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    Igor Corrêa Pereira

    Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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    O orçamento roubado em 2016 agora distribuído em segredo

    São tempos nebulosos para o país. A riqueza produzida pela Nação foi saqueada em nome da luta contra a corrupção. Enquanto escandalizavam a opinião pública com o “roubo do PT”, aprovavam o roubo institucionalizado através da PEC dos Gastos. Agora, com o orçamento secreto, a verba negada às políticas públicas é distribuída a parlamentares para satisfazer interesses sórdidos.

    Sessão da Câmara para analisar a PEC dos Precatórios (Foto: Antônio Augusto/Câmara dos Deputados)

    Democracia significa etimologicamente poder do povo. No capitalismo atual, de feição neoliberal, o poder do povo ficou praticamente inviável. O Estado precisa reter a maioria da riqueza do povo para remunerar o lucro do capital especulativo. Fazer isso com apoio popular é quase impossível. A primeira vez que o neoliberalismo foi colocado em prática, foi no Chile em 1973. O povo não concordou com isso, havia eleito o socialista Allende. Os canhões de Pinochet silenciaram o desejo popular. A vontade do capital se afirmou sobre uma pilha de cadáveres. Paulo Guedes, o atual superministro da economia que tem seus dólares no exterior enquanto o povo rouba miojo e mendiga por ossos, estava lá, dando aulas de liberalismo a convite dos generais, enquanto ocorria esse laboratório sinistro.  

     O poder do povo foi violado novamente no Brasil em 2016. Ao invés de canhões, usou-se a mídia, os deputados, os tribunais. O impeachment de Dilma abriu caminho para a PEC dos Gastos e a reforma trabalhista. O povo não escolheu nenhuma dessas medidas. Pelo voto em 2014, havia claramente rejeitado esse caminho, pela quarta eleição consecutiva, enfrentando décadas de campanha ideológica contrária e de doutrinação contra a política e a democracia. O impeachment cassou a vontade popular para satisfazer a voracidade do Deus mercado e arrancar pela força o orçamento nacional e os direitos protetivos da maioria do povo. 

      Vivemos atualmente o trauma pós-2016. Como esperar que o povo novamente eleja algum projeto se o caminho por ele escolhido foi bloqueado? O sintoma dessa crise de legitimidade do processo democrático é o recorde do percentual de votos nulos nas eleições de 2018. A soma de abstenções, votos nulos e brancos passa de 30% dos eleitores. Um contingente de 42,1 milhões de eleitores não escolheram nenhum candidato no processo que elegeu Jair Bolsonaro. Isso desmorona a ideia de que Bolsonaro formou uma maioria. Jamais a maioria do povo o apoiou. Ele se aproveitou do trauma sofrido pela nossa democracia amordaçada pelo capital. Seu mérito foi conseguir aglutinar um terço dos eleitores, enquanto que mais de um terço desistiu envenenado pela longa campanha neoliberal de desmoralização da política, e menos de um terço ainda teve força para dizer não a ele nas urnas. Vivemos o resultado dessa eleição onde a vontade de um terço prevalece sobre todos.   

    A opinião pública, mesmo a de esquerda, parece excessivamente preocupada com esse terço que apoia Bolsonaro. Embora não seja uma preocupação descabida, uma vez que se trata de um terço bastante barulhento, mobilizável, com potencial violento, eu ainda assim preciso anotar que vejo quase nenhuma preocupação com o outro terço, o daqueles que se recusaram a participar do processo. Irão participar em 2022? O trauma já passou ou os efeitos da doutrinação neoliberal os manterão afastados? E participando, sua vontade será respeitada caso seja contrária a vontade do capital? Enquanto essas questões são uma incógnita, o orçamento capturado pelos golpistas segue sendo negociado em tenebrosas transações.   

    Lembra que eu disse no início que o povo não cabe no orçamento? Foi isso que o golpe decretou. Pois bem. Quando o orçamento foi bloqueado ao povo pela PEC dos Gastos e os direitos trabalhistas destruídos pela reforma, os impactos sociais foram gigantescos. Bolsonaro agora tenta se aproveitar dessa destruição destinando uma parte da riqueza que foi negada pela PEC dos Gastos aos parlamentares que lhe forem úteis para manter-se na cadeira que conquistou nas circunstâncias golpistas já mencionadas. 

    A manobra foi chamada pela mídia de “orçamento secreto”. A ministra do STF Rosa Weber decidiu suspender pagamentos dessa abominação. No texto de sua decisão, ela descreve o caráter obtuso de mais essa canalhice:  “Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada”, escreveu a ministra. 

    São tempos nebulosos para o país. A riqueza produzida pela Nação foi saqueada em nome da luta contra a corrupção. Enquanto escandalizavam a opinião pública com o “roubo do PT”, aprovavam o roubo institucionalizado através da PEC dos Gastos. Agora, com o orçamento secreto, a verba negada às políticas públicas é distribuída a parlamentares para satisfazer interesses sórdidos. As eleições de 2022 podem trazer um novo rumo? Neste mês de novembro, eleições no Chile e na Argentina trazem variações da mesma luta. O enfrentamento da região contra o neoliberalismo. Mas em nenhum desses países, nem no Chile que inaugurou o neoliberalismo autoritário, vemos tantos sinais de que a vontade do capital pretende prevalecer, mesmo que por cima de cadáveres. Não há outro caminho senão fortalecer o enfrentamento do monstro, unindo amplitude e radicalidade. Não vejo como esperar um resultado positivo vindo das urnas sem uma expressiva e inarredável luta nas ruas.

     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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