Lições sobre Revolução e Opressão
O filme RRR (Revolta, Rebelião, Revolução) é uma lição de vida sobre a importância da união dos cidadãos comuns na luta contra a opressão
Em um mundo atormentado pela opressão e desigualdade social, o cinema muitas vezes tem o poder de servir como um farol de esperança, inspirando a revolta coletiva contra os sistemas opressores. Em meio a essa tapeçaria de luta, o filme RRR (Revolta, Rebelião, Revolução) surge como uma narrativa profunda e instigante que examina as lições da opressão e a importância de cidadãos comuns se unirem para derrubar regimes opressores, e o faz de uma forma espetacular.
Um filme épico de união e revolta
Em um mundo mergulhado em opressão, o filme RRR (Revolta, Rebelião, Revolução) surge como um verdadeiro grito de união e resistência. Dirigido por S.S. Rajamouli (Seu Crime, Seu Sofrimento; Baahubali), um mestre do cinema indiano, produzido por D.V.V. Danayya (Eu, que te amo; Bruce Lee: The Fighter), e com roteiro de K. V. Vijayendra Prasad (Srivalli, Sita-The Incarnation) - que é pai do diretor, RRR conquistou as telas de Tollywood em 2022 - e a seguir do resto do mundo - arrebatando corações e incendiando as bilheterias com sua narrativa épica. Mas esse filme não é apenas entretenimento; ele é uma lição de vida sobre a importância da união dos cidadãos comuns na luta contra a opressão.
O filme se inspira na história da resistência contra a ocupação, explorada com eloquência por Naomi Klein em The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism, que escreveu "A história do colonialismo oferece inúmeros exemplos daqueles que resistiram à ocupação e insistiram em seu direito à autodeterminação. E muitas vezes foi a força desses movimentos, e não a benevolência dos colonizadores, que forçou a mudança.”
O enredo e os personagens inspiradores
RRR tem suas raízes na era pré-independência indiana (1920s), e é livremente inspirado na vida de verdadeiros rebeldes indianos que lutaram contra o domínio colonial britânico, e mistura fato e ficção com maestria.
Rao Jr., conhecido por suas performances em Janatha Garage e Aravinda Sametha Veera Raghava, traz à vida ao personagem Komaram Bheem, um líder tribal que luta pela justiça e igualdade. Já Ram Charan, aclamado por seus papéis em Magadheera e Rangasthalam, interpreta Alluri Sitarama Raju, que trabalha para a guarda britânica, reprimindo seus compatriotas. Os verdadeiros revolucionários Bheem e Raju, na verdade nunca se encontraram na vida real.
Depois que uma garota é sequestrada (Twinkle Sharma) do vilarejo de Bheem, pelo sádico governador britânico e sua esposa mimada - que resolveu que queria a criança como um pet - cabe a Bheem a missão de resgatar a garota mantida presa no palácio do governador, e em sua jornada ele conhece e fica amigo de Raju. Eles forjam uma bela e divertida amizade, apesar de a princípio parecerem opostos (tanto que são representados pela água e fogo), sem nunca Raju revelar que trabalha para o inimigo - O Império Britânico. O motivo de Raju fica claro num flashback perto do final do filme, que mistura fato e ficção com maestria.
Os britânicos não entendiam a revolta do vilarejo, afinal pagaram duas moedas para a mãe da criança - que não falava a língua dos seus colonizadores, e quando entendeu o que estava acontecendo entrou em desespero e tentou salvar a filha, sem sucesso.
À medida que a trama se desenrola, RRR entrelaça as jornadas de Raju e Bheem, destacando suas lutas individuais e sua eventual convergência em direção a um objetivo comum. A unidade se torna um poderoso símbolo de solidariedade, transcendendo as fronteiras de classe, casta e desigualdade social. Por meio de suas narrativas, o filme é um chamado à ação para que os cidadãos abandonem suas diferenças, e se unam na luta por justiça e liberdade.
A revolta indiana é uma inspiração poderosa
A revolta Indiana retratada em RRR serve como uma poderosa inspiração para compreender a luta contra o colonialismo. O filme nos mostra a determinação de cidadãos comuns que se levantaram contra o opressor domínio britânico.
Frantz Fanon escreveu certa vez em Os Condenados da Terra, que o valor mais concreto para um povo colonizado é a terra, o próprio fundamento que traz sustento e dignidade. RRR encapsula essa essência, lembrando-nos das lutas enfrentadas pelo povo indiano, que lutou bravamente para recuperar sua terra, cultura e meios de subsistência. Ao tecer uma fascinante narrativa de rebelião, o filme nos convida à confrontar as duras realidades do colonialismo e do imperialismo econômico, incitando-nos a refletir sobre os paralelos entre o passado e o presente.
Após isso torna-se crucial aprofundar os paralelos que podem ser traçados entre a luta histórica contra o colonialismo, e a luta contemporânea contra o imperialismo econômico.
Paralelos entre o colonialismo e imperialismo econômico
Assim como Karl Marx afirmou no Manifesto Comunista: "A história de todas as sociedades até agora existentes é a história das lutas de classes", e RRR apresenta uma exploração diferenciada da desigualdade social e da luta de classes. O filme serve como um espelho, refletindo as ramificações de longa data do colonialismo e do imperialismo econômico, não apenas no contexto histórico, mas também no mundo atual.
Podemos reconhecer a dinâmica de controle exercida pelas nações mais ricas sobre os países mais pobres. A luta do povo indiano contra o colonialismo ainda é relevante hoje, com muitos países ainda lutando contra o legado do colonialismo - na maioria das vezes no âmbito econômico.
O filme nos lembra da importância de sempre lutar contra a opressão, custe o que custar. Mostra como os revolucionários estavam dispostos a sacrificar tudo por causa da independência indiana - suas famílias, seus amores e suas próprias vidas. E mostra exatamente como a luta contra a opressão nunca realmente termina.
O triunfo da rebelião e da unidade
A luta contra o colonialismo e o imperialismo econômico demonstram a grande importância da unidade entre os cidadãos comuns. Ao se unirem e amplificarem suas vozes coletivamente, eles conseguem desafiar o sistema opressor. Tal unidade torna-se essencial na luta contemporânea contra o imperialismo econômico, pois promove a resiliência e empodera os marginalizados.
O filme demonstra que o caminho para a rebelião e a unidade está nas mãos dos cidadãos comuns. Ele enfatiza que o povo não precisa esperar por nenhum salvador ou líder carismático - e sim, que eles mesmos podem - trazer mudanças duradouras com o apoio e a participação ativa das massas.
Em um final hipnotizante, o filme culmina em um número musical espetacular que serve como uma comovente homenagem aos rebeldes indianos que lutaram pela liberdade. Esta sequência poderosa mostra a vibração e a riqueza da cultura indiana enquanto encapsula o espírito indomável da rebelião. É um testemunho da força e resiliência de um povo unido contra a opressão.
Uma homenagem aos rebeldes indianos
O último número musical do filme, com a bandeira indiana atual e imagens de revolucionários ao fundo, é uma poderosa declaração dos sacrifícios feitos por eles e seu triunfo.
Alguns dos revolucionários homenageados são:
- Mahatma Gandhi – um líder político e espiritual que defendeu a desobediência civil não violenta contra o domínio britânico.
- Bhagat Singh – um revolucionário socialista que lutou pela independência da Índia por meio da luta armada.
- Subhas Chandra Bose – um líder nacionalista que fundou o Exército Nacional Indiano para lutar contra o domínio britânico.
- Sardar Vallabhbhai Patel – uma figura proeminente no movimento de independência da Índia que desempenhou um papel fundamental na integração dos estados principescos na união indiana.
- Alluri Sitarama Raju – um líder tribal que lutou contra o domínio britânico no início do século 20 na atual Andhra Pradesh.
- Komaram Bheem - um líder revolucionário no estado de Hyderabad da Índia britânica das tribos Gond.
O filme nos faz questionar a nós mesmos e nossas ações, incentivando um debate social mais amplo sobre o caminho para a justiça econômica, e a busca por um mundo mais inclusivo e igualitário; e serve como um catalisador para a reflexão e o diálogo sobre os paralelos entre as lutas históricas contra o colonialismo e as lutas contemporâneas contra o imperialismo econômico.
Somos lembrados que podemos trabalhar coletivamente para um mundo mais justo, inclusivo e equitativo. Que essa mensagem de união e resistência ecoe além das telas e nos inspire a agir em prol de um mundo mais justo e igualitário.
Brilhantismo técnico: coreografia, música e fotografia
Em sua busca por oferecer uma experiência visualmente cativante, RRR apresenta um brilhantismo técnico que cativa o público. A cinematografia capta a essência da luta, justapondo momentos de beleza de tirar o fôlego, com as duras realidades da opressão. O uso de CGI integra cenários históricos, criando um mundo hipnotizante onde a realidade e o mitológico se entrelaçam.
As lutas coreografadas no filme são espetaculares, com os atores realizando suas próprias performances. As sequências de luta foram meticulosamente coreografadas para mostrar os estilos de luta únicos dos revolucionários, e retratar a brutalidade do regime britânico.
Os números musicais do filme também desempenham um papel importante na trama, ajudando a transmitir a jornada emocional de seus personagens e enfatizando os temas do filme de fraternidade, sacrifício e união. Destaque para a coreografia de Natu Natu que é de tirar o fôlego e foi apresentada pelos próprios atores no palco da mais recente premiação do Oscar, e que não sairá da sua mente tão cedo.
Um apelo cinematográfico à ação
Devido ao estrondoso sucesso de público e crítica, e tendo recebido diversas premiações, já está confirmado pelo diretor, que o filme terá uma sequência com os mesmos protagonistas - e isso foi tudo que ele revelou.
RRR é uma obra-prima cinematográfica de Tollywood, que combina narrativa profunda, brilhantismo técnico, diversão e comentários sócio-políticos. As três horas de duração do filme podem parecer assustadoras no começo, mas os personagens bem desenvolvidos, sequências de ação impressionantes e enredo convincente valem o investimento.
A mensagem subjacente do filme é clara: A união é a chave para derrubar sistemas opressores e abrir caminho para um futuro melhor, e certamente - ao menos eu espero - deixará uma impressão duradoura, e fará você questionar o mundo ao seu redor, após assistí-lo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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