O "Jornocídio" Palestino
Desde o início do massacre de Israel contra os territórios palestinos, já foram mortos mais de 120 jornalistas
Desde o início do massacre de Israel contra os territórios palestinos, já foram mortos mais de 120 jornalistas. O Sindicato dos Jornalistas Palestinos faz apelo por solidariedade classista.
A entidade sindical divulgou neste mês de janeiro um comunicado dirigido a jornalistas e profissionais dos meios de comunicação social em todo o mundo, apelando à salvaguarda dos jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação palestinos e a uma cobertura justa e imparcial.
“Há três meses que os nossos colegas e as suas famílias em Gaza têm sido deliberadamente alvos de Israel, que até agora matou mais de 100 jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação palestinos neste ‘jornocídio’. Embora esta política não seja nova para nós, uma vez que temos sido alvos de Israel durante décadas, a magnitude do horror e da perda de vidas a esta escala não tem precedentes”, diz trecho da nota publicada no site do Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS).
Gaza é o lugar mais perigoso do mundo para ser jornalista - A cada dia fica claro que o ataque deliberado de Israel a jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação social é uma clara violação das leis da guerra. Devido à sua natureza sistemática e generalizada, estes ataques devem ser investigados exaustivamente como crime de perseguição contra a humanidade.
“Os nossos coletes de imprensa, em vez de serem um símbolo universal de proteção, tornaram-se alvo da mira israelense, ao ponto dos nossos colegas em Gaza expressarem que usar os seus coletes os faz sentir-se inseguros”, denuncia o sindicato.
“O exército israelense matou mais jornalistas em 10 semanas do que qualquer outro exército ou entidade num ano. E com cada jornalista morto, a guerra torna-se mais difícil de documentar e de compreender”, afirma o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
O PJS informa ter mapeado vários casos de jornalistas que morreram em ataques aéreos às suas casas, muitas vezes com danos limitados em apartamentos circundantes no mesmo edifício, ou foram mortos no trabalho por disparos de drones ou franco-atiradores.
A sina de Wael Dahdouh - A história de vida do editor-chefe do escritório do canal de televisão Al Jazeera, do Qatar, na Faixa de Gaza, Wael Dahdouh, reflete bem esse contexto de horror que os profissionais jornalistas vivem na cobertura do genocídio palestino, promovido pelo estado de Israel nos territórios ocupados.
Nas primeiras semanas dos bombardeios israelenses ele perdeu a esposa, dois filhos e um neto. Suas imagens percorrendo o hospital para realizar o reconhecimento dos corpos de seus parentes comoveram o mundo. Em 7 de janeiro, Dahdouh sofreu mais uma perda familiar: mais um filho, Hamza Wael Dahdouh, também repórter da Al Jazeera, foi assassinado em Rafah, sul de Gaza. Quando acompanhado do cinegrafista Mustafa Thuria, teve o carro atingido por ataque aéreo, promovido pela força israelense.
Mais uma vez, circularam pelas mídias as imagens de um inconsolável pai segurando a mão de seu filho morto pela barbárie ensandecida do terror de estado. “A Hamza e a todos os mártires, digo que permaneceremos fiéis. Este é o caminho que escolhemos conscientemente. Oferecemos muito, oferecemos muito sangue, pois este é o nosso destino, e continuaremos. Hamza não era parte de mim, ele era tudo para mim”, disse após o enterro de mais um filho.
Um brasileiro denuncia o “jornocídio” - Autor do livro “Artigo 19, Violação da Liberdade de Expressão na Palestina”, o jornalista e fotógrafo brasileiro Lucas Siqueira conta, em sua obra, como o trabalho jornalístico é sistematicamente cerceado por Israel nos territórios palestinos ocupados, violando o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que diz: “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Segundo o autor, a obra é fruto de uma pesquisa científica iniciada em 2021 para a Universidade Paulista (UNIP), em que o objetivo era tratar das violações de direitos humanos que sofrem os jornalistas palestinos e sobre o boicote e a censura interna por parte do Estado de Israel, bem como com a conivência externa de outras instituições de mídia internacional e universidades.
“Na verdade, não era para ser um livro. Ele foi resultado de uma pesquisa científica, e como denuncio, na própria pesquisa, uma das maneiras de se boicotar e silenciar os jornalistas palestinos é a promoção de boicote acadêmico, distorção de narrativas e, no final das contas, acabei passando pelo boicote acadêmico por essa mesma pesquisa”, revela.
Siqueira conta que na entrega do trabalho, em setembro de 2023, obteve a nota mais alta em todos os critérios de avaliação. Em outubro houve a apresentação pública das pesquisas, com os respectivos resultados, mas ele não foi convidado para apresentar o trabalho, fato que o deixou bastante contrariado. No posfácio do livro o jornalista incluiu o e-mail em que recusa, como desagravo, o certificado do XXV Encontro de Iniciação Científica e Tecnológica UNIP/Santander.
“Eu não fui convidado a apresentar essa pesquisa, justamente porque já tinha ocorrido o 7/10. A narrativa sionista estava muito forte e por isso eu não fui convidado, mesmo com a nota que tive. Então me deram o certificado, dizendo que eu tinha apresentado a pesquisa, fato que não aconteceu. Daí surgiu a ideia de publicar o material como um livro, pois já não adiantava publicar somente matérias denunciando o que ocorre na Palestina, com o livro tendo distribuição gratuita pela internet”, conta o jornalista, que, a partir da militância pela causa palestina, desenvolveu uma rede de trabalho com profissionais dos territórios ocupados, produzindo há quatro anos reportagens de forma voluntária, sem objetivos financeiros.
Lucas Siqueira, a partir de sua pesquisa, correu contra o tempo. De 7/10 até o dia 22 de dezembro inseriu dados factuais, contextualizado com os bombardeios à Faixa de Gaza e à Cisjordânia. “Nesse período, vivi Palestina 24 horas por dia, mantendo contato com pessoas em Gaza, de brasileiros que voltavam de lá. A ideia de distribuir esse livro de forma gratuita é uma forma de denunciar o que está acontecendo lá”.
Com sua rede formada, o jornalista, em janeiro de 2023, resolveu conhecer de perto o que acontecia nos territórios ocupados, participando de uma conferência de jornalistas do Crescente Vermelho, conhecendo pessoalmente os amigos de sua rede, principalmente o jornalista palestino Muath Amarneh.
Somos todos Muath e Adham - Muath ganhou notoriedade quando, em 2018, durante um protesto em Surif, cidade da Cisjordânia ocupada, foi baleado enquanto fotografava. O fotojornalista foi alvejado no olho esquerdo por um integrante do exército de ocupação israelense. A imagem do seu rosto coberto de sangue, sendo socorrido por seus amigos jornalistas, percorreu o mundo e provocou vários protestos, notas de repúdio e a campanha “We are all Muath” (Somos todos Muat). Atualmente, Muath Amarneh está preso em uma prisão israelense.
“O Muath se tornou um irmão para mim. Foi preso em 20/10. Ele sofreu espancamentos e está privado de medicações. A situação atual dele é muito grave. O Sindicato dos Jornalistas Palestinos está promovendo uma campanha para que ele seja assistido, mas o governo de Israel recusa a atender os pedidos. Foi por causa de Muath que me envolvi com a causa palestina”, diz, de forma emocionada, Lucas Siqueira, cujo livro tem o prefácio assinado por Muath Amarneh.
Lucas Siqueira firmou amizade com outro jornalista palestino, Adham al Hajjar, que foi baleado na Grande Marcha de Retorno de Gaza, em abril de 2018. Adham usava capacete e colete a prova de balas com as inscrições “PRESS”, mas, mesmo assim, foi alvejado pelos atiradores israelenses. Siqueira o entrevistou em abril de 2022, contando a história de Adham. O jornalista palestino falou de sua luta para obter tratamento adequado para recuperar os movimentos da perna, que foi destroçada por uma bala expansiva, munição com alto poder de impacto.
Com a atual situação dos bombardeios incessantes a Gaza, há dias Lucas tenta falar com Adham al Hajjar, mas sem sucesso. “Já faz 15 dias que não consigo falar com ele (Adham). Tive notícias de que sua casa foi bombardeada no Norte de Gaza. Por sorte, a família estava em um cômodo que não foi atingido”, comenta.
Por fim, Lucas Siqueira tece críticas ao papel desempenhado pela grande mídia, principalmente a mídia brasileira.
“O papel da mídia internacional e da brasileira é de ser 100% conivente com o discurso sionista. Há, na realidade, uma indústria da desinformação, em que você percebe a utilização de termos técnicos que são usados propositalmente para uma disputa de narrativa, com objetivo de distorcer um diálogo e discurso. Os informes sobre o noticiário da Palestina e do Oriente Médio são apenas replicados, e isso acontece também com mídia independente. Isso ocorre também pela pressa em publicar uma determinada notícia. Um exemplo disso é o emprego do termo ‘antissemitismo’. A palavra semita, em sua origem, não se aplica às pessoas europeias de fé religiosa judaica. Ela tem aplicação correta ao designar pessoas de origem árabe e palestina. Então, se convencionou dizer erroneamente que um ataque a um israelense é antissemitismo, não prevalecendo o mesmo para um palestino. Raramente você vai encontrar alguém que escreva isso de forma correta, diante da atual situação”, finaliza.
O livro “Artigo 19 Violação da liberdade de opinião e expressão na Palestina” pode ser baixado neste link. https://www.editoramemo.com/publicacoes/artigo-19-violacao-da-liberdade-de-opiniao-e-expressao-na-palestina/
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