Manifestações de 2 de outubro, limites e desafios políticos
A ampliação das representações de partidos do campo da direita não-bolsonarista na jornada do dia 2 de outubro foi o fato novo das manifestações da campanha Fora Bolsonaro, especialmente em São Paulo. Desta vez, se somaram a PT, PCdoB e PSOL, que conduzem a campanha desde o começo, PDT, PSB, Rede, Solidariedade e representações de Cidadania, DEM, MDB, PL, Podemos, PSD, PSDB, PSL e Novo, que apoiaram a eleição do atual presidente.
O resultado das mobilizações foi protestos em mais de 300 municípios, com manifestações em todas as capitais, que mobilizaram em torno de 700 mil pessoas, de acordo com levantamento dos organizadores. A unidade pelo alto nas manifestações não representou, no entanto, uma massificação da participação nas ruas. Foi bastante expressivo nas capitais e demonstrou capilaridade pelo país, mas manteve o mesmo patamar dos atos organizados antes do dia 7 de setembro. Ou seja, o grosso da mobilização é da militância das forças populares e sua primeira camada de influência nos setores médios progressistas e na juventude estudantil.
A persistência do contingente mobilizado desde 29 de maio contrasta com a dificuldade de mobilizar novos segmentos, mesmo com o avanço da vacinação e a contenção da pandemia, com as ameaças à democracia no 7 de setembro e com a situação da economia, com um alto patamar de desemprego, congelamento da renda e crescimento da inflação. Na verdade, cresce a cada manifestação o peso da participação do perfil mais próximo de militante, enquanto diminui a adesão de pessoas sem vínculos com organizações políticas, sindicais e populares.
A incapacidade dos partidos da direita não-bolsonarista e suas representações de mobilizar seus próprios apoiadores demonstra que a referência de seus eleitores e seguidores em redes sociais é muito frágil, considerando que entraram para valer na mobilização para o ato. Mais um reflexo da dissolução do sistema político brasileiro como representação de segmentos da sociedade. A aposta na criação de um sentimento cívico com a construção de uma maior unidade partidária e ideológica também não deu resultados nas ruas.
A capacidade de mobilização das forças organizadas e o potencial de galvanização na sociedade da palavra de ordem “Fora Bolsonaro, impeachment já” bateram no teto. Diversos analistas que fazem esse diagnóstico interpretam por diferentes prismas seu significado. Há motivos mais conjunturais e outros mais estruturais.
A grande questão, na minha interpretação, é que a sociedade não acredita na capacidade desse movimento de alcançar seu objetivo, afastar o presidente Bolsonaro. O ceticismo é desmobilizador e alimentar falsas ilusões pode, inclusive, aprofundá-lo. Esse problema tem sido recorrente no último período, desde o “Não vai ter golpe”, passando pela luta contra as reformas e a prisão do Lula.
Por outro lado, a campanha contra Bolsonaro não conseguiu englobar pautas populares - sejam econômicas, ideológicas ou por liberdades individuais - para se transformar em um “guarda-chuva” para a emergência de novos segmentos, mesmo com uma certa simpatia da Rede Globo. A atmosfera hiper-politizada dos atos - com carro de som, discursos de lideranças e pelotões por organizações no chão - não é muito acolhedora nem convidativa para quem não tem proximidade com a militância. Esse ambiente retroalimenta o trabalho das organizações, mas é pouco permeável para quem quer simplesmente manifestar sua indignação.
O desafio até o final do ano é manter a unidade da campanha Fora Bolsonaro, superar os atos isolados de uma minoria sectária e intensificar as ações contra o atual governo. O esforço para construir a unidade mais ampla de partidos e organizações da sociedade contra Bolsonaro e pela democracia não apaga o protagonismo realmente existente das forças populares nas manifestações da oposição, que deve atuar para manter esse contingente coeso politicamente e mobilizado nas ruas.
É necessário manter a agitação popular nos locais de trabalho, nos bairros, nas periferias, nas igrejas e nas universidades, incidindo nas camadas mais populares, agregando com a denúncia do desemprego, a queda da renda, o encarecimento dos alimentos, da conta de luz, do gás de cozinha, da gasolina e do aluguel.
Nesse sentido, estão previstas iniciativas em torno de pautas concretas da maioria da população. Os movimentos do campo fazem uma jornada em 16 de outubro para denunciar o crescimento da fome e o aumento do preço dos alimentos, com ações de solidariedade nas periferias das cidades. No 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra em memória de Zumbi dos Palmares, o movimento negro convoca mobilizações em todo o país contra o racismo e por Fora Bolsonaro. Está em construção mais uma mobilização ampla do campo de esquerda, centro e direita pelo afastamento do presidente para o 15 de novembro, dia da Proclamação da República.
A apresentação do relatório final da CPI da Pandemia no Senado Federal, prevista para 19 de outubro, abre uma oportunidade para intensificar as denúncias contra Bolsonaro no país e no exterior pelos crimes que sacrificaram a vida de 600 mil brasileiros. A CPI ganhou um novo impulso nas últimas semanas com as revelações das “experiências” realizadas pela operadora de saúde Prevent Sênior em articulação com o governo federal. Bolsonaro deve ser acusado por crimes como “causar epidemia” (pena de reclusão de 10 a 15 anos) e por “infração de medida sanitária preventiva” (pena de detenção de um mês a um ano), entre outros. Será um momento para aproveitar a repercussão do relatório para fazer agitação contra o presidente, ampliando o seu desgaste e estimulando a participação nas próximas manifestações.
*Igor Felippe Santos é jornalista com atuação nos movimentos populares. Apresentador do podcast Três por Quatro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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