O Ocidente e o terrorismo na Palestina
"Gaza é um campo de concentração a céu aberto", diz Aldo Fornazieri
O ataque do Hamas contra civis em Israel foi um ato abominável que deve ser condenado com toda veemência pela consciência moral e também porque foi um crime de guerra, de acordo com o direito internacional, mesmo considerando-se que o Hamas é um ator não-estatal.
O povo judeu tem uma história admirável de resiliência ao longo dos séculos. Deixe-se a escravidão do Egito de lado, pois ela faz parte do mito e não da história. O que a história e a arqueologia atestam é que Israel Antigo (Reino do Norte) foi devastado pelos assírios e sua população foi deportada; que Jerusalém, capital de Judá, foi destruída pelos babilônios em 586 a.C.; e que, esta mesma Jerusalém, foi destruída mais duas vezes pelos romanos: em 70 por Tito e em 135 ´por Adriano, ocorrendo a grande diáspora. Na Era Moderna, os judeus foram terrivelmente massacrados pelo nazismo.
Mesmo com tudo isto, os judeus estão aí com seu Estado e com sua prosperidade. Mas a construção do Estado atual, com sua prosperidade, não foi feita sem grandes pecados e grandes crimes. Constatar isto, não significa dizer que os judeus não têm direito a um Estado. O problema é como ele foi constituído.
É certo que o terrorismo deve ser condenado por dirigir-se contra a população civil. Além disso, a história mostra que ele não é um método eficaz para atingir objetivos políticos. Mas se o terrorismo, e a violência que ele perpetra, deve ser condenado, ele deve ser também compreendido. Só compreendendo suas causas é possível agir para evita-lo.
Desta forma, não se pode compreender a violência do Hamas e de outros grupos radicais que lutam contra Israel sem compreender a história da região e dos acontecimentos causais que levaram aos sangrentos dias de hoje.
Pode-se dizer que a história contemporânea da Palestina começa em 1917 com a Declaração de Balfour – que consiste na carta do secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Arthur Balfour, ao líder judaico britânico Lionel Walter Rothschild. Com a declaração o governo britânico se comprometia a estabelecer “um lar nacional ao povo judeu na Palestina”. De 1923 a 1948 foi estabelecido o mandato britânico, espécie de colonialismo, sobre a Palestina. Foi nesse momento que começa a história do terrorismo contra os palestinos e demais árabes que viviam na região.
Sob o mandato, começaram ondas de ingressos crescentes de judeus na Palestina e o confisco de terras pelos britânicos para serem distribuídas para os judeus. De 1936 a 1939 ocorreu a Revolta Árabe (greves e protestos) por conta desta política. Ocorreram prisões em massa e demolições punitivas de lares palestinos, algo que os judeus ortodoxos aplicam até hoje. Os britânicos começaram a armar grupos paramilitares de judeus. Nesse período foram mortos cerca de 5 mil palestinos. Mais de 15 mil foram feridos e 5.600 foram presos.
Com a perseguição nazista, o fluxo de judeus para a Palestina se intensificou. Em 1947, os palestinos ocupavam 94% da Palestina histórica e eram 67% da população. Com a resolução 181, a ONU criou o Estado de Israel e lhe destinou 56% da Palestina. Em 1948, os paramilitares sionistas começaram uma política de expansão territorial, destruindo cidades e aldeias palestinas. Apenas na aldeia de Deir Yassin, 100 homens, mulheres e crianças foram mortos.
Em dois anos, mais de 500 cidades e aldeias foram destruídas e cerca de 15 mil palestinos foram mortos em inúmeros massacres. Com isso, os judeus capturaram 78% da Palestina histórica e o resto ficou para a Cisjordânia e Faixa de Gaza. Calcula-se que 750 mil palestinos tiveram que abandonar suas casas e 150 mil ficaram no Estado de Israel. Em 1948 a Resolução 194 apela para o direito de retorno dos palestinos, mas isto nunca se tornou efetivo.
Sucederam-se guerras e intifadas. Os palestinos foram perdendo terreno nesses processos. Israel foi condenado várias vezes pela ONU e nunca obedeceu as resoluções sobre territórios ocupados. Um relatório da ONU sobre Gaza, produzido em 2009, afirma que na operação Chumbo Fundido, que durou três semanas, Israel e o Hamas cometeram crimes de guerra e, possivelmente, crimes contra a humanidade. Morreram 13 judeus e 1.400 palestinos. No mínimo, 400 dessas mortes podem ter sido execuções de civis. Nunca houve uma investigação conclusiva.
Em 2007 Israel impôs um bloqueio a Gaza, acusando o Hamas de terrorismo. Mas até mesmo analistas judeus sustentam que a extrema-direita de Israel e Netanyahu apoiaram indiretamente e fomentaram o grupo contra o Al Fatah, organização laica e moderada. Na medida em que o Hamas não reconhece o Estado judeu, isto serve aos interesses da extrema-direita israelita para bloquear a formação do Estado Palestino.
De qualquer forma, não é possível compreender o terrorismo e a violência dos grupos palestinos radicais sem estender a história de violência perpetrada contra os palestinos em geral no processo de formação do Estado de Israel. Violência que teve o patrocínio e a complacência das potências ocidentais. Teve também a omissão, quando não a traição, de governos árabes.
O fato é que os palestinos vêm sendo humilhados e espezinhados. A relação que o mundo ocidental tem para com eles é de indiferença. Ninguém se importa com a morte dos civis, das mulheres, das crianças. Ninguém se importa com sua fome, seu desespero, sua falta de pátria e de futuro. São vistos como massa excedente, que pode desaparecer.
Gaza é um campo de concentração a céu aberto. Sentimos horror pela violência terrorista do Hamas contra civis judeus. Mas o que sentimos pela história de terror a que os palestinos vêm sendo submetidos? Concordamos com a existência do Estado de Israel. Mas o que dizer do fato de que Israel viola as resoluções da ONU sobre territórios? E o que dizer da ONU que garante o Estado de Israel e é incapaz de garantir o Estado Palestino? Nos solidarizamos com as famílias e parentes dos civis mortos pelo Hamas. Mas o que sentimos e dizemos às famílias de palestinos que vêm tendo homens, mulheres e crianças mortos há décadas?
Esta guerra precisa acabar, com a convivência de dois Estados. De dois povos irmãos, que têm o mesmo Deus e vários profetas em comum. Nessa história não há povo escolhido. Cada povo precisa ter seu Estado, seus direitos e o direito de viver em paz.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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