O golpe de Bolsonaro é blefar e meter medo
"Bolsonaro sempre pretendeu ser um déspota, com o controle político da Polícia Federal, do Congresso, do Supremo e do Ministério Público. É aparelhar e militarizar o Estado", escreve Moisés Mendes
A palavra povo não aparece nas falas rasas que Bolsonaro tenta fazer de improviso. Não aparece muito menos nos discursos em que ele soletra o que escrevem para que leia o que não sabe numa máquina de teleprompter, olhando mecanicamente para os lados e forçando entonações e pausas em que imita a si mesmo.
O povo não faz parte do repertório de Bolsonaro. Mas no dia 11, dia seguinte ao discurso de Lula, o sujeito referiu-se ao povo. Ele disse:
“Repito, eu faço o que o povo quiser e digo mais, eu sou o chefe supremo das Forças Armadas, as Forças Armadas acompanham o que está acontecendo, as críticas em cima de generais, não é o momento de fazer isso”.
Se o povo quiser, ele volta a falar de golpe. Bolsonaro não promete baixar os preços do gás e da gasolina, não diz que vai se esforçar para que todos tenham comida, aborda a contragosto o auxílio emergencial, não fala em emprego, ignora o crescimento da miséria
Bolsonaro tem um bloqueio para falar do que interessa ao povo. Nunca disse uma palavra de conforto ao povo que perde parentes na pandemia. Mas disse agora que, se for preciso, estará pronto para fazer o que o povo deseja.
O que ele tenta dizer é que, se quiserem, volta a ameaçar com golpe. É a sua especialidade. Desde antes de assumir o governo, induziu Hamilton Mourão a dizer que poderia aplicar um autogolpe, sem que ninguém soubesse ao certo na época o que isso poderia significar.
O autogolpe hoje seria a tomada absoluta do poder, em nome de uma alegada defesa de interesses do país diante da ameaça de ‘desordem’.
Bolsonaro sempre pretendeu ser um déspota, com o controle político da Polícia Federal, do Congresso, do Supremo e do Ministério Público. É aparelhar e militarizar o Estado.
Sergio Moro fazia parte desse plano, para colocar as engrenagens da PF a serviço da família, mas os dois não combinaram direito a empreitada e o justiceiro caiu fora.
A fala em que prometeu seguir o que o povo deseja foi dita no dia seguinte ao discurso de Lula. Estava atordoado com a potência retórica do ex-presidente.
Achavam que Lula falaria no mesmo tom das entrevistas que vinha dando desde que foi libertado. Mas ali naquele dia 10 ele tinha um palanque, o lugar em que é imbatível.
Bolsonaro, o chefe Supremo das Forças Armadas, está sob tensão com Lula por perto, agora como ameaça real. Por isso repete que é o chefe dos militares e que pode determinar que eles façam o que o povo deseja.
O sujeito deseja que o povo lhe dê suporte para mais blefes. A tática é manter o país sob o controle dos medos.
Que temam os generais, porque na ditadura perseguiram, prenderam, torturaram, mataram, sumiram com corpos. E ficaram impunes.
O golpe é no fim o próprio blefe, e disso ele não sabe como passar, desde o tempo em que frequentava as manifestações de Sara Winter em Brasília. É bem provável que não queira ir além do blefe, porque um passo em falso pode empurrá-lo para o penhasco.
Bolsonaro deveria se informar sobre o que aconteceu na Bolívia em 2019, quando os generais se aliaram aos golpistas, a reboque de um motim das polícias, e depois não sabiam o que fazer.
Hoje, a Justiça boliviana procura os militares que ajudaram a derrubar Evo Morales, sem que tivessem protagonismo. Os golpistas serão presos.
Os chefes militares bolivianos eram covardes e foram empurrados para o golpe porque não tinham o controle do que acontecia.
Bolsonaro tenta criar uma base civil armada, para que dependa menos das forças institucionais. Imagina-se que o povo a que ele se refere é, em boa parte, esse contingente armado ou a caminho disso ou simpatizante de armas e de armamentistas.
A questão incômoda é esta: os militares que Bolsonaro diz chefiar correriam o risco de serem misturados a ações de milicianos? Na Bolívia, só para seguir o exemplo recente, os generais se transformaram em recrutas de policiais rebelados. Deu no que deu.
O mundo da Bolívia é outro mundo? Certamente é. Assim como é outro mundo o do golpe fomentado por Trump e liderado por um alucinado com um par de guampas. Está difícil aplicar e manter golpes, na Bolívia ou nos Estados Unidos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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