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    Paulo Kliass

    Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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    Musk, Bolsonaro e a privatização

    Bolsonaro oferece, de forma generosa e gentil, a exploração da Amazônia a Musk

    Bolsonaro e Elon Musk (Foto: Reprodução/Twitter)

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    É impressionante a capacidade que o Presidente Bolsonaro carrega consigo de surpreender a sociedade brasileira a cada novo dia que passa. Desde o início de janeiro de 2019, o ex-capitão mantém permanentemente em sua agenda política declarações, inciativas, reuniões, documentos e viagens marcadas por sua natureza polêmica e inusitada. A postura negacionista e irresponsável perante a pandemia da covid 19. A mentira oficializada a respeito do desmatamento e do desrespeito completo frente aos direitos dos povos indígenas. As falas homofóbicas e machistas em situações diversas, inclusive contra a ex primeira dama francesa, Brigite Macron. A postura submissa e vergonhosa frente ao ex presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e a sua insistência em manter o Brasil na condição de um pária no cenário das relações internacionais. Enfim, são inúmeras as manifestações comprometedoras daquele que defende a ditadura, a tortura e a pena de morte.

    Pois agora, em meio à campanha eleitoral ainda não oficial, em busca de atos de desespero para sair da condição de perdedor anunciado em sua tentativa de reeleição, ele resolve prestar uma “homenagem” àquele que é considerado um dos empresários trilionários mais ricos do planeta na atualidade. Elon Musk veio ao Brasil, em mais um dos seus inúmeros périplos globais para farejar novas oportunidade de ampliar seus negócios e sua fortuna. O encontro entre ambos pode ser enquadrado como retrato simbólico mais do que perfeito do chamado complexo de vira-lata. Trata-se daquela deformação apontada por Nelson Rodrigues para tentar compreender a maneira pela qual as elites brasileiras se relacionam com os poderosos do resto do mundo.

    Bolsonaro lambe botas de Musk

    No caso concreto, o Chefe de Estado foi quem se apressou a sair atrás de uma agenda com o megaempresário. Em uma cena que beira o patético e o vergonhoso, Bolsonaro sai correndo do Palácio do Planalto em Brasília e se dirige a um hotel no interior de São Paulo, onde o Musk se encontrava hospedado. Uma completa inversão de valores, bem reveladora da forma com a qual Bolsonaro lida com o Estado brasileiro. Topa qualquer negócio para assegurar sua reeleição. Um Presidente da República que se ajoelha perante um detentor de um imenso volume de capital espalhado pelo mundo.

    O empresário de origem sul-africana tornou-se o símbolo do capitalismo concentrador e globalizado. Possui negócios pelo mundo afora e tornou-se bastante conhecido por ser proprietário de empresas como a Space X e a Tesla. A primeira é fabricante de foguetes e satélites, enquanto a segunda produz veículos elétricos e um conjunto maior de bens associados ao armazenamento de energia não fóssil. Os interesses de seu conglomerado encontram no Brasil um vasto território para explorar aqui os recursos existentes.

    Bolsonaro oferece, de forma generosa e gentil, a exploração da Amazônia a Musk. O grupo do bilionário tem todo o seu olhar apetitoso voltado para essa região e enxerga na entrega desse território estratégico uma oportunidade a mais para utilização de seu arsenal de comunicação por meio de satélite. Imaginemos a loucura dessa oferta que compromete de forma absoluta nossa soberania e entrega as informações sensíveis a respeito desse imenso bioma ainda bastante desconhecido de todos nós. Com Musk, todo esse fenomenal banco de dados passa a ser objeto de tratamento como mera mercadoria.

    Amazônia e lítio

    Além disso, um dos aspectos dessa negociata criminosa foi objeto de um vazamento para imprensa. Bolsonaro teria oferecido a Musk também a possibilidade da exploração do nosso potencial de lítio, um mineral essencial para a indústria da tecnologia moderna e do futuro. Segundo os bastidores não confirmados, o bilionário teria esnobado tamanha gentileza nesse primeiro momento. A prudência recomenda cautela na aceitação dessa versão, pois o Brasil mantém em subsolo uma importante e desconhecida reserva de lítio. Apesar de ainda estarmos bem atrás do estoque conhecido nos países da América do Sul, como Bolívia, Chile e Argentina, é bem possível que o volume em nosso território não seja desprezível. E há estudos apontando para o mineral como se tornando um dos mais valiosos no globo nas próximas décadas.

    O interesse de Musk neste elemento essencial para a indústria de microprocessamento e no armazenamento de energia em baterias é tão grande que ele chegou mesmo a se meter na política interna da Bolívia recentemente. Quando se viu acusado de haver colaborado com o golpe que depôs o Presidente Evo Morales, ele vestiu a carapuça e afirmou, com a prepotência típica de quem consegue fazer Bolsonaro lamber seus pés, textualmente que: “vamos dar golpe em quem quisermos”.

    Vargas fez o oposto com Petrobrás e Vale

    Em outro momento de nossa História, um verdadeiro estadista preocupado com a consolidação de nosso país como uma grande Nação teve uma postura completamente oposta. Getúlio Vargas tornou o subsolo um espaço potencial cuja exploração é exclusividade da União. Ele sabia da importância estratégica do minério de ferro e do petróleo. E constituiu empresa estatais para dar conta dessa tarefa: Cia Vale do Rio Doce (1942) e Petrobrás (1954). O momento atual exige uma postura semelhante, buscando assegurar o futuro do País por meio da regulamentação e do controle público sobre as nossas reservas de lítio.

    Mas Bolsonaro vai na direção oposta. Entrega o futuro do Brasil de mãos beijadas e prossegue firme na sanha liberaloide de Paulo Guedes e do mundo do financismo. O caminho preferido por esse pessoal é sempre o da privatização, sob a discurso esfarrapado de privilegiar a liberdade das forças de mercado. Ocorre que a importância estratégica do lítio já está colocando em movimento os pesos pesados da economia e da geopolítica global. Os três países da América do Sul acima mencionados são responsáveis por quase 70% das reservas já conhecidas em todo o mundo. Por isso articulam uma cooperação para exercerem algum tipo de controle sobre o bem, a exemplo do que a Opep faz com o petróleo. E nesse tipo de disputa com cartéis e oligopólios não cabe espaço para ilusões de algum ponto de equilíbrio a ser alcançado por meio das forças de oferta e demanda.

    Seria importante que a campanha de Lula apresentasse alguma demarcação sobre o tema. Trata-se de tentativa de inviabilizar ou retardar qualquer compromisso mais irresponsável a ser oferecido por Bolsonaro em seus últimos meses à frente do governo. Além disso, seria uma excelente oportunidade para reafirmar a postura de independência e soberania de nosso País, a exemplo do que foi desenhado para exploração das reservas do Pré Sal.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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