O horror, o horror: brasileiro que está em Gaza fala do drama de viver sob ataque de Israel
Hasan Rabee participou do Bom Dia 247 e disse acreditar que os brasileiros serão os últimos a receberem autorização israelense para deixar o território
Acabo de entrevistar o palestino-brasileiro Hasan Rabee, que está em Gaza e não sabe quando poderá sair. "Quem decide tudo é Israel", disse. Ele aguarda a inclusão do nome dele, da esposa e de duas filhas na lista de pessoas autorizadas a sair do território e que precisa ser aprovada pelo Estado de Israel.
"Saiu a segunda lista e não existe nenhum nome de brasileiro", contou. Ele disse acreditar que os brasileiros estão sendo retidos por causa da posição do governo brasileiro, de apoio à causa palestina. "O que está acontecendo aqui é inacreditável. Bastante gente morrendo, bastante criança morrendo, bastante gente inocente morrendo. Muita gente desaparecida", afirmou, durante o Bom Dia, da TV 247.
Hasan relatou a rotina de sofrimento. "Já são 25 dias sem energia. Não chegou nem um segundo energia, sem água no encanamento. A água que a gente tem para beber dá para dois dias, depois temos que beber água salgada até encontrarmos água doce", disse. "E as bombas lançadas por Israel não cessam", acrescentou.
"Caiu uma bomba faz uma hora aqui perto de casa", contou.
Hasan lembra que foi para Gaza há algumas semanas, depois de nove anos sem ver a mãe e as irmãs. Ele havia deixado o território em 2014, depois de uma violenta incursão das forças militares israelenses, numa operação chamada "Limite Protetor".
Naquela vez, 2.205 palestinos foram mortos durante os bombardeios e a incursão terrestre. Dessas vítimas, 1563 eram civis, incluindo 538 menores de idade, de acordo com a OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários nos Territórios Palestinos Ocupados).
Ele acabou se fixando no Brasil, onde casou com outra palestina, que havia vivido no campo de refugiados da Síria chamado Yarmouk. O casal teve duas filhas. Hasan estava na casa da mãe, no sul da Faixa de Gaza, quando houve o ataque do Hamas a Israel.
Ele já tinha planos de voltar ao Brasil, mas não pôde sair porque o governo de Israel bombardeou o caminho Rafah, na fronteira com o Egito. E impediu que as pessoas deixassem Gaza.
Na quarta-feira, foi autorizada a primeira saída. Nesta quinta, na segunda relação divulgada, a maior das liberações é de cidadãos dos EUA, que apoiam fortemente a ação militar de Israel.
Há pouco, Hasan se manifestou no Facebook, um dia depois de me ligar assustado durante a madrugada (no Brasil) para dizer que os brasileiros não tinham sido autorizados a sair naquela primeira leva. Agora parece conformado.
"Se o preço da defesa da humanidade e da injustiça é atrasar a nossa viagem e a saída das nossas famílias de Gaza, não temos nenhum problema, a gente entende isso", escreveu.
"O presidente Lula e suas declarações foram realidade, é uma pequena parte do que está acontecendo aqui. Com todo respeito, Israel está jogando um jogo sujo e eu imagino que seremos os últimos estrangeiros a sair daqui. Por isso, todo meu respeito ao presidente Lula e ao governo dele, que está ajudando dia-a-dia da gente aqui", finalizou.
O escritório de representação do Brasil instalado em Ramala, na Cisjordânia, tem enviado água e alimentos. No caso de Hasan, conseguiu um médico para a filha Celina, de 5 anos, que está com febre persistente e inflamação na pele de causa desconhecida. Na terça-feira, Lula falou sobre o conflito:
"Quando eu vejo lá na Faixa de Gaza, 3.000 crianças sucumbirem numa guerra que elas não promoveram, não pediram, não reivindicaram (...), aí a gente fica até com saudade do tempo em que as guerras eram de soldado. (...) Nós estamos vendo pela primeira vez uma guerra em que a maioria dos mortos é criança", lamentou.
E fez um apelo: "A gente não consegue fazer uma carta da ONU convencendo as pessoas que estão guerreando de que 'não é possível e parem. Pelo amor de Deus, parem'".
A chamada Força de Defesa de Israel não parou. Um vídeo enviado por Hasan mostra o bombardeio de uma escola no campo de refugiados de Jabalia, em Gaza, nesta quinta. As imagens são devastadoras e não podem ser publicadas, sob pena de censura nas redes sociais.
Vi. É o horror. Um jovem de bruços é tocado por outras pessoas. Está morto. Gritos de desespero. A câmera se desloca, sangue no chão, alguns metros adiante, outro jovem. Uma pessoa está com as mãos na jugular, para ver se há vida. Em vão. A câmera se desloca. Num canto, dois adolescentes, um mexe a cabeça. Sangue. A câmera se move, em meio a pernas que se movimentam depressa, para socorrer feridos ou identificar os mortos. Pessoas de cócoras abaixam a camisa de um homem de cabelos precocentemente brancos. Está vivo, com sangue escorrendo do abdômen. Ele faz um sinal com a mão. A câmera se desloca mais uma vez, passa por um homem com as duas mãos sobre a cabeça, num gesto de desespero. Dá para ver mais quatro corpos caídos. Um homem carrega um menino com camiseta cor de abóbora. A criança segura nas costas do adulto. Uma senhora com véu islâmico socorre um adulto de bruços, que não se mexe e tem um fio de sangue que escorre a partir do rosto. Ao lado dele, também imóvel e aparentemente morta, uma mulher com os pés manchados de sangue. O vídeo, que tem quatro minutos e 54 segundos, não passou ainda de um minuto. Uma mulher levanta um menino ferido, que quase não consegue mexer as pernas. Do lado direito, há uma montanha de sacos de lixo. A câmera passa por mais corpos, entre eles os de duas meninas, uma de blusa branca, com uma mancha de sangue no peito, a outra de camiseta rosa, com olhos abertos, e a perna esquerda virada. Estão mortas. Ouve-se uma sirene de ambulância, é possível ver uma parte do veículo tentando entrar, em meio a corpos caídos, e uma maca com um ferido que é carregada. O deslocamento da câmera não passou de cem metros, e foi possível ver toda essa imagem apocalíptica. O vídeo termina com um close da placa que indica o local: Abaixo do símbolo da Organização das Nações Unidas, uma frase em árabe e, abaixo, a identificação em inglês. O alvo do bombardeio foi a "Jabalia Elementary A & B Girls School".
Se para quem está a 10.500 quilômetros, é difícil segurar as lágrimas ao ver o vídeo, imagine para quem está a alguns poucos quilômetros, como é o caso de Hasan. Isso explica por que, ao dar entrevista nesta quinta-feira, ele parecia estar sem dormir, com um olhar de profunda tristeza. Abaixo, o vídeo com a entrevista.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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