais sagrado para os muçulmanos, seja destruída a substituída por um “Terceiro” templo judaico – uma ação que incendiaria o mundo muçulmano. Ben-Gvir, que considera como “um herói” a Baruch Goldstein – o colono judeu que massacrou 29 praticantes muçulmanos em Hebron em 1994 – anunciou uma visita iminente sua, juntamente com outros extremistas judeus, ao local da mesquita. Quando Ariel Sharon, então líder da oposição em Israel, foi ao local da mesquita em setembro de 2000, isto inflamou a Segunda Intifada.

Eu desejo que isto fosse uma conjetura. Mas não é. É isto que estes fanáticos defendem.

Avigdor Maoz, do partido extremista Noam – o qual se opõe aos direitos LGBTQ e quer banir as mulheres do serviço militar – foi nomeado para supervisionar os currículos das escolas israelenses, a imigração russa e a identidade nacional judaica.“Qualquer um que tente causar dano ao judaísmo real é a escuridão”, disse ele esta semana. “Qualquer um que tente criar uma nova chamada religião liberal é a escuridão. Qualquer um – com dissimulação e ofuscação intencional – tente fazer lavagens cerebrais nas crianças de Israel co as suas pautas, sem o conhecimento dos pais, é a escuridão”.Jeremy Bem-Ami, o presidente da organização liberal de apoio ao sionismo nos EUA, J Street, disse numa declaração pública que o próximo governo de Israel “parece suscetível de fazer mais ações que vão contra os valores que os judeus estadunidenses ensinam às nossas crianças como sendo a essência da identidade judaica”, incluindo o apoio aos direitos civis, o movimento trabalhista, o movimento das mulheres e as liberdades LGBTQ.

“Como podemos explicar aos nossos filhos e netos, sem falar à nós mesmos, que estes valores são o cerne da identidade judaica, mas o estado do povo judeu está negando os direitos e a igualdade de um outro povo e rebaixando a regra da lei internacional?”, ele perguntou. “Esta é uma crise fundamental que se assoma sobre a nossa comunidade nos próximos anos. Aqueles no ‘establishment’ da nossa comunidade que insistem que a América Judaica deve manter-se unida e inquestionavelmente leal a Israel não importa o que ocorra, estão prestando um desserviço muito profundo à saúde da comunidade judaica”.

Após a Guerra dos Seis dias, em 1967 – a qual viu Israel invadir e anexar a península egípcia do Sinai, as colinas do Golan da Síria, a Gaza e a Cisjordânia palestinas – os israelenses frequentaram o território palestino para fazer compras, comer nos restaurantes, passar os fins de semana no oásis do deserto de Jericó, ou fazer consertar os seus carros por mecânicos palestinos.

Os palestinos eram um reservatório de mão de obra barata e, em meados dos anos de 1980, cerca de 40% dos trabalhadores palestinos estavam empregados em Israel. Mas a crescente repressão executada pelas autoridades israelenses na Cisjordânia e em Gaza, o confisco de áreas cada vez maiores de terras palestinas para a expansão de assentamentos judaicos e a chaga da pobreza, viram os palestinos – a maior parte deles jovens demais para se lembrarem da ocupação de 1967 – se sublevarem em dezembro de 1987 e lançarem seis anos de protestos nas ruas, conhecidos como a primeira intifada [revolta]. A insurreição acabou levando aos Acordos de Oslo de 1993 entre Israel e a Organização pela Libertação da Palestina [PLO – Palestine Liberation Organization], - chefiada por Yasser Arafat, que havia passado a maior parte da sua vida no exílio e retornou triunfalmente à Gaza com a liderança da PLO.

Os Acordos de Oslo pareciam anunciar uma nova era. Eu estava em Gaza quando eles foram assinados. Os comerciantes palestinos que haviam feito as suas fortunas no exterior, retornaram para ajudar a construir o novo estado palestino. Os radiais islâmicos se encolheram. As mulheres palestinas removeram os seus lenços de cabeça. Os salões de beleza proliferaram. Houve um momento breve e brilhante no qual uma vida normal, livre da ocupação e da violência, parecia possível. Mas isto azedou rapidamente.

O banimento de trabalhadores palestinos em Israel, juntamente com o aumento da violência e do roubo de terras, levou a outro levante no ano 2000, que terminou em 2005. Este levante, o qual eu cobri para o The New York Times, foi muito mais violento. Isto resultou em 3.256 palestinos mortos pelas forças de segurança de Israel e por civis israelenses. Outros 958 palestinos foram mortos entre 28 de setembro de 2000 e 8 de fevereiro de 2005, segundo o grupo israelense de direitos humanos B’Tselem. Os colonos israelenses foram realocados de Gaza e Gaza foi selada. Israel também construiu uma barreira de segurança – que custou cerca de US$ 1 milhão por milha e foi considerado como ilegal pelo Tribunal Interno de Justiça – para separar Israel da Cisjordânia e anexar mais terras palestinas. O muro foi construído na sequência de uma onda de ataques suicidas à bomba que tinham como alvo os israelenses, apesar da ideia ter sido levantada pelo primeiro-ministro Rabin em 1990, tendo como base que “a separação, como uma filosofia”, requer uma “fronteira clara”. Arafat, com quem eu me encontrei muitas vezes, passou os últimos dias da sua vida sob prisão domiciliar israelense. O colapso de Oslo acabou com a farsa do processo de paz ou de uma solução negociada.

Eu suspeito que estamos na cúspide de uma terceira e muito mais mortífera intifada. Uma insurreição será usada por Israel para justificar represálias selvagens que ultrapassarão o bloqueio econômico punitivo e o massacre por atacado infligido em Gaza durante os ataques de Israel em 2008, 2012 e 2014 – que deixaram aproximadamente 3.825 palestinos mortos, 17.757 feridos e mais de 25.000 unidades de moradia parcialmente ou totalmente destruídas por Israel, incluindo prédios de apartamentos de muitos andares e bairros inteiros. Dezenas de milhares de pessoas ficaram sem habitação e enormes setores de Gaza foram reduzidos a escombros. Durante os protestos da Grande Marcha de Retorno de 2018 – nos quais jovens no enclave sitiado se manifestaram em frente à barreira israelense – 195 palestinos foram mortos a tiros por franco-atiradores israelenses, incluindo 41 crianças, bem como pessoal médico como Razan al-Najjar.

À medida que aumentam a violência e a repressão aos palestinos executadas pelas forças israelenses – que logo serão operadas por fanáticos judeus – tanto maior será o número de palestinos, incluindo crianças, que serão mortos em ataques aéreos, bombardeios, tiros de franco-atiradores, assassinatos e outros ataques israelenses, incluindo aqueles executados por milícias bandidas judaicas, que também atacam cidadãos árabes dentro de Israel. A fome e a miséria se espalharão.

A subjugação brutal dos palestinos, justificada por uma ideologia tóxica de supremacia judaica e racismo, só será impedida pelo tipo de campanhas de sanções montadas com sucesso contra o regime de apartheid na África do Sul. Caso seja menos do que isso, Israel será uma teocracia despótica.

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