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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O primeiro ano de uma política externa que resgatou a imagem e a soberania do Brasil

    "O Brasil voltou. E o povo sabe. O povo brasileiro reconheceu esse esforço", destaca o sociólogo

    Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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    A política externa praticada durante o governo Bolsonaro prejudicou muito a imagem do Brasil no exterior e comprometeu o protagonismo internacional do país e sua soberania.

    Com efeito, ao longo daquele fatídico governo, praticou-se uma política de intencional isolamento, com base na opção ideológica pelo “antiglobalismo”, calcado numa luta irracional contra a suposta ameaça do “marxismo cultural”, que estaria corroendo os autênticos fundamentos e valores da civilização ocidental.

    O próprio chanceler da época, Ernesto Araújo, chegou a reivindicar, como positiva, a condição de pária para o Brasil.

    Funcionou. Nos grandes encontros internacionais, Bolsonaro era evitado como alguém que portava moléstia muito grave e contagiosa. Um autêntico representante da barbárie.

    Esse “isolamento reacionário” via no meio externo “globalista” a fonte de conspirações que justificavam posturas negacionistas e rupturas com a tradição diplomática brasileira, no pós-redemocratização.

    Com fundamento em tal posição ideológica, o Brasil de Bolsonaro colocou toda a ênfase de sua política externa numa aliança subalterna com os EUA de Trump e de Steve Bannon, líderes da extrema-direita mundial. Também se deu excessiva relevância ao relacionamento com o governo de extrema-direita de Israel, em detrimento de nossas históricas posições equilibradas, relativamente ao Oriente Médio e seus conflitos.

    Embora os prejuízos tenham se espraiado por todas as áreas das relações exteriores, os danos mais graves ocorreram nos temas ambientais, direitos humanos, integração regional, saúde internacional e projeção no Sul Global.

    O resultado geral foi a quase que total ausência Brasil do cenário global e uma imagem péssima para o país.

    Com Lula, porém, o Brasil voltou.

    E voltou com tudo.

    Na área ambiental, por exemplo, uma das mais atingidas pelo negacionismo bolsonarista, o Brasil reassumiu seus compromissos internacionais com o combate ao efeito-estufa, estabeleceu a meta de atingir o desmatamento zero até 2030, normalizou suas relações com os doadores do Fundo Amazônia, lançou a proposta inovadora da “OPEP das Florestas Tropicais”, decidiu hospedar a COP-30 em Belém e reduziu a área desmatada na Amazônia em cerca de 60%. Tornou-se, de novo, exemplo positivo a ser emulado. Potência ambiental em ascensão.

    No campo dos direitos humanos, o Brasil de Lula retomou suas posições históricas e reafirmou o próprio mandato constitucional da política externa, o qual determina que as relações internacionais do Brasil devem reger-se pelos princípios “da prevalência dos direitos humanos; da não-intervenção, do repúdio ao terrorismo e ao racismo”.

    Desse modo, o novo governo brasileiro desfez as alianças ultraconservadoras que o governo Bolsonaro havia feito no Conselho de Direitos Humanos na ONU e reassumiu a defesa de vários direitos, como o direito à saúde, o direito à alimentação adequada, o direito à igualdade de gênero e racial, os direitos reprodutivos femininos etc. Retomamos nosso protagonismo progressista.

    No que tange à integração regional, o Brasil de Lula reativou o Mercosul, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), organismos que haviam sido abandonados por Bolsonaro. Também redinamizou a Organização do Tratado do Cooperação Amazônica (OTCA), organismo regional estratégico para o desenvolvimento sustentável.

    Ademais, ainda em âmbito regional, o governo Lula retomou as relações diplomáticas com o governo real da Venezuela, abandonando o apoio ideológico ao “governo” fictício de Juan Guaidó. Essa normalização de relações com um vizinho tão importante como a Venezuela permitiu ao Brasil retomar protagonismo no norte da América do Sul, reativar relevante agenda bilateral de cooperação e, mais recentemente, mediar positivamente negociações entre Caracas e Georgetown, no delicado tema de Essequibo.

    O governo Lula também conseguiu aprovar, no Congresso Nacional, o ingresso da Bolívia no Mercosul, projeto que estava parado desde 2016.

    Em relação à geopolítica mundial, o abandono da aliança ideológica e subalterna com a extrema-direita trumpista permitiu ao Brasil reativar sua participação no BRICS e suas parcerias estratégicas com países como a China. O Brasil de Lula voltou a contribuir para a geração de uma ordem mundial multipolar, mais simétrica e assentada no multilateralismo.

    Ao mesmo tempo, voltamos a nos reaproximar da África e do Oriente Médio, regiões que, à exceção dos países do Golfo Pérsico, foram relegadas a um distante segundo plano, no governo anterior.

    Passamos a manter boas relações com todas as regiões e países do mundo, sem discriminações ideológicas e sem alinhamentos acríticos a quaisquer dos polos da nova “Guerra Fria”, que alguns países hegemônicos tentam impor ao resto do mundo

    O Brasil passou a se alinhar com seus próprios interesses soberanos. E Lula, ao contrário de Bolsonaro, retomou sua condição de autêntico líder mundial, um representante cortejado do chamado Sul Global. Neste ano, refletindo esse imenso prestígio, o presidente Lula visitou, a convite, nada menos que 24 países, em 15 diferentes viagens internacionais.

    Esse renovado protagonismo do Brasil permitiu ao país passar, com brilhantismo, pela presidência do Conselho de Segurança da ONU, pela presidência do BRICs e pela presidência do Mercosul. Agora, em dezembro, o Brasil assumiu, pela primeira vez, a presidência do G20, com uma agenda centrada no desenvolvimento sustentável. Outra demonstração do atual prestígio do Brasil foi a designação da ex-presidenta Dilma Rousseff para o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS.

    Tal ativismo universalista da nova política externa do Brasil se refletiu também no plano comercial, pois o nosso país deverá apresentar, neste ano (2023), um superávit comercial recorde, algo próximo a U$ 100 bilhões.

    Por conseguinte, foram muitas e profundas as realizações, neste primeiro ano do terceiro governo Lula, na área estratégica da política externa.

    Entretanto, se pudéssemos identificar a principal delas, diríamos que foi a defesa da vida.

    Defesa da vida dos nossos nacionais que estavam em Gaza e Israel e defesa da vida de todos: palestinos, israelenses e de quaisquer outras nacionalidades.

    No caso das brasileiras e dos brasileiros, nosso país montou uma complexa e delicada operação de resgate. Operação bem-sucedida e pioneira, no campo mundial. Graças à capacidade negociadora do país, à nossa competente diplomacia e à logística propiciada pela FAB, o Brasil de Lula não deixou ninguém para trás.

    Além disso, o Brasil, à frente do CSNU, trabalhou arduamente pelas negociações, pela paz, pela criação de um corredor humanitário em Gaza e para evitar mais mortes e sofrimento, especialmente entre crianças e civis inocentes.

    O fato de que os EUA, no último momento, terem vetado, por motivos políticos menores, a nossa Resolução no CSNU, que estava em sintonia com a comunidade internacional, com os valores civilizatórios e com as próprias decisões da ONU, não borra o brilhantismo da nossa diplomacia e o grande empenho pessoal de Lula pela paz.

    O povo brasileiro reconheceu esse esforço.

    As Relações Internacionais apareceram, de forma inédita, como o 4º ponto mais positivo do governo Lula, segundo a pesquisa do IPEC, divulgada no início de dezembro.

    O Brasil voltou. E o povo sabe.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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