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    O ódio feito herança

    Western de Peckinpah à parte, o que passou em Foz espelha nosso momento fascista com raríssima fidelidade, dada a gratuidade da violência, onde o ódio dá o tom

    Marcelo Arruda e Jorge Guaranho (Foto: Reprodução)

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    Há um western do final dos anos sessenta dirigido por Sam Peckinpah e estrelado por William Holden e Ernest Borgnine, cujo título (The Wild Bunch) foi traduzido para ‘Meu ódio será tua herança’. Nunca entendi os critérios da tradução de títulos de filmes. The Wild Bunch significa, literalmente, O Monte Selvagem. 

    Passados mais de cinquenta anos do lançamento do western de Peckinpah e entorpecido com a notícia do assassinato do guarda petista no domingo, na ocasião da comemoração de seu aniversário de 50 anos, em Foz do Iguaçu, compreendo um pouco os tais critérios de tradução.

    É que o filme de Peckinpah inaugurou a potencialização da violência no cinema, pela capacitação de um modelo gráfico, demarcando inovação para época.

    Western de Peckinpah à parte, o que passou em Foz espelha nosso momento fascista com raríssima fidelidade, dada a gratuidade da violência, onde o ódio dá o tom.

    Por aqui o ódio encampa discursos políticos há algum tempo e isso se acentuou sobremaneira com a escalada messiânica, na medida em que o palanque do mito mirava Lula, PT, negros, mulheres, homossexuais, ativistas, livros, cultura, vacinas, e toda minoria que lhe merecesse o ódio.

    Esse show de horrores foi adornado pelo esforço de parte da mídia brasileira (frias + mesquita + marinho + civita) em minimizar discursos de ódio do messias. Tanto que a única coisa que os bolso-arrependidos não podem dizer é que se deixaram enganar. Ninguém que votou no messias tem esse direito – a não ser que tenha um neurônio e este esteve dormente nos últimos vinte anos. 

    A gratuidade homicida de Foz do Iguaçu, todavia, calou a razão e não pode ser vista e compreendida enquanto fato isolado. Ao invadir um aniversário com decoração em motivos ligados ao PT e à Lula, vomitando ‘aqui é bolsonaro’, de arma em punho, o que pretendia o assassino? Qual seu ponto? O que fez ele senão dar azo às falas todas de seu messias tiradas em palanques país afora?

    Nem se desavergonhem de dizer que houve um desentendimento justificador do ato ou, ao menos, uma motivação externa qualquer. O que houve foi uma manifestação (tiro na cabeça de seu adversário político) de caráter supremacista (porque ali deveria ‘ser bolsonaro’) de viés político ideológico que não respeita pensamentos diferentes.

    Essa violência não é senão uma herança do modo de fazer política do messias e de seu gado, enquanto os seguidores de mito herdam seu ódio. 

    Deveras, o tiro que o assassino disparou em Foz do Iguaçu não encontra eco nas esquinas e nos desencontros da vida, mas sim na incapacidade cognitiva do gado que se deixou capturar pelo laço do ódio. O ódio não é uma opção. Jamais.

    Sei que há muito cristão lendo o que escrevo. Lembro que o cara que inaugurou e deu nome à doutrina mais difundida da face da terra (cristianismo), na ocasião de sua derradeira manifestação em vida, pediu ao Pai que perdoasse os que lhe matavam. 

    Ademais, o ódio é feito o ocaso que não se resolve em noite ou dia, suposto que sua não opção racionalista cristã vem sendo vencida na consequência que se dá aos discursos que vendem a morte.

    Em mais de quarenta anos de vida pública o messias não emplacou um só projeto de lei. Não edificou uma ponte que conduzisse ao entendimento e à comunhão das gentes. Sua atuação sempre pautou o ódio.

    Não se flerta com o capiroto impunemente – diria Guimarães Rosa. Tampouco se espera de quem não soube a luz, esgrimir a sombra.

    Por suas falas homofóbicas, racistas, misóginas, fascistas, machistas, o messias deveria ser rejeitado enquanto líder político de duas pessoas (sendo ele próprio a outra); por seus discursos de ódio (metralhar petralha, você não merece que eu lhe estupre, eliminar todo ativismo) ele deveria ser, sim, responsabilizado.

    Não me ocorre, aqui, fazer um apanágio sobre o voto alheio. Então vote você em quem quiser (é esse, afinal, o ideário da democracia). Mas tenha a decência de assumir o que significa seu voto.

    Quer usar uma estola de chinchila? Saiba que ela custou a vida de muitos animais para lhe adornar o colo!

    Não venha, então, me dizer que é preciso tirar o PT que o PT já foi tirado. O messias, aliás, é fruto da retirada do PT. Não venha me dizer que o país está polarizado que não há polarização (viu Luísa, minha querida) quando de um lado há uma bandeira e do outro uma arma. 

    Vote você em quem quiser. É seu direito. Mas, se quiser votar no messias, tenha a dignidade de assumir o seu voto: votei nele porque concordo com a política e com as falas dele.

    Não seja um coxinha covarde (pleonasmo?), suposto que seu mito de estimação não estima os frouxos. Assuma que o tiro disparado em Foz do Iguaçu se justifica nas falas de ódio do cara e que ele dá uma nova perspectiva para o uso da violência, da qual você, por ser um herdeiro, reivindica tanto quanto o seu quinhão de sangue. 

    Viva com todo o sangue derramado e se acostume ao desforço civilizatório que você patrocina. É esse, afinal, o novo mundo que os apoiadores do messias plantaram.

    Tristes e sangrentos trópicos. 

    Saudade pai, você me ensinou amar!

    João dos Santos Gomes Filho

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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