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    Pierpaolo Cruz Bottini

    Advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

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    O destino da delação premiada de Cabral

    "É preciso definir o que fazer com os acordos firmados pela autoridade policial aos quais o Ministério Público se opõe de saída, como ocorre no caso de Sérgio Cabral", escreve o advogado Pierpaolo Cruz Bottini

    (Foto: Reprodução)

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    Por Pierpaolo Cruz Bottini, no Conjur

    O STF decidirá, nesta semana, o destino de colaboração premiada de Sérgio Cabral.

    O ex-governador do Rio de Janeiro foi acusado pela prática de corrupção e lavagem de dinheiro. Optou pela colaboração premiada e firmou-a com a polícia federal. Apesar da manifestação contrária da Procuradoria-Geral da República, a avença foi homologada pelo ministro Edson Fachin, no Supremo Tribunal Federal (Pet 8.482).

    A PGR recorreu ao Plenário da Corte. Defendeu a não homologação do acordo porque parte dos valores obtidos pelo colaborador teriam sido ocultados e pela ausência de justa causa para a concessão dos benefícios pactuados.

    É esse recurso será julgado nesta semana, e três são os pontos centrais da discussão.

    O primeiro: a legalidade de uma das cláusulas do acordo de Cabral, que prevê a possibilidade do colaborador confessar outros fatos criminosos dos quais participou em até 120 dias após a assinatura do pacto. Segundo o ministro Gilmar Mendes — que já apresentou seu voto no caso — tal cláusula é absolutamente ilegal, porque não delimita o objeto da avença e oferece benefícios ao investigado sem que se tenha ao certo quais os ilícitos por ele praticados.

    O segundo: a inviabilidade de homologar um acordo diante de indícios de que o colaborador ocultou o produto do crime durante o processo de negociação.

    Como já apontamos em coluna anterior, não é lícito que as partes, em um acordo de colaboração, transacionem o produto do crime. A avença não pode admitir que o investigado mantenha em seu patrimônio aquilo que foi objeto da prática criminosa, os recursos resultantes do delito.

    Nesse contexto, é evidente que o acordo não subsiste quando constatado que o réu esconde ou oculta esse mesmo objeto, sonegando das autoridades informações sobre sua existência ou o local onde se encontra. As bases sobre as quais se assenta o pacto de colaboração — boa fé e transparência — deixam de subsistir.

    Não se trata aqui de mera inadimplência da avença, em que o colaborador perde os benefícios, mas as provas dela resultantes permanecem hígidas. Trata-se de insubsistência do próprio acordo, que macula todos os seus efeitos, cláusulas e desdobramentos. O réu não obtém as benesses esperadas e todos os indícios ou provas decorrentes do acordo deixam de existir (STF, 2ª Turma, HC 142.205, Rel. Min. Gilmar Mendes).

    O terceiro ponto de discussão: a possibilidade de homologação de acordos firmados pela polícia sem a anuência do Ministério Público. A Lei 12.850/13 autoriza a celebração de colaborações premiadas pela polícia e o STF, em decisão do Pleno na ADI 5.508, reconheceu a constitucionalidade deste dispositivo.

    Porém, é preciso definir como essa prática se encaixa em um sistema acusatório, em que o Ministério Público é o titular da ação penal (ao menos nas ações penais públicas). O acordo de colaboração não é uma mera carta de intenções. É uma manifestação do Estado, que se compromete com a concessão de benefícios ao réu, caso a cooperação seja profícua. Há, como assentou o ministro Edson Fachin, “um direito subjetivo aos benefícios” caso o colaborador cumpra com suas obrigações (ADI 5.508).

    Nesse quadro, não parece concebível que alguém firme um acordo de colaboração com um representante do Estado (o delegado de polícia), que essa avença seja homologada por outro representante do Estado (juiz), e ao final do processo não obtenha qualquer benefício, porque um terceiro representante do Estado (o Ministério Público) entende descabido o acordo desde o início.

    Calamandrei dizia ser sumamente perigosa para o réu a rivalidade entre magistrados porque "nesses casos o processo torna-se um litígio entre juízes, de que as partes, sem saber, pagam as custas". O mesmo vale para o conflito entre corporações. Seja qual for o vencedor, o prejudicado sempre será o jurisdicionado, aquele que confia no Estado para solucionar suas questões de forma isenta e imparcial.

    É preciso definir o que fazer com os acordos firmados pela autoridade policial aos quais o Ministério Público se opõe de saída, como ocorre no caso de Sérgio Cabral.

    O ministro Gilmar Mendes, no agravo em análise, defendeu a insubsistência dessas avenças sem a anuência do parquet. No mesmo sentido, a ministra  Rosa Weber e os Ministros Edson Fachin e Luiz Fux, nos autos da ADI 5.508. Por outro lado, os ministros Celso de Mello, Carmen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes entenderam, neste último julgamento, que "eventual manifestação contrária do Ministério Público não obriga nem vincula o órgão do Poder Judiciario".

    A falta de definição sobre o tema gera incertezas. É preciso organizar a atuação dos agentes públicos, para que eventuais conflitos corporativos não afetem a segurança jurídica. O STF terá uma boa oportunidade nesse julgamento para definir o papel do Ministério Público no contexto das colaborações policiais e assentar talvez um caminho pelo qual o sistema acusatório possa seguir sem grandes percalços.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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