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João Marcos Buch

Juiz de Direito e membro da AJD

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O ódio sairá do comando

"A solidariedade, a bondade, o amor, que permanecem em muitos de nós, tornarão a ser a força motriz de nossa sociedade", escreve João Marcos Buch

(Foto: Pixabay)

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O dia a dia do país anda tão conturbado e perturbador que dormimos com lamentos e acordamos com suspiros. A teoria do choque, insculpida pela escola de Chicago, assola-nos com tanta força que parece impossível imaginar uma nação com menos caos, menos ódio.

De minha parte, não sei dizer se previ as intempéries que nos assombrariam com essa intensidade, mas em 2020, pouco antes de a pandemia ser declarada pela OMS, publiquei um livro de crônicas escritas um ano antes, em 2019, e o intitulei “Um Juiz na Era do Ódio”. 

Na ocasião, como o próprio nome da obra dizia, eu buscava trazer as experiências de um juiz da execução penal que, trabalhando com apenados, defendendo os direitos humanos e debruçando-se sobre as leis, viu-se odiosamente caluniado, difamado e ofendido. Sentindo o preconceito e a intolerância mais forte, ao ponto de precisar redobrar os cuidados com a própria integridade, refleti nas crônicas não só o meu andar, mas especialmente o andar das pessoas aprisionadas, por isso sujeitas ao opressor e inconstante sistema. 

Lamentavelmente, neste ano de 2022, de eleições para Presidente, Governador, Senador e Deputado Federal e Estadual, o ódio se agravou e se alastrou (ou saiu do esgoto), não apenas para mim, mas, pior, para uma população inteira. Estamos a menos de três meses do sufrágio e as bocas malfazejas de certas autoridades produzem, em uma cantilena sem fim, discursos que estigmatizam, segmentam e violentam todos aqueles que não se enquadram ou se opõem ao mundo racista, patriarcal e necrocapitalista tomado como único. 

O ódio sempre esteve presente na história da humanidade, no holocausto da Segunda Guerra Mundial, no genocídio armênio, no extermínio dos povos originários das Américas, no sequestro e escravidão dos negros, para ficar em alguns duros exemplos. Ele, o ódio, preservou-se e preserva-se à disposição de grupos hegemônicos. Mudam as vítimas, o ódio continua. 

Hoje, nesta nação que teve um deus sequestrado, impiedoso acima de tudo e de todos, o alvo se intensificou contra pobres, favelados, populações negras, indígenas, sobre LGBTQIA+, defensores dos direitos humanos e opositores políticos do poder central, em síntese, sobre a população em geral. 

Como ser civilizado, passando por experiências como essas? 

Bertrand Russell (1872–1970), pensador britânico, em “Cartas a Collete”, disse: “Acho muito difícil não odiar; e quando não odeio sinto que os poucos que o fazemos estamos muito solitários no mundo.” 

A resposta, então, talvez esteja no esclarecimento, no entendimento da vida e da sociedade, no descortinamento do processo histórico que forjou o país, longe do “homem cordial” e perto das castas brancas que, munidas de um terço em uma mão e um chicote noutra, comandaram por séculos o país. 

Mesmo Russel, com suas duras constatações, consciente de sua era, disse sim ao amor livre e não à guerra, era um antibelicista e feminista. Ou seja, ao contrário do que possa parecer, apesar de tudo, o entendimento da concretude do ódio que impera, em especial no Brasil dos anos 20, do século 21, retira-nos do conformismo e nos coloca como protagonistas para sua superação. A solidariedade, o respeito à diversidade, a construção de espaços emancipatórios, palmilham a estrada da reparação, retificação e solidificação da dignidade da pessoa humana. 

É certo que há momentos em que não há possibilidade de diálogo, de afeto, de troca, pois, diante do fascismo só há uma alternativa, o combate. Entretanto, na imensa maioria das vezes, podemos transmitir uma comunicação não violenta, que olha para o outro — para todos os outros e por ela disseminar a concórdia. 

Na execução penal, aprendi com o sofrimento vindo das vítimas da violência e dos encarcerados e suas famílias, bem como com os ataques virulentos sobre meu trabalho e minha pessoa, que a restauração das relações interpessoais não violentas é algo factível. Basta agir com alteridade, percebendo o ser humano que se coloca diante de si, para a comunicação plena acontecer.

A solidariedade, a bondade, o amor, que permanecem em muitos de nós, tornarão a ser a força motriz de nossa sociedade. 

E minhas crônicas retornarão a se restringir exclusivamente ao retrato da vida sofrida que viceja no cárcere, das penas que executo, da sensibilidade que devo ter sobre as condições do aprisionamento de uma pessoa. 

O importante é que o fel que tomou conta da nação evaporará, porque o ódio sairá do comando.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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