O povo argentino decide seu destino: democracia ou fascismo
A democracia deverá resistir. Mas, o empenho social para mantê-la, será requerido sempre, sem descanso
O clima é de grande preocupação na área das forças políticas progressistas e peronistas do governo e da sociedade argentina diante das eleições finais de domingo onde o povo decidirá viver entre “democracia ou fascismo”. E o que é mais grave, num ambiente social onde o eleitorado não está indiferente, mas mergulhado no sufoco das dificuldades econômicas diárias, na desorientação da guerra midiática das redes, nas fakenews da desinformação, na indução à despolitização e à rebeldia instigada pelos setores da direita. Estes jogam as últimas cartadas para impor-se pelas vias democráticas normais. E, se perdem as eleições, há rumores de manobras para difundir uma suposta fraude eleitoral, desestabilizar e tentar um golpe institucional, ao estilo dos bolsonaristas de 8 de janeiro no Brasil e trumpistas nos EUA.
Mas, as evidências, frente à opinião pública maioritária sobre o último debate presidencial, são de que o candidato Sérgio Massa, da União pela Pátria (UP), não só venceu, mas conduziu (com firmeza, experiência política de governo, convicção de ideias e projetos de país e de equipe) o adversário Javier Milei da Liberdade Avança (LA) (criatura midiática do poder fático, com sinais de desiquilíbrio e linguagem violenta na defesa da política privatizante, anti-Estado, anti-direitos e pró-ditadura). Massa, teve a firmeza de defender pontos programáticos e econômicos de campanha; os já expostos em artigos anteriores. Além da defesa do papel do Estado, do ensino e da saúde pública, da relação com os sindicatos, Massa reforçou no seu projeto os direitos e a proteção à mulher: igual trabalho, igual salário; segurança, facilidades de moradia e independência.
Porém, apesar das evidências de que Milei não apresenta os requisitos políticos presidenciáveis, só as urnas darão o parecer popular definitivo. Portanto, Massa e a UP tem chamado a não desacelerar; levar o debate e a conscientização popular até o último momento das urnas e tratar de convencer a que o rechaço a Milei não se reduza no voto branco ou na abstenção. Os resultados afetam não só os rumos do país, mas da inteira região sul-americana, sobretudo do Brasil, dado que Massa, candidato e atual ministro da economia, representa um projeto já iniciado de incorporação da Argentina ao BRICS-plus, de integração regional dos países via CELAC e Mercosul.
O presidente Lula, junto a Lopes Obrador, Pedro Sánchez e Gabriel Boric, oficializou seu chamado a votar a Massa: “Juntos, seremos fortes. Separados, seremos fracos!”. Enquanto isso, Milei é a favor da ruptura de relações com a China e o Brasil de Lula, por considerá-los “comunistas”. Tal elucubração neoliberal de Milei, com expressões fascistas, vai na contramão do mundo multipolar em desenvolvimento; vai em sintonia com o abominável ato final de guerra do império anglo-americano-sionista: este genocídio de Israel contra o povo palestino de Gaza, na tentativa de sobrevivência, fadada ao fracasso, frente ao progresso transcontinental da Rota da Seda da Ásia ao Médio Oriente.
Não há como desvincular os prazos para o povo argentino garantir a democracia e a defesa da soberania nacional nas eleições de domingo, com os ritmos da paz e da guerra na Palestina. A dor do povo de Gaza não tem fronteiras; abala e clama a inteira humanidade. Estão em risco lá e acolá, os mesmos princípios de defesa da vida das crianças e mulheres, justiça social, direitos, soberania e solidariedade. A vitória de Massa (UP) solidificando o governo peronista/kirchnerista seria o primeiro passo do povo argentino para contribuir à paz e à integridade do povo palestino, seguindo o apelo do presidente Lula frente à ONU e à comunidade internacional. Um sinal já foi dado em recente Comunicado do Ministério da Relações Exteriores do governo argentino condenando bombardeios de Israel contra o campo de refugiados de Jabalia no norte de Gaza.
No último debate entre os candidatos presidenciais, o candidato Massa defendeu o objetivo de persistir na luta pela soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas e o reconhecimento aos milhares de soldados mortos, incluindo os marinheiros vítimas do afundamento do Cruzador ARA General Belgrano (1982), fora da área de guerra, pelos invasores ingleses. Ao contrário, Milei defendeu a ex-primeira-ministra de então, Margaret Thatcher como “grande líder da humanidade”. Tida pelo povo argentino como “genocida”, Thatcher, nesse período, enfrentou e reprimiu os sindicatos e as grandes greves mineiras na Inglaterra. Disse: “Tivemos que lutar contra o inimigo no exterior nas Malvinas. Sempre temos que estar alertas com o inimigo interno, que é mais difícil de combater e mais perigoso para a liberdade”.
Hoje, o povo inglês, com suas novas gerações, inunda e transborda as ruas de Londres numa das mais comovedoras manifestações contra o massacre do povo palestino e contra a Otan. As urnas dirão quanto Milei perdeu por tamanha falta de patriotismo e amor humano. Justificar o colonialismo da Thatcher é deixar as portas abertas às pretensões históricas e vigentes da Inglaterra sobre as riquezas minerais e energéticas no subsolo e nas águas Malvinas e na Antártida; portanto, novas guerras de ocupação à vista. Por isso, Massa reitera o projeto estatal de defesa do lítio, do petróleo de YPF e do gás de Vaca Morta em contraposição às privatizações de Milei, e ao saqueio já ameaçado pela comandante Laura Richardson dos EUA e apoiado por Macri; este, agora sócio-proprietário da candidatura de Milei.
Entretanto, no âmbito dos próprios novos apoiadores de Milei (PRO e Juntos pela Mudança) há dúvidas: Milei, como presidente, será capaz de defender seus negócios, reunir-se com políticos, governadores, dirigentes sindicais e sociais? A proposta de Milei de romper relações com a China e o Brasil, descartando o papel do Estado, demonstra ignorância básica sobre o papel central do Estado no controle das relações comerciais internacionais, incluindo taxas alfandegárias e sanitárias; fala de livre comercialização de exportadores privados com países à escolha, ao gosto do livre mercado. Tal dito é questionado por parte do próprio empresariado argentino. As maiores exportações argentinas são com os países que estão no BRICS. Segundo dados publicados pelo jornal Página12, há atualmente na Argentina 2580 empresas (7% do total) que exportam ao Brasil. Enquanto há 668 empresas (2% do total) que vendem à China. Estas empresas correspondem a uns 632 mil trabalhadores, ou seja, 40% da mão de obra de exportadores. Por isso, tal política de motosserra contra o Brasil e a China, levaria a um desemprego massivo de trabalhadores, como alertou Massa.
Outro tema que poderá fazer Milei perder votos é a sua inexplicável “dolarização” num país que não emite dólares e se encontra sem reservas, com dívidas gigantescas com o FMI já bem conhecidas e contraídas pelo seu sócio Macri, em grande parte direcionadas pelo mesmo aos paraísos fiscais. Sua vice-presidenta, Villarruel, tentou explicar e terminou revelando o golpe: resgatar dólares das economias da cidadania, tipo “corralito”2001. Pior a emenda que o soneto.
Há que ver então qual será o nível da deserção dos potenciais eleitores de Milei, frente às evidências da sua incapacidade de governar e seus desígnios delirantes, fora da realidade. É claro que estamos na era da “dissonância cognitiva” e que os meios de comunicação mais potentes, associados às redes sociais dominadas pela extrema direita, farão o seu papel de demolição das consciências, da boa informação, do propiciar aos eleitores algum tipo de espaço para raciocínio lógico, sereno, para que isso se materialize nas urnas.
Mas esse é um perigo de época, para qualquer processo que se pretenda democrático: já os meios tradicionais não respondem à rapidez e agressividade do mundo virtual, como espaço de manipulação, mesmo que contra a dura realidade: são de farto conhecimento as intenções de Milei: a privatização da educação, da saúde, das aposentadorias, até mesmo do “mar e das baleias”; a livre venda de órgão e armas; e criação de taxas universitárias. O último debate desmontou o que está por trás da ideia da absurda demolição do Banco Central; algo inviável em qualquer economia mundial. Massa desmascarou o candidato, demonstrando que nos bastidores de tal ideia não há só uma loucura libertária sobre economia de livre mercado, mas também algo que deriva de antecedentes pessoais de um fracassado estágio do candidato no Banco Central.
Mas mesmo com estes elementos, os riscos de que Milei possa ser eleito não se excluem. O lema da Liberdade Avança é o anti-Estado; “tudo o que é privado é melhor”. Mas, a cada dia o delírio vai mais longe: Agora, Milei pretende também privatizar os clubes esportivos de bairro, transformando-os em Sociedades Anônimas. A tradição dos clubes de bairro na Argentina, apoiados pela própria cidadania e não por empresários, avançou e garantiu grandes campeões mundiais. Macri, membro da FIFA, tem a ver com o futebol-empresa. Mas, a torcida e o eleitorado argentino, com vários campeonatos mundiais, está desperta. Há reações. O Racing, Clube Atlético Independente e São Lourenço não querem Sociedades Anônimas, mas sim, Sociedades Civis. Bolsonaro privatizou clubes, deixando a Lula a luta por revogar a lei no Congresso.
A democracia e os direitos sociais estão em risco. A motosserra de Milei, e o negacionismo sobre os genocidas da ditadura ameaçam as conquistas democráticas dos últimos 40 anos. Sua vice, Villarruel, nega o terrorismo de Estado, os 30 mil desaparecidos; anuncia indultar militares condenados de lesa humanidade, e acabar com os museus da Memória nos velhos centros de tortura da ex-ESMA e transformá-los num jardim de lazer. E disse numa entrevista: “como você pensa resolver um país devastado, senão com a tirania!”. Isso confirma que os anunciados reajustes com a motoserra de Milei serão impostos com repressão.
A lição da eleição de Bolsonaro, por fraudulenta que tenha sido, não pode ser esquecida. Para evitar isso, muito se depende da militância mobilizada, e esta tem reagido fortemente. Frente a tal ameaça à democracia destes anos de Memória, Verdade e Justiça e do “Nunca Mais”, a indignação desatou uma espontânea campanha da chamada “micro-militância”, nos transportes coletivos, repudiando o voto a Milei, e chamando a votar no Massa. Um exemplo impactante, que circulou nas redes, foi a fala de Ana Fernández filha de Ana María Careaga e neta de Esther Ballestrino, uma das fundadoras do movimento Mães de Praça de Maio, que teve a coragem de discursar no metrô e recordar a verdade sobre a ditadura. “Por favor: pela democracia, não votem no Milei’! “Eu amo este país, quero viver aqui, quero que todos possamos viver tendo diferenças, expondo nossas diferenças, sem medo a que nos sequestrem, torturem, ou nos atirem com vida no mar”. Da mesma forma um médico idoso, defendendo a saúde e a educação pública, no metrô chamou a votar no Massa. Por outro lado, um ex-combatente na guerra das Malvinas, rechaçando o apoio de Milei à Thatcher. E assim, sucessivas intervenções, circulam nas redes sociais.
Tudo isso, se soma à caminhada no sábado passado em Buenos Aires, de intelectuais, artistas e cidadãos na defesa da cultura ameaçada pelas privatizações na educação e no ocultamento da verdade histórica. Desta, participaram Perez Esquivel e Ricardo Alfonsin, seguro de que seu pai, Raul Alfonsin, o promotor da CONADEP em 1983 (Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas) não vacilaria em apoiar o Massa. Mais de 45 dirigentes e intelectuais estrangeiros da América Latina e Europa se somam com declaração de repudio a Milei. Até mesmo o Coletivo Histórias Desobedientes, constituído por familiares de genocidas, decidiu apoiar a candidatura de Massa. Na superestrutura das forças políticas já há um fluxo de forças progressistas e do empresariado, que se desprendem de Milei e Macri. Desde o campo opositor ao governo atual, convergem rumo ao chamado de Unidade Nacional que Massa quer assegurar com políticas de Estado: o Partido Socialista (PS) e 200 membros da UCR e vários governadores (incluindo Morales de Jujuy). Enfim, é difícil prever a voz final das urnas no dia 19. Alguma pesquisa de opinião confiável, presencial, mais próxima à data, pode acertar na previsão.
Dado os fatores políticos e sociais sui generis dos últimos tempos, a única certeza que se pode ter é que o povo argentino tem história e memória e o peronismo-kirchnerismo se dedicou a preservá-la, apesar da enorme guerra midiática-judicial contrária. Massa pode e deve vencer as eleições! A democracia deverá resistir. Mas, o empenho social para mantê-la, será requerido sempre, sem descanso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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