O deserto é fértil. A volta da esquerda às origens
"A a volta de uma onda conservadora no país é um convite a uma transformação profunda"
Sou um dos candidatos a prefeito do PT derrotado pela extrema direita nas eleições municipais de 2024. Perdi a eleição com a diferença de 61 votos, em Guarapuava, centro do Paraná, um município com aproximadamente 190 mil habitantes, berço do conservadorismo, cidade em que o presidente Lula foi impedido de entrar na caravana de 2022. Continuo o meu trabalho como deputado estadual e saio desta eleição ainda mais convicto de que a esquerda no Brasil tem uma grande caminhada pela frente para retomar os caminhos que nos motivaram a iniciar a luta pelos trabalhadores contra a ditadura militar.
Os cargos políticos que ocupei foram consequência dos caminhos que escolhi para a vida como médico popular, atendendo à população diariamente, o que me deu o privilégio de não tirar os pés do pó e do barro onde a periferia pisa. Ainda como estudante de medicina, me considerava um jovem pobre do interior buscando formação na capital e, já nos primeiros estágios, entendi a disparidade social e o que era a verdadeira miséria. Desde então sigo a minha missão de estar sempre junto com quem mais precisa.
Hoje avaliando os resultados das eleições e a vitória da direita em todo o Brasil, percebo que de fato a volta de uma onda conservadora no país é um convite a uma transformação profunda. Sentimos fortemente este efeito nas urnas agora, mas ele vem graficamente estabelecido desde a ação da nefasta da Lava Jato e o golpe com o Impeachment da Presidenta Dilma, reforçado por um afastamento do Partido dos Trabalhadores das bases.
Depois que Lula chegou ao poder e começamos a ampliar as políticas sociais, achando suficiente institucionalizar nossos projetos com o aparato governamental, esquecemos de nos comunicar com a ponta e abandonamos a convivência com a população. Demos espaço para potencial influenciador ideológico com o crescimento das igrejas evangélicas, que ampliaram muito o alcance, acolhendo angústias e reforçando aspectos de fé muito característicos na sobrevivência do nosso povo, mesmo que muitas vezes com a imagem de um Cristo absolutamente mercantilizado.
E assim chegamos onde estamos agora. Como explicar a vitória de Melo em Porto Alegre e Nunes em São Paulo nos bairros mais pobres, concorrendo com nomes de tanta qualidade de trajetória como Maria do Rosário e Boulos? Pela absoluta distorção do que representa a esquerda e a direita no país. Por camadas empobrecidas da sociedade serem totalmente alheias aos interesses das políticas neoliberais que as comanda e escolherem ser representadas por quem as oprime e escraviza. Um vácuo de consciência de classe e organização social.
Precisamos voltar às origens, reformular nossas estratégias e operar uma completa reformulação partidária. O Partido dos Trabalhadores, infelizmente, em boa parte, virou uma “Confederação de mandatos” que atuam para a sua própria sobrevivência, sem que a formação de novas lideranças seja efetiva. Nas minhas andanças diárias, encontro diversas pessoas que se manifestam petistas, sem nunca terem se filiado na vida. São elas que precisamos identificar e chamar para a caminhada.
Temos também muitos problemas de comunicação, o que gera grande parte da nossa rejeição. Obviamente precisamos avançar nas redes sociais, mas honestamente este nunca será o nosso forte, já que não poderemos competir de igual para igual com uma direita digital que não tem o mínimo de escrúpulos e vive de disseminar mentiras. Porém, o mais grave é que no campo do corpo a corpo também perdemos o rumo, na falta do olhar amoroso e humano, do abraço, do calor da mão que segura a outra no momento da fome, doença, enchente e do apagão, além, é claro, da necessária destinação de recursos vultuosos para a resolução dos problemas que o Governo já faz sem ser reconhecido.
Quando falo que a esquerda se afastou do convívio com o dia a dia do povo, sempre sigo com a pergunta “e quem é essa esquerda que se perdeu em sua essência?”. Somos todos nós, militantes e agentes públicos que devem voltar imediatamente ao olho no olho com as pessoas e aos projetos de organização social, oferecendo informação e formação de qualidade, levar a esperança que faz com que a vida prossiga, estancando a devastação da antipolítica e apoiando as comunidades para que estejam mais acordadas a quem pode de fato defender os seus interesses.
Como diria Dom Helder Câmara, uma das minhas grandes inspirações de vida na Teologia da Libertação, “o deserto é fértil” e a nossa luta não pode parar. Historicamente temos uma força gigante para renascer em momentos de dificuldade. Essa é a nossa natureza! Espero que esta crise que vivemos sirva de alimento para nutrir o nosso desejo genuíno de justiça social, igualdade e que aconteça uma grande reformulação em meio a este caos generalizado sobre quem somos e quem comunicamos ser.
Luta que segue!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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