Lula só conseguirá dialogar com os evangélicos se aprender a falar em línguas estranhas
"Parece que Lula gosta mesmo de criar cobras para depois elas morderem o povo que sempre esteve ao seu lado", escreve o colunisa Nêggo Tom
Quando a ex-ministra Damares Alves declara que está na hora de os evangélicos governarem o Brasil, quando os católicos chamam Nossa Senhora Aparecida de a padroeira do país, ou quando os Espíritas costumam dizer que o Brasil será a pátria do seu evangelho, nos deparamos com uma ideia de dominação religiosa acima de tudo e de todos. E o fato de esta ideia de dominação estar associada à vontade de Deus, faz com que ela ganhe contornos ainda mais perigosos e nocivos à parte da sociedade que não comunga com tais “valores”. As religiões sempre fizeram parte da sociedade e, infelizmente, algumas delas acabaram ditando as regras ao longo da história, deixando um rastro de alienação, divisão e destruição na vida de milhões de pessoas e nas relações entre os indivíduos.
A igreja evangélica, em que pese as muitas pessoas de boa vontade que fazem parte de seus numerosos templos, é fruto da inveja e da revolta que protestantes sentiram contra o domínio estatal católico e, como tal, ela hoje se apresenta como uma face tão ou ainda mais obscura do que a exibida pela igreja de Roma. Só de saber que Adolph Hitler tinha admiração profunda por Martinho Lutero, o invejoso mor que rompeu com o catolicismo e fundou o seu conveniente protestantismo, já deveríamos supor que a igreja reformada, na verdade, seria mais um instrumento de deformação do evangelho de Jesus Cristo. Segundo o escritor e crítico social do império alemão, Thomas Mann, Lutero foi uma figura fundamental na propaganda nazista, não apenas pelo seu declarado antissemitismo, mas também pelo ufanismo pátrio-religioso atribuido a sua rebeldia contra o Papa, e que lhe rendeu os títulos de “pai da pátria” e “libertador do espírito dos alemães” por ter traduzido a Bíblia para o seu idioma nativo.
Em seu livro “Luther, Hitler”, o teólogo Hans Preuss escreve que ambos, Lutero e Hitler, foram chamados a salvar o seu povo e que deles “eleva-se o grito pelo Homem Novo da salvação”. Uma perversão nazista que estabelecia mais uma versão distorcida do cristianismo na Alemanha. Alguns nazistas consideravam Lutero um “segundo Fhurer”, uma espécie de patrono religioso do nazismo. Semelhante ao que muitos pastores e líderes evangélicos representam para o bolsonarismo no Brasil. A diferença, é que Lutero já estava morto e, para nossa tristeza, os furiosos “fhurers” daqui estão vivos e seguem se apresentando como homens chamados por Deus para salvar a nação. Um projeto de poder cujo caminho começou a ser pavimentado há tempos, sem que a sociedade e os seus representantes políticos responsáveis por zelar pela laicidade do Estado percebessem as suas más intenções. A exceção de Leonel Brizola, que certa vez declarou que “se os evangélicos entrarem na política, o Brasil irá para o fundo do poço. O país retrocederá vergonhosamente e matarão em nome de Deus."
Muito mais racional do que profético, Brizola tentou evitar que um dia fôssemos governados por um messias cheio de ódio que, com a benção dos evangélicos, contribui com a morte de 700 mil pessoas durante a pandemia. Bolsonaro foi o presidente do “povo de Deus” brasileiro e como já havia nos alertado Brizola, fez o país retroceder socialmente, aumentou a fome e a miséria, fomentou o ódio e matou em nome de Deus através dos ungidos e abençoados que o alçaram à condição de salvador da nação. É preciso entender que o perfil do cristão brasileiro atual é bem diferente do que há 30, 40, 50 anos atrás, quando, certamente, Bolsonaro seria considerado um demônio a ser expulso da nação. Tal mudança se dá a partir do neocolonialismo religioso estadunidense imposto às igrejas protestantes brasileiras, a partir dos anos 1970, quando a teologia da prosperidade originada nos EUA no século XIX desembarca em solo brasileiro, tendo em Edir Macedo o seu principal instrumento de disseminação no país. Nunca foi Jesus, sempre foi negócio.
A processo de mercantilização da fé foi instalado com sucesso e começou a seduzir a mente de muitos brasileiros, sobretudo, os mais pobres e marginalizados, sob a ideia de um miraculoso “pare de sofrer” que resolveria todos os seus problemas numa sessão de descarrego às sextas-feiras e coma uma contribuição fiel por meio do dízimo. Isto posto, a igreja evangélica brasileira se transforma num covil de mercenários ávidos por lucro financeiro e poder sobre as suas cada vez mais alienadas ovelhas. Quando o governo Lula declara que deseja dialogar de modo especial com este segmento religioso e estuda formas para se aproximar dele através da linguagem, só me vem à mente uma possibilidade. A de Lula aprender a falar em línguas estranhas e intraduzíveis e declarar que esta nação pertence ao senhor Jesus. Desta forma, ele estará transmitindo o poder do seu governo para “Deus” que escolherá entre os líderes evangélicos o seu “ungido” para administrar o país em seu nome. Damares Alves, do alto do pé da goiabeira gritaria: “Oh, Glória! ”, e Silas Malafaia, no meio da montanha de dinheiro público que entraria em seu templo diria: “Feliz a nação cujo eu sou o senhor”
Já está ficando chato e contraproducente esse papo de diálogo com evangélicos, ignorando a representatividade religiosa de outros milhões de cidadãos pagadores de impostos nesse Estado que deveria ser laico. Se é por medo de que a maioria da população seja evangélica daqui há 10, 15 anos, esse “avanço” pode ser facilmente contido acabando com a imunidade tributária das igrejas e deixando de facilitar o surgimento de novas empresas que comercializam a fé e arrebanha mais alienados para o seu projeto de poder. Até porque, quando forem maioria por aqui e alcançarem mais poder e representatividade política nos parlamentos, os evangélicos trataram a todos os outros não evangélicos como os israelenses vem tratando os palestinos há 75 anos. E eles também contaram com o apoio do imperialismo norte-americano para massacrarem os ímpios, os indesejáveis e aqueles que resistiram em não aceitar que o Brasil é uma terra prometida por Deus para eles. Parece que Lula gosta mesmo de criar cobras para depois elas morderem o povo que sempre esteve ao seu lado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: