Mourão não, diretas já
No atual quadro político brasileiro a chave de ignição imediata para superar enfrentar a grave crise posta é a densificação da resistência nas ruas para além da demonstração dada no último dia 15 de maio de 2019, cuja bandeira deve ser a convocação de eleições diretas, e já
Recentemente o Presidente Bolsonaro compartilhou pelas redes sociais texto anônimo cujo teor é representativo de uma visão de mundo que retrata como problemas para o poder a existência da diversidade, da pluralidade e do conflito, típicos da condição sociopolítica e econômica em que as diferentes forças legitimamente empenham-se na defesa de seus interesses. O referido texto compartilhado pelo Presidente lamenta que as diversas forças sociais possam encontrar canais para apresentar demandas e assim construir as instituições e dar rumo à políticas públicas.
Algo de acertado que subjaz na análise da citada carta anônima divulgada pelo Presidente é que as corporações controlam o Estado, apresentadas como interdição aos projetos maiores do capitão. Sem embargo, o missivista faz questão de ocultar que o Presidente é o grande beneficiário deste roteiro de poder, sem o qual não o teria alcançado, além do que toda a sua agenda está voltada, via Guedes, a realizar justamente os máximos interesses do grande capital, não sendo desconhecido por ninguém as suas posições sobre as riquezas e as empresas estatais, do petróleo à Petrobrás, passando pela Embraer, Banco do Brasil e CEF, na iminência de ser entregues a preço vil.
O modelo de sociedade compartilhado pelo Presidente Bolsonaro é, por definição, antidemocrático, demofóbico e elitista, genuíno modelo para o cumprimento dos fins do capital. Nesta medida Bolsonaro é a figura de que necessita o capital sempre e quando funcional para os seus fins, mas em nenhum caso quando revele incapacidade para entregar os produtos a ele encarregados. Embora há escassos 5 meses no poder, Bolsonaro já praticamente esgotou o seu capital político, e por isto o mundo do capital já enviou diversas mensagens por intermédio de assessores e da grande mídia de que a tolerância chegou ao fim.
Compreendida a mensagem, a Presidência revelou estar disposta a ancorar o diagnóstico da missiva anônima, a saber, que o Brasil é “ingovernável” no plano da institucionalidade, e assim, portanto, seria inevitável uma ruptura institucional, o que, a rigor, tampouco deveria representar surpresa, posto que o vice-Presidente Mourão já havia anunciado durante o período eleitoral em entrevista à GloboNews realizada no dia 08 de setembro de 2019 que alcançado o poder o autogolpe poderia ser recurso a ser utilizado pela nova chapa Bolsonaro-Mourão com apoio das Forças Armadas em caso de que fosse diagnosticada “anarquia”.
Tão grave quanto o projeto que instrumentaliza a figura de Bolsonaro e a incapacidade manifesta do titular do poder é o autoritarismo e apreço pelo golpismo já declarado por Mourão ainda antes das eleições, quando as circunstâncias sugeriam o extremo comedimento, e não a antecipação de passos perigosos. Portanto, o que está em jogo para o pensamento progressista não é apenas a queda de Bolsonaro, mas a articulação com a sua substituição. Mourão não representa projeto estável de democracia, senão o prosseguimento em grau de maior solidez do autoritarismo com viés ditatorial-militar, e não menos elitista e discriminatório.
As recentes eleições de 2018 foram apresentadas pela grande mídia à população brasileira como a grande alternativa “democrática” para que o Brasil voltasse às circunstâncias de estabilidade. Consciente direcionamento do processo, mas grave equívoco por parte de todos quantos concederam crédito ao discurso midiático. O processo eleitoral foi cristalinamente viciado pela exclusão à fórceps do então franco favorito, o ex-Presidente Lula, sendo utilizados diversos expedientes, dentre os quais a aceleração inusitada de sua condenação em segundo grau no TRF-4 com pena aumentada à medida. Como era imaginável, derivou desta fraude eleitoral nada mais do que um país profundamente dividido com nada menos do que 50 milhões de pessoas questionando o atual regime e insatisfeitas com o processo eleitoral. Disto não se poderia imaginar que derivasse algo mais do que crise, e a considerar a resultante da união do status intelectual e emocional do vencedor das eleições apoiado pelo grande capital tornou-se evidente a incapacidade de projetar dias melhores.
O bolsonarismo anteviu que o cenário está minado e que até forças do mesmo campo competem para ocupar o território político esvaziado pela inação do Presidente, cujos maus resultados sucessivamente o colocam em condições de ser retirado do núcleo do poder. A percepção compartilhada é de que os instrumentos disponíveis à estrita legalidade finalmente derrotarão o clã Bolsonaro contra todos que deixaram de ser funcionais para o sistema. A retirada do Presidente do mandato é hoje consequência lógica das circunstâncias, mesmo devido a que não dispõe de apoio suficiente no Congresso. O bolsonarismo já sabe que o momento em que dispunha de algumas opções já é passado, e que à iminente derrota apenas lhe resta como opção a subversão e o golpe contra o regime democrático-constitucional. Contudo, não será sem o apoio das Forças Armadas que o bolsonarismo realizará este projeto, mas é dubitável que a caserna avance para apoiar a radicalização de projeto à partida já insano e anti-nacional.
É notável a erosão do bolsonarismo entre as altas esferas estreladas do Exército que compõem o núcleo duro do Governo, mas cujo apoio não garante aquilo de que Bolsonaro mais precisaria no Congresso em um regime democrático, a saber, votos. Do que o Exército dispõe é da força bruta em espécie, apenas eficaz se aplicável contra o seu próprio povo, como se pode observar no recente episódio envolvendo a Venezuela. A elite brasileira e seus associados estrangeiros patrocinaram a ascensão de útil idiotia pedra noventa à posição de máximo poder, e hoje, comprovado pelo tempo, determinado segmento já começa a lamentar em face de sua indesmentível disfuncionalidade, derivada de uma condição psíquica insuficiente para o seu devido exercício.
É importante não manter falsas ilusões sobre os movimentos que estão a ser realizados. A insatisfação com o Presidente atinge índices notáveis em face do despautério diário de sua conduta que abrange todas as dimensões da vida pública e privada. Este ambiente de sucessivas declarações tensiona extremamente e erode a possibilidade de compreensão racional da vida pública por parte da cidadania que, atordoada, reclama ao menos uma opção racional. Mourão está colocado nesta posição desde o início do projeto por estrategistas que souberam que determinadas patologias não encontram solução a curto prazo nem à idade avançada.
O jogo político posto não deriva de alguma casualidade histórica, senão que a elite sempre soube da situação irremediável do perfil de seu candidato, que a curto prazo a colocaria em situação de promover o seu afastamento, e daí o estratégico posicionamento de Mourão na vice-Presidência. Este supostamente representa a reserva de força militar orgânica aliada a algum nível de “racionalidade”, algo reclamado pela tensão multidão, e poderia ainda mais facilmente concretizar a sua promessa de recorrer ao fechamento do regime “se necessário”, tarefa para a qual poderia contar com relativo apelo geral e apoio das elites na medida em que inexistiria clara opção de poder dentro do bloco que a ele ascendeu em 2018.
Rigorosamente, já foi arrematada a democracia, malgrado os insistentes comentários que demandam por ações e reações institucionais pautadas por ela. Hoje está colocada em questão a estratégia por encerrar oficialmente o período de direitos sociais e liberdades sob o marco da Constituição de 1988, e a reforma da previdência é apenas uma destas mostras. Outro movimento neste sentido está sendo realizado pelo bolsonarismo, que conclama seus apoiadores para que ocupem as ruas neste próximo dia 26 de maio de 2019, quando testarão a intensidade do apoio de que ainda dispõem para, então, avaliar se o golpe de Estado é viável a partir de seu foco no desapreço de segmentos da população relativamente ao Congresso e ao STF agora somados ao fictício papel destrutivo das corporações contra a Presidência de Bolsonaro. A convocação destes apoiadores servirá na prática como um plebiscito informal confirmatório, ou não, da legitimidade do governo Bolsonaro recentemente eleito, e a resposta, antecipamos, será fragorosa derrota.
Acaso as ruas permaneçam esvaziadas e o eleitorado negue apoio ao Presidente, o regime certamente tentará encontrar ainda vias e meios para manter o poder, posto que livrar-se dele não estará no horizonte. Precisarão responder ao provável cenário para este final de mês de maio, a saber, o recrudescimento da crise pelo avanço nas investigações sobre a família Bolsonaro, as manchetes diárias em desfavor do governo e o anunciado fracasso da manifestação governista neste próximo dia 26 de maio de 2019, logo sucedida por uma extremamente exitosa manifestação da esquerda convocada para o próximo dia 30 de maio de 2019, maximizada em ânimo e expectativa insuflada pelo grande êxito da última manifestação do dia 15 de maio de 2019 que acuou o autoritarismo planaltino.
A eventual queda do Presidente Bolsonaro não restituirá de imediato o caminho para a legitimidade e normalização institucional no país sob um possível Governo Mourão, malgrado os apoios que vem equivocadamente sendo granjeados até mesmo por setores progressistas. Muito longe disto, a ascensão de Mourão ao poder representará grave equívoco, e dois são os principais motivos. O primeiro deles é seu desapreço pelas instituições, pois ao ser questionado por Miriam Leitão sobre as circunstâncias em que a democracia e a Constituição poderiam ser alvo de “sacrifício”, Mourão foi taxativo ao responder que bastaria detectar a ocorrência de “anarquia”, mesmo quando este não seja um caso previsto na Constituição brasileira para a intervenção das Forças Armadas. O segundo motivo diz respeito a que a restauração da normalidade democrática e plena legitimidade é insustentável quando o poder seja ocupado por um homem sem votos ou trajetória política mesmo que modesta. A restauração da legitimidade e da perspectiva de estabilização do Brasil passa, inexoravelmente, por eleição direta para a Presidência da República.
As forças progressistas e os democratas em geral deverão conhecer proximamente o momento de reversão da relação de forças nas ruas como há muito não se observa no Brasil. Este passo servirá como sinal para a inteligência do atual regime admitir que a defesa da legalidade implicará o recuo político e a consideração da realização de eleições antecipadas ou, então, situação mais grave, empreender o obscuro, perigoso e definitivamente insano caminho do golpe aberto e instauração de um regime militar.
No atual quadro político brasileiro a chave de ignição imediata para superar enfrentar a grave crise posta é a densificação da resistência nas ruas para além da demonstração dada no último dia 15 de maio de 2019, cuja bandeira deve ser a convocação de eleições diretas, e já. Não há opção entre Mourão e diretas já, entre a retomada fortalecida do projeto de alienação das riquezas nacionais, agora reforçada pelo militarismo à testa, calçado na ameaça de autogolpe. A alternativa fecunda e legítima para o Brasil passa pela redefinição da relação de forças políticas nas ruas e por eleições diretas nas quais todos os candidatos, Lula inclusive, encontrem-se habilitados para candidatar-se, sem o que continuaremos imersos em similar pântano ao que as falsas eleições de 2018 nos conduziram.
Não há alternativa consistente para restaurar a estabilidade, níveis mínimos de respeitabilidade política e confiabilidade das instituições enquanto não for reconduzido ao poder um governo legítimo nascido das urnas e derivado de processo eleitoral juridicamente normalizado, sem máculas ou dúvidas, sob o signo da restauração do Estado democrático de direito, amplo respeito aos direitos sociais tendo como orientação maior a soberania nacional. A ausência destes elementos manterá a população sob intensa discórdia, enquanto o país seguirá sem mais horizonte do que a degradação econômica e institucional.
É preciso reagir à perfeita compreensão de que Bolsonaro é incompatível com a democracia. É preciso mais do que desalojar a ameaça representada por aqueles dispostos a dinamitar a democracia e os valores constitucionais assim como o conjunto dos princípios fundamentais da ordem jurídica estabelecida. Nesta encruzilhada histórica ou o povo brasileiro enfrenta o golpismo bolsonarista ou este o golpeará firmemente abrindo uma longa noite de terror e opressão. Mourão não, diretas já!
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