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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Lista de Guedes copia a da ditadura; Hildegard Angel está nas duas listas, como "comunista" e "detratora"

    Para Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia, a lista dos "detratores" do governo divulgada pelo ministério de Paulo Guedes mostra que "não, não estamos em uma democracia plena". "E é nossa obrigação revisitar o passado e estabelecer paralelos com o governo autoritário da ditadura", diz ela

    Hildegard Angel, Bolsonaro com militares e generais na ditadura (Foto: Reprodução | PR)

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    Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

    Não estamos diante de um fato corriqueiro que deva ser levado na galhofa, ou que mereça a “comemoração”, dos “agraciados” com o nome na lista de 77 “detratores” do governo, preparada pela empresa BR-Comunicação, conforme revelou o jornalista Rubem Valente, no portal Uol. A empresa foi contratada ao preço de R$ 2,7 milhões, para enumerar os jornalistas e influenciadores das redes digitais que não concordam (ou são neutros ou favoráveis) com as apatetadas medidas do ministro Paulo Guedes. E para os que discordarem do termo “apatetadas”, aconselho a conferir os índices econômicos às vésperas da pandemia, para não usarem o argumento de que o mal desemprenho se deveu à Covid-19. 

    A lista nada tem de divertida e inofensiva. Embora tenha sido vista por alguns dos incluídos como uma “honraria”, ela tem, sim, o mérito de demonstrar que as estratégias econômicas de Bolsonaro estão sendo combatidas por uma parcela de profissionais atentos (embora haja os omissos e os coniventes), mas também, acende  para a sociedade um pisca-alerta. Não, não estamos em uma democracia plena. Sim, como cantou Belchior, “Por isso cuidado, meu bem/Há perigo na esquina”. Por enquanto, os próximos versos ainda não cabem: “Eles venceram e o sinal está fechado pra nós”, mas se não ficarmos atentos, podemos chegar lá.

    Nunca é demais lembrar que no início do ano o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil público para investigar as circunstâncias da elaboração de um dossiê, a cargo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com informações sobre 600 opositores do presidente Jair Bolsonaro, principalmente policiais antifascistas. O dossiê deu panos pra manga ao governo, levando o ministro da Justiça, André de Barros, a ter que vir a público se explicar. Talvez por isto, desta vez Bolsonaro tenha agido com mais cautela. Contratou uma empresa alheia ao serviço público, para dar um ar de preocupação com o aspecto promocional do seu governo, ou de zelo com as notícias que circulam sobre suas atividades. Não cola.

    Pela simples razão de que em nossa história já houve precedentes. E é nossa obrigação revisitar o passado e estabelecer paralelos com o governo autoritário da ditadura, a cada menor sinal de que as suas atitudes e medidas estão sendo reativadas. E, sem dúvida, este é o caso. A ditadura também quis saber quem eram os jornalistas que a importunavam com críticas.  

    Lista semelhante foi elaborada e encaminhada pelo general-de-divisão Tasso Villar de Aquino, ao comando do Primeiro Exército, em 1973, com uma relação de nomes de jornalistas comunistas, lotados no Jornal O Globo, na época. Na relação, fica-se sabendo, por exemplo, que a jornalista Hildegard Angel, é veterana. Consta da lista “civil” de “detratores” de Guedes, mas debutou na lista elaborada pelo general Tasso, na ditadura. Observem, no documento abaixo, que ela é o último nome citado.

    img-ditadura

    No despacho reproduzido pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), sob o código AC_ACE_58561/1973, com o assunto: “Segurança Interna”, o general informava que Hilde e seus colegas “ocupavam postos chaves do jornal e eram ‘comunistas notórios e notáveis’ pela atividade subversiva desenvolvida na área de imprensa, pela convicção, inteligência, habilidade e eficiência com o que fazem, pela tenacidade, permanência e audácia na ação” .

    São elementos de alta periculosidade, portanto, manejando poderoso instrumento de orientação da opinião pública como é o Jornal “O Globo”, considerado como defensor do regime e das instituições democráticas, o que assume particular gravidade”. Em seguida, lista os nomes, não sem antes alertar que são “os mais importantes, combatentes de primeira linha da guerra revolucionária no setor da imprensa, inimigos declarados do regime, das instituições do primeira da Revolução de 31 de março de 1964.”

    Na lista do general Tasso não havia gradação como a que foi vazada pelo jornalista Rubem Valente, eles mesmo um dos seus integrantes. Eram todos altamente subversivos e perigosos. Diga-se de passagem, alguns dos que pululavam na lista, mais tarde tornaram-se chefes com muitos poderes e postura liberal, defensores ferrenhos dos interesses do patrão e do empresariado, de modo geral. Nunca pegaram em armas, nunca se meteram em ações espalhafatosas e permaneceram fiéis aos seus postos enquanto deu.

    Sobre Hildegard Angel, que hoje integra o coletivo Jornalistas pela Democracia, publicados pelo 247, a descrição era pormenorizada: “(...) é irmã do terrorista Stuart Angel (Henrique), filiado à organização comunista Dissidência da Guanabara. Stuart está comprometido no sequestro do ex-embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, cujo IPM para apuração dos fatos esteve a meu cargo. Praticou vários crimes de assalto, roubo e atentados de caráter terrorista.

    É filha de Zuzu Angel, modista da alta sociedade que, em New York, promoveu um desfile de modas ao qual compareceu de luto, e todas as manequins, usando pedaços de crepe preto nos modelos”.

    Como podemos observar, a prática da “bisbilhotagem” e do incômodo com os que atuam na formação de opinião, é antiga e jamais foi usada com propósitos inocentes. Alguns desses apontados na lista do general foram presos e arrolados em inquéritos. O mesmo tipo de vigilância foi estabelecida em São Paulo, onde um dos que constam da “arapongagem” do SNI, Vladimir Herzog, foi morto na tortura, dois anos depois, nas dependências do Destacamento de Operações de Informação do Centro de Informações de Defesa Interna, (DOI-CODI-SP), no dia 25 de outubro de 1975. 

    Não se deve entrar em paranoia por constar da lista de Bolsonaro, que anda sem munição até mesmo para eleger um candidato a prefeito, mas é necessário que estejamos alertas para o perigo que representa uma aparentemente inocente lista de “detratores”, quando o real objetivo de sua elaboração não se reveste de transparência. Quando o propósito a ela atribuído é fazer com que esses profissionais realizem o seu trabalho “direito”. Ou seja, a lista se não leva, hoje, ninguém para o porão, tem o objetivo de moldar opiniões, censurar versões e constranger quem ouse se colocar contra a política anêmica, incompetente e claudicante daquele que um dia foi o “posto Ipiranga”, e hoje está mais para bomba de gasolina, prestes a entrar em combustão. (Leia a documentação na íntegra)

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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