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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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No racismo estrutural, nem todo preto é seu aliado e nem todo branco é seu inimigo

É muito mais comum do que se imagina ver negros sabotando outros negros e reproduzindo comportamentos inerentes à branquitude sistêmica

(Foto: Pixabay)

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Engana-se um preto, ao imaginar, por exemplo, que pelo fato de seu parente, vizinho, colega de trabalho ou de universidade, ou qualquer outra pessoa próxima do seu convívio, pertencerem à sua mesma raiz étnica, que eles lhes serão confiáveis e aliados. Mesmo sofrendo na pele, no corpo e na alma, as mesmas dores existenciais e sociais que o racismo impõe a todos os pretos. Ricardo, você está querendo dizer que pretos também são racistas com outros pretos? Óbvio que não. Estou dizendo que o conceito de branquitude é muito mais abrangente do que uma simples pigmentação mais clara na cútis. É quase que um estado de espírito manifestado por aqueles que se julgam humanamente superiores aos pobres mortais racializados. E como os pretos, que sempre foram desumanizados historicamente, podem se imaginar encaixados nesse espectro social?

Desde que a figura do capitão do mato, um preto que era designado para manter outros pretos sob o controle dos escravocratas e capturá-los quando estes fugiam desse controle, foi instituída como honrosa e diferenciada função a ser exercida, muitos pretos passaram a se sentir existencialmente diferentes dos demais. A Polícia Militar é um exemplo claro dessa alienação por meio de uma suposta superioridade. A maioria esmagadora que compõe a base operacional da instituição é preta e periférica. No entanto, é por meio das armas desses agentes racializados pela estrutura, que o Estado brasileiro segue promovendo o genocídio da população preta e periférica. E, nesse caso, especificamente, temos um fator ainda mais complicador. A autoridade que esses agentes têm para exercerem suas frustrações raciais e sociais contra os seus iguais, não percebendo que matam a eles mesmos a cada dia, acreditando que incorporam o espírito da branquitude sistêmica através do comportamento.

Deveriam cair em si, quando um morador de Alphaville ou do Leblon, os colocam em seus devidos lugares, lembrando-os que na sua calçada eles não podem pisar. Mas isso não acontece. Consequentemente, eles descarregam tal frustração sobre quem eles consideram mais fragilizados social e economicamente. Mesmo eles também sendo tão fragilizados e discriminados quanto. É muito mais comum do que se imagina, ver negros sabotando ou ajudando a oprimir a outros negros, reproduzindo comportamentos inerentes a branquitude para tentarem se descolar da racialização imposta. Bobagem. Dentro do conceito sociológico de branquitude, preto é preto. Independentemente de sua profissão, formação, condição econômica, beleza ou capacidade de assimilação “brancocêntrica”, seu comportamento nunca estará interligado aos indivíduos brancos, porque o seu meio racial de origem o excluirá automaticamente de qualquer identificação com associações, grupos ou instituições existentes em uma sociedade racista e classista como a brasileira.

Observem como o racismo sofrido por pretos pobres e sem grande visibilidade, causa menos comoção e mobilização por parte da sociedade dita “antirracista” e, até mesmo, por parte de pretos com mais visibilidade e poder econômico. Talvez, repito, talvez, pelo fato de que alguns pretos, por se sentirem superiores, seja social, financeira ou academicamente falando, comecem a enxergar os pretos menos “embranquecidos” como pretos. O fogo amigo aqui sugere uma reflexão. Quantas vezes você presenciou uma atitude racista e interveio para defender a vítima de tal crime? A pergunta também vale para os pretos, ok? Ao dizer que nem todo preto é meu aliado e nem todo branco é meu inimigo, me equilibro numa linha tênue e bamba que tange as complexidades do racismo estrutural, onde um racista declarado é menos perigoso do que um falso companheiro de luta. Sobretudo, quando aprendemos a avaliar a conduta das pessoas por seus gestos e atitudes práticas, e não apenas por suas retóricas discursivas.   

Se não evitar conflitos raciais é importante para que a branquitude não se sustente, evitar propor uma reflexão aos nossos é tudo o que a branquitude necessita para se perpetuar na sociedade. Afinal, por mais que um preto atinja uma evolução econômica e social, a branquitude nunca permitirá que ele se sinta pertencente a ela. Se não fosse assim, não teríamos pretos e pretas “bem-sucedidos” sofrendo racismo. Manoel Soares que o diga. A autora e ativista estadunidense Bell Hooks, nos fez refletir sobre a supremacia branca como um lugar de vantagens onde se sustenta todo o aparato da sociedade. Incluindo a educação acadêmica, onde o privilégio epistêmico da branquitude impera desde sempre. É um engano terrível um preto "academizado" acreditar que passa a ser inserido nessa condição privilegiada, apenas por ter adquirido uma formação superior sob a assimilação de uma episteme que não é a sua, que subestima a sua cultura ancestral e que o ignora como produtor de conhecimentos e saberes. 

Parafraseando Martin Luther King, I have a dream. Sonho com o dia em que pretos e pretos possam se enxergar e se tratarem, de fato, com igualdade e, juntos e misturados, promoverem a queda dessa estrutura racista que sabe como ninguém nos colocar uns contra os outros, assim como ensinou o proprietário de seres humanos escravizados William Lynch, potencializando as diferenças existentes entre nós, fazendo delas um fator de desequilíbrio da nossa unidade e nos condicionando a sermos os auto sabotadores da nossa liberdade coletiva. Acho que vale uma reflexão! 

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