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    Me julgue, voltei a ouvir Lobão

    O assunto aqui é o Lobão, parte visível – e falante, e influente, de um exército cada vez mais invisível – porque, ao contrário do Lobão, que se despiu da fantasia, anda mudo, acanhado, envergonhado, constrangido, ensimesmado -, gente que apoiou abertamente e votou em Bolsonaro, fezarminha e chamou o capitão de “mito”, e que agora se arrependeu, precocemente

    Me julgue, voltei a ouvir Lobão

    “Chove lá fora e aqui, tá tanto frio
    Me dá vontade de saber
    Aonde está você
    Me telefona
    Me chama, me chama, me chama
    Nem sempre se vê
    Lágrimas no escuro, lágrimas no escuro
    Lágrimas, cadê você
    Tá tudo cinza sem você
    Tá tão vazio
    E a noite fica sem porquê
    Aonde está você, me telefona
    Me chama, me chama, me chama
    Nem sempre se vê
    Mágicas no absurdo, mágicas no absurdo”

    Essa maldita música do Lobão – que o corretor quer chamar insistentemente de Bolão – me causou muitos conflitos. Primeiro, porque sempre achei boa pra caralho, me emocionava, me lembra de umas pessoasaí, depois tive que engolir o choro e agasalhar como produção de um direitista, eleitor do Bolsonaro, e nunca mais ouvi, juro, me policiei sim, como imagino que os filhos de Tia Damares não saiam colocando na vitrola – eita expressão linda, mesmo com tecnologia datada – Chico ou Caetano, mesmo se mordendo, coerência é uma arma, mesmo que inútil. Trocava de rádio, pulava no Spotify, e agora, primeiro com cautela, depois rasgando a fantasia, me permito ouvir de novo. Lobão não mudou. Nem me engana. Só me permitiu usar uma desculpa esfarrapada, que eu queria muito arrumar, para absolvê-lo, pelo menos pra mim, pelo menos musicalmente – e cada um ouve o que quer, por mim podem até ouvir a versão do Luan Santana e da Paula Fernandes de ‘Shallow’, de Lady Gaga e Bradley Cooper, um lixo total, mas vai lá, ouve, de repente você gosta.

    Lobão não foi despertado por nenhuma luz da razão, como se sabe, pensa e fala as mesmas besteiras quando não está cantando, só está enciumado porque o Olavo de Carvalho, o drugstore cowboy do Bolsonaro, não conhecia sua obra, sacrilégio supremo. E quando Lobão reagiu, ouviu de Olavo o que ele sabe fazer melhor: insultos. “Eu ouvi esse palhaço desse Lobão dizer que leu a obra inteira de Olavo de Carvalho. O sujeito que leu minha obra inteira em dois anos não pode ter entendido nada porque normalmente precisa 20 anos pra absorver isso aí. E eu lá quero saber a opinião de um palhaço psicopata. No Brasil até tipos como esse são levados a sério”. Eita, que pau. Aliás, musicalmente falando, o que deve ouvir Olavo de Carvalho? Qual será sua playlist? Apostas abertas. Mas tô aqui, nessa volta do Gilberto Pão Doce meio sem sal – eu tava preso porque perdi minha senha do WordPress – e, pronto, foda-se, voltei a ouvir Lobão. “Me chama, me chama, me chama….”. Lobão parece hoje o Gandalf com ácidos, não importa, “me chama, me chama, me chama”, mas, é isso, ele renegou Olavo e, ato contínuo, agora, se diz desapontado com o desenrolar do governo, que define como um “desastre”. Então absolvi o Lobão duas vezes porque ele chutou a bunda do “mito”.

    Também foi numa entrevista ao Valor que o músico, que deixou de votar no PT, pelo que se conta, após uma promessa não cumprida de Lula referente à educação, em 2002 – imagine só, depois de Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, Lobão deveria no mínimo achar Haddad um cara legal -, analisou o momento e criticou, com sua verve de sempre, o modo de governar de Bolsonaro, cercado por seus filhos. “Eu tinha que optar por alguém e esse alguém foi o Bolsonaro. Mas ele mostrou que não tem a menor capacidade intelectual e emocional para poder gerir o Brasil. Isso está muito claro para mim e fico muito triste. É óbvio que o governo vai ruir”, prognosticou, no momento em que o próprio governo já fala em evitar o debate – lamento, já virou debate – do impeachment. Ou da renúncia, que seria uma carta na manga do Bolsonaro se nada mais der certo – acho que li isso no Lula Costa Pinto, mas não lembro direito mais. É, pesquisei no Google, foi o Lula mesmo e no querido 247. A lógica é que as mensagem cifradas do Bolsonaro no Twitter não são um novo surto do Carluxxxxo, mas da lavra do próprio Biroliro, como aquele “desabafo” em que, para denunciar a “velha política”, ele casualmente vazou dizendo que o País está “ingovernável”. Só faltou falar em “forças ocultas” a la Jânio Quadros.

    Mas o assunto aqui é o Lobão, parte visível – e falante, e influente, de um exército cada vez mais invisível – porque, ao contrário do Lobão, que se despiu da fantasia, anda mudo, acanhado, envergonhado, constrangido, ensimesmado -, gente que apoiou abertamente e votou em Bolsonaro, fezarminha e chamou o capitão de “mito”, e que agora se arrependeu, precocemente. Que entendeu- talvez alguns – que não venceu, perdeu. Foi derrotado pelo ódio ao PT, pelo antipetismo. Em muitos o antipetismo permanece, o que o deixa, repare só, num estado de prostração política, vivendo como um desenganado. Uma parte, não ideológica, que faz o discurso “já votei no PT”, pode voltar ao ninho. Uma parte, não. Vai ficar dizendo que votou no Amoedo e que perdeu a memória no segundo turno. Buscará uma alternativa a Bolsonaro, e estará disposta a ir às ruas mesmo sem causa, mas contra uma pessoa em que acreditou e não acredita mais. Não por acaso o MBL, o Vem Pra Rua e o NasRuas dizem que não vão dar as caras no contramovimento marcado para o dia 26. No Twitter, a rede bolsonarista já usa à fórceps suas contas para disseminar a hashtag#dia26nasruas, para convocar simpatizantes do presidente à manifestação. Mas foda-se. Pelo menos o Lobão não vai estar lá. Ele afirma que o momento faz com que a direita corra risco de sofrer um duro golpe em sua reputação. “Essa facção sectária de fanáticos vai absorver toda a personalidade da direita – a esquerda vai capitalizar isso – e vai botar todo mundo no mesmo saco. E a gente vai virar todos ridículos por causa desses caras”, prognosticou. Não é que eu concordo! “Mágicas no absurdo, mágicas no absurdo”…

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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