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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Militares recebem dos cofres públicos para tomar conta de associações privadas

    "Esses militares designados para associações recreativas de oficiais são enviados com o aval de oficiais-generais", escreve Denise Assis

    Militares em Brasília (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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    Se é para abusar, é com eles mesmos. Sem nenhuma cerimônia ou parcimônia, o Comandante do Exército faz uma designação impressionante: o envio de militares para servir oficiais em seus clubes privados. Sabe quanto custou essa brincadeira? Em torno de R$ 1 milhão. É pouco? Para alguns pode ser, mas é imoral.

    Esses militares designados para associações recreativas de oficiais são enviados com o aval de oficiais-generais e recebem salário pago pelo governo federal para executar atividades que, por lei, deveriam ser de natureza militar. E não são. Servem apenas para que os familiares de oficiais – baixa patente é proibida de ter acesso ao clube – encontrem a piscina bem limpinha, os jardins dos clubes floridos, a mesa de sinuca com o feltro sem ondulações e a sauna a pleno vapor, quando chegarem para aquela tarde de lazer.

    Sem contar que essas entidades frequentadas por oficiais do Exército ao longo dos últimos anos têm tido destacada atuação política. No Rio de Janeiro, o Clube Militar se tornou conhecido por convocar associados para participação em manifestações políticas e por publicar notas de repúdio contra ações de governantes. O clube – que congrega oficiais da reserva e da ativa – acabou sendo criticado por cidadãos dos dois lados do espectro político, primeiro pelo apoio a candidatos militares e depois pelo excesso de notas de repúdio contra ações do governo.

    Em abril de 2020, o Globo publicou nota onde dizia que, em São Paulo, manifestantes partiram do Círculo Militar para gritar contra as medidas impostas pelo governador João Dória: “Manifestantes, que partiram de perto do ginásio Ibirapuera e do Círculo Militar, gritavam principalmente ‘Fora, Doria’, em referência às medidas restritivas decretadas pelo governador João Doria (PSDB) diante da pandemia.”

    Questionados, os clubes costumam alegar que são entidades privadas, que funcionam sem qualquer auxílio financeiro das Forças Armadas e que – portanto – não estão sujeitos às limitações que se impõem às Forças Armadas.

    De acordo com denúncia publicada na revista Sociedade Militar, o Clube Militar do Rio de Janeiro recebeu, somente em maio de 2024, transferências do Ministério da Defesa de mais de 1 milhão de reais em mensalidades dos associados na modalidade consignação. Veja a relação da documentação apresentada pela publicação:

    Nº do documento 2024OB000181 Data 02/05/2024 Descrição: ORDEM BANCÁRIA (OB) Valor Transferido para o Clube Militar: R$ 924.869,71

    Nº do documento 2024OB000945 Data 02/05/2024 Descrição: ORDEM BANCÁRIA (OB) Valor Transferido para o Clube Militar: R$ 114.352,64

    Nº do documento 2024OB000184 Data 02/05/2024 Descrição: ORDEM BANCÁRIA (OB) Valor Transferido para o Clube Militar: R$ 20.896,53

    Nº do documento 2024OB000182 Data 02/05/2024 Descrição: ORDEM BANCÁRIA (OB) Valor Transferido para o Clube Militar: R$ 1.966,90

    Após a publicação da reportagem da Revista Sociedade Militar, o Clube, que não admite a associação de militares das camadas de base das Forças Armadas, emitiu uma nota dizendo que a instituição não recebe subsídios governamentais e que é uma instituição privada.

    “… A Casa da República, como é conhecido o Clube, é uma sociedade civil sem fins lucrativos… não recebemos qualquer subsídio governamental e supostos recebimentos dos cofres públicos nada mais são que dinheiro nosso transferido, conforme as normas legais, de averbações de sócios militares junto às FFAA (sic).”

    Militares são pagos com dinheiro público para a “recreação” de oficiais superiores e generais do Exército e suas famílias.

    Assim como o Clube Militar, o Círculo Militar de São Paulo, o Círculo Militar de Recife e outras instituições similares têm como objetivo a diversão e o lazer de seus associados, sem realizar qualquer atividade ligada à segurança nacional, o que lhes seria vetado, pois seus próprios estatutos deixam claro que se tratam de entidades privadas.

    “Proporcionar aos seus associados: a prática de atividades esportivas, culturais e de lazer, competições esportivas, reuniões e atividades sociais…”

    Segundo foi verificado pela Revista Sociedade Militar, embora essas instituições recreativas se autoproclamem ‘privadas’ e reivindiquem o direito de realizar manifestações políticas e apoiar candidatos, poucos brasileiros sabem que muitas delas contam com militares em seus quadros. Esses militares, designados por oficiais-generais sob a forma de Tarefa por Tempo Certo, recebem salários pagos pelas Forças Armadas para servir aos associados dessas instituições. Diga-se de passagem, os associados pagam a esses clubes. Por que então tirar dos cofres públicos essa verba?

    A norma citada nas portarias de designação deixa claro que os militares receberão adicional, calculado sobre os proventos que efetivamente estiverem recebendo, para que executem atividades de natureza militar.

    “Art. 2° - Prestação de tarefa por tempo certo é a execução de atividades de natureza militar de interesse da Força, atribuídas ao militar inativo nas condições e prazos estabelecidos nesta Portaria. Art. 3° No âmbito da Força, a indicação de militar para prestação de tarefa por tempo certo será feita, exclusivamente, por intermédio dos órgãos de direção geral e setorial, dos comandos militares de área e dos órgãos de assessoramento do Comandante do Exército, devidamente justificada. (Lei nº 9.442, de 14 de março de 1997).

    Qualquer outro uso trata-se do tal “jeitinho”.

    Algumas designações para servir em instituições privadas recreativas realizadas em 2024 foram feitas pelo General Tomás Miné e por outros generais.

    Ainda de acordo com a RSM, “em 18 de abril deste ano, o próprio General Tomás Miné Ribeiro Paiva, Comandante do Exército, nomeou um coronel para servir no Círculo Militar de Recife:

    “O COMANDANTE DO EXÉRCITO, no uso das competências que lhe confere o art. 8º, § 1º da Portaria do Comandante do Exército nº 218, de 20 de março de 2017, e considerando o disposto no art. 3º, § 1º, inciso III, alínea ‘b’ da Lei nº 6880, de 9 de dezembro de 1980, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 9.442, de 14 de março de 1997, resolve:… NOMEAR, em caráter excepcional, o Cel R/1 E. BARBOSA R. D. S. no Comando Militar do Nordeste, em Recife-PE, como Prestador de Tarefa por Tempo Certo, para a tarefa de Diretor Executivo do Círculo Militar do Recife, pelo prazo de 12 (doze) meses, a partir de 1º de maio de 2024, em vaga na cota do Comando Militar do Nordeste”.

    Em 2 de junho, o sargento M. E. F. D., lotado na Companhia de Comando da 23ª Brigada de Infantaria de Selva (MARABÁ/PA), foi nomeado por mais dois anos para a função de Prestador de Tarefa por Tempo Certo, para exercer a tarefa de Auxiliar do Círculo Militar de Marabá, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a partir de 1º de julho de 2024. (PORTARIA Nº 80-CMN/E1, DE 2 DE JULHO DE 2024).

    Em 26 de março deste ano, o Comandante Militar do Nordeste, general de Exército MAURÍLIO MIRANDA NETTO RIBEIRO, exonerou e renomeou por mais dois anos o Coronel da Reserva Remunerada F. D. SOARES D. M., do Cmdo 7ª RM (Recife-PE), como Prestador de Tarefa por Tempo Certo, para exercer a tarefa de Apoio Técnico às Atividades no Círculo Militar do Recife, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a partir de 1º de abril de 2024.

    (PORTARIA Nº 106-E1.6/EMG/CMNE, DE 26 DE MARÇO DE 2024)

    Em 2 de maio de 2024, o Comandante Militar do Norte, Gen Ex LUCIANO GUILHERME CABRAL PINHEIRO, nomeou outro militar para servir na associação recreativa das famílias dos oficiais, desta vez o 2º Sargento da Reserva Remunerada A. D. R. R., como Prestador de Tarefa por Tempo Certo, para exercer a tarefa de Auxiliar do Círculo Militar de Marabá/PA, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a partir de 1º de junho de 2024. (PORTARIA Nº 54-CMN/E1, DE 2 DE MAIO DE 2024).

    Ou seja, uma festa!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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