Lula e a organização popular: o desafio da participação social no futuro governo
A criação do Conselho de Participação Social na Transição Governamental do governo Lula foi um salto político enorme para se pensar na retomada da discussão sobre as formas de participação da sociedade na operacionalidade da democracia.
Sob a coordenação da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, o colegiado trouxe para dentro da estrutura formada por 32 Grupos Técnicos o debate da centralidade da participação popular na eficácia das políticas públicas, em parceria e a partir da estrutura do governo federal. Produziu e apresentou dois relatórios, indicando o desmonte da participação social ocorrido nos últimos seis anos e indicado caminhos.
A retomada das conferências nacionais, a reestruturação dos conselhos e dos fóruns interconselhos, além de terem sido promessas de campanha de Lula, se encontram no relatório final da transição governamental e se impõem como necessários. Demandando, a meu juízo, adaptações e atualizações a partir das experiências vivenciadas, com vistas a suprir lacunas e pensar a efetividade e capacidade de dar consequência aos encaminhamentos e decisões.
A implantação de fato da Lei 13.019/14, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil, que foi em grande medida interrompida com o golpe parlamentar de 2016, é outro fator significativo.
Todas as experiências devem ser aproveitadas e aperfeiçoadas. Retomar o acúmulo é relevante. No entanto, o desafio dos novos tempos nos dita que é preciso ir muito além, enxergar a sociedade em suas complexidades e ambiguidades, percebendo que o modelo de participação adotado no Brasil nas últimas décadas não foi suficiente para verificar o distanciamento entre a vida cotidiana, a aquisição de direitos e oportunidades e a visão dos cidadãos e cidadãs sobre a política, o Estado, os governos, de tal modo que determinada política pública não é identificada com o governo que a cria e aplica. O quadro não se altera ou até se agrava nas políticas implantadas com parceria de entidades da sociedade civil, a depender da postura assumida por elas no diálogo social.
Chegamos ao fim de quatro anos de um governo de extrema direita que, a despeito do cometimento de diversos crimes e de comportamento disruptivo, tirano, inepto, teve uma quantidade assombrosa de votos nas eleições de outubro último.
Temos uma sociedade dividida por razões inúmeras, de índoles objetivas e subjetivas, que não caberiam discorrer neste texto. De todo modo, a instrumentalização de valores conservadores operada por Jair Bolsonaro a partir do aparelho de Estado, sobretudo de caráter moral e religioso, estimulando o ódio entre as pessoas em uma estratégia reacionária, gestou frutos que ainda não é possível precisar para o futuro. Certo é que a vitória nas urnas do projeto democrático infelizmente não elimina a popularidade desse modo sectário e autoritário do fazer político.
É a partir dessa compreensão que se impõe como fundamental que ao lado do resgate dos conselhos, conferências, plataformas digitais, audiências públicas e mesas de diálogo, o governo eleito amplie sua base social, crie canais diretos com a sociedade, pensando em garantir legitimidade e permanência das políticas públicas no plano local, criando conselhos populares nos bairros, territórios, reinventando modelos outrora abandonados de participação social ao lado das novas formas e fazeres.
O empoderamento da comunidade para que ela seja protagonista de sua própria história precisa deixar de ser um jargão para deflagrar processos que tenham a capacidade de criar consciência, com a mediação de educadores sociais, atores fundamentais na organização e o desenvolvimento dos projetos. Os coletivos, as redes e os fóruns sociais devem ter como pauta a transformação social, em que os recursos destinados às áreas sociais andem lado a lado com o modelo civilizatório no qual a cidadania, a ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis.
Não nos é mais permitido permanecer no equívoco de que as condições de existência determinam as condições de consciência. É preciso dar significado às políticas públicas, traduzindo as conquistas, as melhoras da qualidade de vida, inclusão, promoção de acesso aos serviços, diminuição das desigualdades, como realizações da coletividade, frutos da política de um governo progressista a partir de uma concepção de Estado. Um projeto de democratização da gestão da coisa pública, em que comunicação, cultura e integração digital terão papel decisivos e onde a diversidade de gênero e de raça sejam pontos de partida.
O Conselho de Participação Social da Transição Governamental definiu a Secretaria-Geral da Presidência da República como o órgão central da política de articulação de todos os demais ministérios nesse desafio nada simples, nada óbvio, muito instigante.
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